Por Aluizio Moreira
Muito se tem
discutido acerca do socialismo do século XXI: novas táticas, novas estratégias,
revisão de princípios, exclusão dos programas dos partidos de qualquer
referência ao comunismo ou ao socialismo, mudanças dos nomes dos partidos. . .
e por aí vai.
Embora a
tendência social-democrática que sempre apostou na via parlamentar nunca tenha
deixado de existir, mas em desvantagens em relação ao comunismo prevalecente
que pregava o assalto ao poder pelos trabalhadores, parece-nos que a prática comunista que marcou
as diversas formas de luta revolucionária nos séculos XIX/XX, arrefeceu, e
muito.
Por outro
lado, faz parte da memória revolucionária, o tempo em que ser revolucionário
era um misto de homem de pensamento e homem de ação, antes que as questões do
socialismo e do comunismo se transformassem em discussões para temas de
trabalhos acadêmicos.
Os partidos
comunistas (salvo raríssimas exceções) entraram no esquema da prática eleitoral
comum a todos os partidos burgueses, disputando número de parlamentares no
legislativo e funções ministeriais no executivo, como se isso pudesse, como
consequência, contribuir para transformar a sociedade capitalista em
sociedade socialista. Ou talvez nem mais defendam qualquer ação transformadora.
Assume-se uma posição verdadeiramente reformista ou até mesmo conservadora.
Na verdade
continuamos a “interpretar o mundo de
várias formas”. Não importa “transformá-lo”.
Evidente que
participar da vida parlamentar pode trazer algumas contribuições mais imediatas
como interferir na política orçamentária em favor da saúde e educação, barrar
projetos que firam os interesses dos trabalhadores e/ou das minorias, denunciar
as grandes negociatas envolvendo as empresas monopolistas internacionais, defender
a soberania nacional ante a intromissão de outros países e, sobretudo defender
as conquistas dos trabalhadores conseguidas com muitas lutas.
É
fundamental que paralelamente a esses posicionamentos na vida parlamentar ou
ministerial, o partido desenvolva uma prática junto aos trabalhadores urbanos e
rurais, junto aos excluídos, ou seja, junto ao povo, no sentido de sua
organização e sua formação política.
O que não se
pode é perder de vista que o partido que assumir/participar do poder num pais
capitalista, por mais radical de esquerda que seja esse partido, implica
desenvolver um conjunto de ações que sirva de gerenciamento do capital,
reproduzindo-o enquanto sistema.
Aliás, sobre
a questão parlamentar gostaríamos de deixar registrado o pensamento de Rosa
Luxemburgo no artigo “Questões de organização da socialdemocracia russa”
escrito em 1904, isto há 111 anos antes.
...o
parlamentarismo é o viveiro especifico da atual corrente oportunista no
movimento socialista da Europa Ocidental, dele provêm igualmente as tendências
particulares do oportunismo para a desorganização. O parlamentarismo não apenas
mantém todas as notórias ilusões do atual oportunismo, tais como as conhecemos
na França, Itália e Alemanha: a supervalorização do trabalho de reformas, a
colaboração das classes e dos partidos, o desenvolvimento pacifico etc.
Ao se tratar
sobre a questão do partido revolucionário versus prática revolucionária, podemos afirmar que não há como um partido
comunista, ou se preferirem, um partido operário, submetendo-se às regras do
jogo parlamentar burguês pela imposição do capital, promover uma transformação
da sociedade no sentido do socialismo, ou se preferirem pelo espectro que o termo pode representar, de uma sociedade igualitária.
A chamada
“governabilidade” não é simples figura de retórica. Ela faz parte de um sistema de
acordos, de alianças, mesmo conjunturais, sem os quais os parlamentares
boicotam quaisquer pretensões emanadas do governo, que se contraponham,
de alguma forma, aos interesses da classe dominante, incrustada ou não no
poder.
Por mais
comprometido que seja determinado partido com as causas populares, que tenha
como objetivo programático a instituição de uma sociedade para além do capital,
as conquistas que ocasionalmente ocorram, não passarão de reformas nos limites
aceitáveis pelo sistema.
Assim,
abandona-se a defesa de uma reforma agrária (se faz assentamentos), não se
investe no ensino público (colabora-se para sua comercialização), não se
melhora o sistema público de saúde (incentiva-se os planos privados de
assistência médica), não se assume uma política de defesa do meio ambiente
(entrega-se a particulares a “tarefa” de destruir rios e florestas). E quando,
por exemplo, o governo reduz os preços dos produtos industrializados, não o
motiva beneficiar a população com o preço baixo, procura-se
prioritariamente evitar um colapso nas empresas. Passada a ameaça de
crise, tudo volta ao que era antes.
Mas, sob
quais condições a classe trabalhadora logrou participar do parlamento burguês?
É o que nos
esclarece István Mészáros (Atualidade
histórica da ofensiva socialista):
O
surgimento da classe operária na cena histórica foi apenas um acréscimo
inconveniente ao sistema parlamentar, constituído bem antes de as primeiras
forças organizadas do movimento operário tentarem manifestar em público os
interesses vitais de sua classe. Do ponto de vista do capital, a resposta
imediata a esse inconveniente mas crescente “incômodo”, foi a rejeição e
a exclusão dos grupos políticos operários. Mais tarde, entretanto, uma ideia muito
mais adaptável foi instituída pelas personificações políticas mais ágeis do
capital: domesticar de algum modo as forças do trabalho. Ela assumiu de início
a forma do patrocínio parlamentar paternalista de algumas demandas da classe
trabalhadora por partidos políticos burgueses relativamente progressistas e,
mais tarde, a da aceitação da legitimidade dos partidos da classe trabalhadora
no próprio Parlamento, embora, é claro de uma maneira estritamente
circunscrita, obrigando-os a se conformar às regras democráticas do jogo
parlamentar. (p. 34-35)
Poderia ser
de outra forma? Evidente que não. É a lógica do capital. Na medida em que “direta
ou indiretamente o capital controla tudo inclusive
o processo legislativo parlamentar, ainda que se suponha que este seja considerado
totalmente independente do capital em muitas teorias que hipostasiam a
“igualdade democrática” de todas as forças políticas que participam do processo
legislativo". (p. 36)
Compreender
isso é de uma importância fundamental para quem quer mudar o mundo.
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