Por Cristina Fontenele
Aprovado pela Câmara dos Deputados recentemente, o Projeto de Lei 2016/15, que tipifica o terrorismo no Brasil, tem gerado controvérsias e oposição das organizações de direitos humanos. O texto final, que prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos em regime fechado, aguarda a apreciação do Senado Federal. Os defensores do projeto acreditam que a Lei Antiterrorismo é necessária para que o Brasil seja plenamente aceito pela comunidade internacional. No entanto, os opositores entendem que a proposta atenta contra as liberdades democráticas e pode criminalizar ainda mais os movimentos sociais, a exemplo de outras experiências, sobretudo na América Latina.
Segundo o Projeto de Lei, atos praticados por xenofobia ou discriminação, que provoquem terror social, podem ser tipificados como terrorismo |
De autoria do Poder Executivo, com a relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia (Partido Solidariedade – Bahia), as entidades de defesa dos direitos humanos temem a arbitrariedade na aplicação da cláusula que afirma que a tipificação do terrorismo "não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.
À Adital, Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH) disse que a Lei Antiterrorista visa a operar contra manifestações de direitos sociais e representa um retrocesso para o país. Ele destaca que os movimentos sociais, de uma maneira geral, são contrários ao projeto e esperam que a proposta seja rejeitada. "A Lei de Segurança Nacional já caiu em desuso. Não aceitamos que venham impedir a participação social legítima”.
Para Marques, o projeto é desprovido do contexto histórico no Brasil, portanto, é "inócuo, sem propósito”, e poderá ser usado internamente para investigar líderes políticos, não significando uma resposta ao cenário internacional. "Quais são os atos terroristas na história do Brasil? O que os governantes temem são as manifestações”, explica
Para Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), a Lei Antiterrorista é sem propósito e desprovida de contexto histórico no Brasil. |
Excetuando o período da ditadura militar, Marques comenta que não faz parte da cultura do Brasil abrigar, apoiar ou participar, de alguma forma, de atos terroristas. "Não podemos dizer que o Brasil é um país pacífico, mas as práticas demonstram que se busca a pacificação de conflitos internacionais, por exemplo”.
Em entrevista à Adital, Natália Damázio, advogada da Justiça Global, diz que a tipificação do terrorismo já produziu efeitos negativos nos movimentos sociais da América Latina. Para ela, a decisão mais "democrática” seria a não tipificação, pois leis de terrorismo são "controversas mundialmente”, sendo um tipo penal arbitrário, com texto aberto, que pode ser mal aplicado na prática.
A advogada destaca que alguns países têm utilizado leis antiterroristas, criminalizando, de forma seletiva, líderes de direitos humanos. Um exemplo seria o caso dos índios Mapuches, no Chile, condenados, em 2003, pelos crimes de "ameaça de incêndio terrorista”, "incêndio terrorista” e "conduta terrorista”, com penas entre cinco e 10 anos de prisão. Os fatos ocorreram em 2001 e 2002, nas regiões de Bío bío e Araucanía, quando protestavam pela devolução de suas terras ancestrais. No ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o governo chileno e ordenou a anulação das condenações por terrorismo.
Natália diz que o projeto de lei no atual momento do Legislativo e do Executivo brasileiro é uma "aposta perigosa” do governo, que tende a violar, em longo prazo, os direitos humanos. "A tipificação não caminha sozinha. Vivemos um momento histórico que aposta em políticas de segurança pública repressivas, como o superencarceramento e a violência policial”. E a Lei Antiterrorista acarretaria riscos de um autoritarismo ainda maior.
De acordo com Natália Damázio, advogada da Justiça Global, leis de terrorismo são "controversas mundialmente". |
Vivian Calderoni, advogada do Programa de Justiça da Conectas, expressa à Adital grave preocupação pela possível criminalização dos movimentos sociais, a partir da aplicação do Projeto de Lei. "Mesmo com a inclusão da salvaguarda sobre os movimentos sociais, a interpretação fica a cargo do juiz, caso a caso”. Ela diz que a Conectas tem acompanhado a forma como o Judiciário vem lidando com os protestos sociais, tendo em vista a análise dos processos das manifestações de 2013 (contra o aumento das tarifas de transportes públicos), nos quais várias pessoas foram enquadradas.
A advogada lembra que o debate sobre terrorismo ganhou força no período da Copa do Mundo de 2014, quando o Brasil se comprometeu com a Federação Internacional de Futebol (Fifa) em combater o terrorismo. O Congresso Nacional iniciou a discussão sobre o assunto, mas não deu seguimento devido à complexidade da matéria. Vivian defende que o Congresso não deve ceder à pressão internacional, tendo em vista a proximidade das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, que pode influenciar as discussões sobre terrorismo.
Em nota pública, divulgada no último dia 03 de agosto, a Rede Justiça Criminal reforça que o Projeto coloca a democracia em risco. Segundo a Rede, coletivo formado por organizações da sociedade civil que lidam com o sistema de justiça criminal, incluir a política e a ideologia como elementos característicos de organização terrorista expõe a população brasileira à censura penal de atos contestatórios. "Está em questão, portanto, a experiência democrática brasileira, e não somente pelo conteúdo do projeto”.
FONTE: Adital
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