quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Lei Antiterrorista criminaliza ainda mais os movimentos sociais


Por Cristina Fontenele



Aprovado pela Câmara dos Deputados recentemente, o Projeto de Lei 2016/15, que tipifica o terrorismo no Brasil, tem gerado controvérsias e oposição das organizações de direitos humanos. O texto final, que prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos em regime fechado, aguarda a apreciação do Senado Federal. Os defensores do projeto acreditam que a Lei Antiterrorismo é necessária para que o Brasil seja plenamente aceito pela comunidade internacional. No entanto, os opositores entendem que a proposta atenta contra as liberdades democráticas e pode criminalizar ainda mais os movimentos sociais, a exemplo de outras experiências, sobretudo na América Latina.


Segundo o Projeto de Lei, atos praticados por
xenofobia ou discriminação, que provoquem
terror social, podem ser tipificados como
terrorismo

Segundo o texto aprovado, o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos de atos motivados "por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Considera-se que os crimes previstos no projeto são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento.

De autoria do Poder Executivo, com a relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia (Partido Solidariedade – Bahia), as entidades de defesa dos direitos humanos temem a arbitrariedade na aplicação da cláusula que afirma que a tipificação do terrorismo "não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.

À Adital, Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH) disse que a Lei Antiterrorista visa a operar contra manifestações de direitos sociais e representa um retrocesso para o país. Ele destaca que os movimentos sociais, de uma maneira geral, são contrários ao projeto e esperam que a proposta seja rejeitada. "A Lei de Segurança Nacional já caiu em desuso. Não aceitamos que venham impedir a participação social legítima”.

Para Marques, o projeto é desprovido do contexto histórico no Brasil, portanto, é "inócuo, sem propósito”, e poderá ser usado internamente para investigar líderes políticos, não significando uma resposta ao cenário internacional. "Quais são os atos terroristas na história do Brasil? O que os governantes temem são as manifestações”, explica

Para Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional dos
Direitos Humanos (MNDH), a Lei Antiterrorista é sem propósito
e desprovida de contexto histórico no Brasil.

O coordenador ressalta que, mesmo com as últimas alterações, o texto continua interpretativo e pode permitir que se reprima qualquer ato contra o governo, enquadrando-o como terrorismo. Ele cita como exemplo de indisposição ao diálogo com o povo as manifestações contra a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 171 (redução da maioridade penal), quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, soube de possíveis protestos e impediu o acesso dos manifestantes àquela que é deveria ser a "Casa do Povo”. Ele aponta como outro exemplo de atuação repressiva a atuação da Polícia Militar (PM), no dia 14 de agosto, em Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais), quando deteve mais de 60 pessoas que protestavam contra o aumento das tarifas de transportes públicos. "A Polícia se vê no direito de reprimir e prender por qual motivo? Ordem pública?”, questiona.

Excetuando o período da ditadura militar, Marques comenta que não faz parte da cultura do Brasil abrigar, apoiar ou participar, de alguma forma, de atos terroristas. "Não podemos dizer que o Brasil é um país pacífico, mas as práticas demonstram que se busca a pacificação de conflitos internacionais, por exemplo”.

Em entrevista à Adital, Natália Damázio, advogada da Justiça Global, diz que a tipificação do terrorismo já produziu efeitos negativos nos movimentos sociais da América Latina. Para ela, a decisão mais "democrática” seria a não tipificação, pois leis de terrorismo são "controversas mundialmente”, sendo um tipo penal arbitrário, com texto aberto, que pode ser mal aplicado na prática.

A advogada destaca que alguns países têm utilizado leis antiterroristas, criminalizando, de forma seletiva, líderes de direitos humanos. Um exemplo seria o caso dos índios Mapuches, no Chile, condenados, em 2003, pelos crimes de "ameaça de incêndio terrorista”, "incêndio terrorista” e "conduta terrorista”, com penas entre cinco e 10 anos de prisão. Os fatos ocorreram em 2001 e 2002, nas regiões de Bío bío e Araucanía, quando protestavam pela devolução de suas terras ancestrais. No ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o governo chileno e ordenou a anulação das condenações por terrorismo.

Natália diz que o projeto de lei no atual momento do Legislativo e do Executivo brasileiro é uma "aposta perigosa” do governo, que tende a violar, em longo prazo, os direitos humanos. "A tipificação não caminha sozinha. Vivemos um momento histórico que aposta em políticas de segurança pública repressivas, como o superencarceramento e a violência policial”. E a Lei Antiterrorista acarretaria riscos de um autoritarismo ainda maior.


De acordo com Natália Damázio, advogada da Justiça Global,
leis de terrorismo são "controversas mundialmente".

Vivian Calderoni, advogada do Programa de Justiça da Conectas, expressa à Adital grave preocupação pela possível criminalização dos movimentos sociais, a partir da aplicação do Projeto de Lei. "Mesmo com a inclusão da salvaguarda sobre os movimentos sociais, a interpretação fica a cargo do juiz, caso a caso”. Ela diz que a Conectas tem acompanhado a forma como o Judiciário vem lidando com os protestos sociais, tendo em vista a análise dos processos das manifestações de 2013 (contra o aumento das tarifas de transportes públicos), nos quais várias pessoas foram enquadradas.

A advogada lembra que o debate sobre terrorismo ganhou força no período da Copa do Mundo de 2014, quando o Brasil se comprometeu com a Federação Internacional de Futebol (Fifa) em combater o terrorismo. O Congresso Nacional iniciou a discussão sobre o assunto, mas não deu seguimento devido à complexidade da matéria. Vivian defende que o Congresso não deve ceder à pressão internacional, tendo em vista a proximidade das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, que pode influenciar as discussões sobre terrorismo.

Em nota pública, divulgada no último dia 03 de agosto, a Rede Justiça Criminal reforça que o Projeto coloca a democracia em risco. Segundo a Rede, coletivo formado por organizações da sociedade civil que lidam com o sistema de justiça criminal, incluir a política e a ideologia como elementos característicos de organização terrorista expõe a população brasileira à censura penal de atos contestatórios. "Está em questão, portanto, a experiência democrática brasileira, e não somente pelo conteúdo do projeto”.



FONTE: Adital

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