quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Apesar de tudo, o livro continua a resistir






Incluir na "ESTANTE"


Por Nadine Bayle e Alain Beuve Méry


A queda no gosto pela leitura, a chegada de novos intermediários e a multiplicação de conteúdos gratuitos alimentam a ideia de uma crise permanente. Mas as editoras e as livrarias resistem

Nesta semana, mais de 200 editoras francesas estarão presentes na Feira do Livro de Frankfurt. Com a chegada de centenas de novos romances nas prateleiras das livrarias e a corrida pelos prêmios do outono, esse é um daqueles rituais do mercado literário que nada parece conseguir mudar. Seria um paradoxo, neste momento em que as grandes livrarias e bibliotecas do mundo estão na internet e onde uma obra pode custar mais barato que um café? A seguir, os três desafios que estão mudando o mercado editorial.

Enfrentar a deserção dos leitores

Livraria Delamain, em Paris, a mais antigas da França, foi
ameaçada de fechamento
Entre 1973 e 2008, a porcentagem de pessoas com mais de 15 anos que haviam lido 20 livros ou mais durante o ano caiu de 28% para 16%, segundo a pesquisa “Práticas culturais dos franceses” do Ministério da Cultura. No total, 53% dos franceses declararam espontaneamente que haviam lido poucos livros ou nenhum na ocasião da última pesquisa sete anos atrás. “O livro atualmente faz parte da economia da atenção”, um artigo raro, resume o economista cultural François Moreau, professor na Universidade Paris-13.

Seja pela concorrência com outros tipos de lazer, seja pela falta de tempo, pela dessacralização do livro ou pelo fracionamento da leitura nas telas, desde os anos 1980 cada nova geração tem tido cada vez menos leitores do que a anterior. E parte dos leitores fracos e médios desiste a partir da adolescência. Nos meios populares, “certas formas de romances, como histórias românticas, ainda funcionam bem entre leitoras mulheres, mas o livro não oferece mais atrativo para os homens”, constata Olivier Donnat, que coordena a pesquisa sobre as práticas culturais dos franceses no Ministério da Cultura. “O romance policial se elitizou e passamos de SAS [série popular de livros de espionagem] para Fred Vargas em 15 anos.”

Já o livro digital não criou novos leitores, e por isso as editoras precisam encontrar meios de crescimento através da diversificação, ainda que para isso tenha de comprar outras editoras. Após a compra da Flammarion, em setembro de 2012, Antoine Gallimard exemplificou esse princípio no programa Télérama de 22 de março de 2014. Michel Onfray, que criticou Freud e Sartre, é publicado pela Flammarion, não pela Gallimard, editora desses dois autores. O que me interessa é ter, ao lado da Folio, uma coleção de bolso popular como a “J’ai lu”, é ter Casterman, pois os quadrinhos são um setor em plena expansão, e ter um belo departamento de didáticos, complementar ao nosso…

Outro meio de combater a evasão dos leitores: “Todo mundo tem procurado mercados fora das livrarias”, conta Phi-Anh Nguyen, agente há 20 anos que trabalha especialmente para a editora especializada em livros juvenis e quadrinhos Sarbacane. “Nossos livros ainda estavam em fase de layout em nosso primeiro Salão de Frankfurt, em 2002! Desde o início tínhamos ciência de que a cessão de direitos de nossas obras era necessária para as finanças da editora”, confirma Frédéric Lavabre, fundador da Sarbacane. Em 2014, o faturamento das editoras associado às cessões de direitos (inclusive formato de bolso) avançou 5,5%, ao passo que as vendas de livros recuavam (-1,7%), segundo o Sindicato Nacional dos Editores (SNE).

Antes mesmo de seu lançamento na próxima semana, o novo “Astérix”, “O Papiro de César” (com uma tiragem de 1,8 milhão de exemplares), “suscitava expressões de interesse muito constantes, e não somente para o cinema”, afirma a Hachette. “Também há os produtos, as camisetas, quando não os parques temáticos…”

Neste momento, todos os olhares estão voltados para a televisão e o cinema, grandes consumidores de conteúdo. Cinco editores voarão para Los Angeles no dia 9 de novembro para o próximo evento organizado pelo setor, a “Shoot the Book”. E “foi em um avião que Nicole Garcia descobriu o ´Mal de Pierres´, de Milena Agus, que um amigo havia lhe emprestado e a partir do qual ela vai fazer um filme com Marion Cotillard, produzido pela Le Trésor”, conta Liana Levi, cuja pequena editora que leva seu nome e tem cerca de 20 lançamentos por ano terá três de suas obras adaptadas para o cinema em 2016. “Isso é algo inédito para nós!” Tanto que, como observa Yves Pagès, diretor da Editions Verticales, “para certos autores, ver suas obras no cinema é uma consagração maior do que vê-las nas livrarias!”.

Resistir à máquina da Amazon

Eles vêm de outros setores como comunicação, marketing, gestão, estratégias… Benjamin Cornet faz parte desses novos livreiros “nascidos” pós-Amazon. Depois de uma carreira em consultoria e um estudo de mercado, ele abriu há dois anos uma loja de 120 m² em Boulogne-Billancourt, chamada Les Mots et les Choses [As palavras e as coisas]. “Todos os dias clientes me agradecem por eu ter aberto uma loja aqui, dizendo que pararam de comprar pela internet”, ele conta. “Meu faturamento só aumenta.”

No último ano, 3.200 livrarias independentes constataram como ele que os clientes estão voltando. No final de junho, o faturamento delas teve um aumento de 5% a 9% dependendo de seu porte, em relação ao mesmo período em 2014, segundo os indicadores da Livres Hebdo. “O que chama a atenção é que o livro é não somente a indústria cultural mais antiga, mas é também a mais sólida”, observa Françoise Benhamou, especialista em economia cultural e autora de “Le livre à l’heure numérique” (“O livro na era digital”, em tradução livre, 2014). “Ele tem uma força silenciosa que se baseia na leitura pública, na lei do preço único do livro e em um imposto sobre consumo reduzido que se aplica tanto a Grey quanto a um título confidencial, e tanto à versão impressa quanto à digital.”

Isso faz da França, comparada com outros países, uma fortaleza para a Amazon. A cada nova ameaça, o governo saca o cartão vermelho, como em outubro de 2014: entre a redução de 5% sobre o preço de venda permitido pela lei Lang e os fretes gratuitos, agora é preciso escolher. “Atualmente custa menos comprar nas livrarias com um cartão de fidelidade”, comemora Guillaume Husson, delegado-geral do Sindicato dos Livreiros Franceses (SLF). “Isso funcionou e a Amazon não tem mais 15% de crescimento por ano.”

Contudo, a gigante americana das vendas online, com mais de 400 mil referências em francês em seu site, aberto em 2000, e seu e-reader Kindle, que é vendido desde o final de 2012 na França, deverá se tornar a maior vendedora de livros do país “em 2016 ou no mais tardar em 2017”, prevê a consultoria Xerfi. “Seu faturamento no setor de livros está se aproximando do da Fnac, com cerca de 500 milhões de euros (R$ 2,2 bilhões)”, explica o pesquisador editorial, Alexandre Masure. Dois terços das vendas online de livros físicos na França e metade das compras de e-books seriam feitos através do site da Amazon francesa.

“Isso não faz da Amazon um ator dominante”, relativiza o professor da Universidade Paris-13 François Moreau. “A venda pela internet é fragmentada, e o e-book continua sendo secundário. Uma das forças do livro é que ele consegue manter uma rede de livrarias ativa e viva. Um mundo no qual a Amazon acabasse com todas elas provavelmente seria muito diferente.”

Todos se lembram das livrarias independentes americanas. Esmagadas entre 2009 e 2011, quando as vendas de e-books estouraram beneficiando as lojas virtuais, elas tiveram sua revanche, tendo agora 567 pontos de venda a mais do que há cinco anos, e 302 novos membros (de 1.712), segundo a American Booksellers Association. Todas optaram por se concentrar nas vendas, em eventos e nos serviços em torno do livro físico.

Essa abordagem é bastante comum deste lado do Atlântico. Somente 200 livrarias francesas adotaram a venda de e-books, de forma direta no caso das maiores, ou através de plataformas. Não haveria um “progresso notável dessas vendas”, segundo o SLF. “A Fnac, ‘agitadora cultural’, havia forçado os livreiros a saírem de trás de seus balcões, e a Amazon está nos obrigando a exercer nossa profissão, que é a venda de livros físicos”, acredita Georges-Marc Habib, diretor da livraria parisiense L’Atelier.

Por duas vezes, em 2014 e 2015, a Associação das Livrarias Informatizadas (ALire) viajou para os Estados Unidos para buscar inspiração nas boas práticas dos americanos, em especial o sistema de divulgação dos catálogos das editoras, relata um de seus fundadores, François Millet. E assim como suas versões americanas, as grandes editoras francesas investiram no apoio logístico e na distribuição. A número um francesa, Hachette Livre, há dois anos criou uma “entrega em dois dias após feito o pedido para permitir que nossos clientes livreiros respondam mais rápido”. Todos possuem máquinas de impressão por demanda em suas filiais. “Assim como no setor automobilístico onde os carros só são fabricados depois de terem sido comprados, a solução perfeita consistirá em acrescentar à oferta de uma livraria um livro que será impresso assim que seja feita uma encomenda”, explica Eric Lévy, diretor de operações do grupo Editis. “Até 2017, esse tipo de produção será possível na Europa.”

Ironicamente, a Fnac, cuja política de descontos havia irritado os varejistas e provocou a lei Lang em 1981, hoje é a mais bem posicionada para resistir à Amazon. Depois de ter reduzido suas lojas dedicadas aos livros, ela apostou na associação de seu website a suas 104 lojas para encomendas e entregas. “É uma força que a Amazon não tem”, ressalta Coralie Piton, diretora do setor de livros da Fnac. “O livro não é um produto chamariz para nós, ele está presente em um de cada dois carrinhos em nossas lojas e na internet e está no centro de nossa relação com os clientes.”

Conviver com a gratuidade

A foto mostra um livro abandonado sobre um banco à margem de um rio em Loiret, esperando para ser pego por alguém que esteja de passagem. Assim como seu antigo proprietário, mais de 15 mil pessoas participaram no mês de setembro da segunda campanha “Esqueça um livro em algum lugar” lançada no Facebook. O espírito do “bookcrossing”, movimento que surgiu nos Estados Unidos e consiste em “libertar” livros etiquetados como pombos-correios para que seu percurso possa ser acompanhado, pegou na França.

Não havia mais nada de novo a dizer sobre esse tipo de troca, até que atores da internet entraram na prática. Com eles, a doação e a troca praticadas desde sempre entre amigos, vizinhos e familiares poderiam mudar de escala e de natureza. O exemplo mais recente é a startup Booxup, que em setembro levantou 310 mil euros (R$ 1,36 milhão) para melhorar seu serviço de compartilhamento de livros impressos e de encontro entre leitores, baseado na geolocalização. Ela quer introduzir a publicidade, como nos pacotes de leitura ilimitada chamados “freemium”, e vender livros.

O debate contra ou a favor da “livre” circulação do livro, que se divide quanto ao compartilhamento das receitas entre autores, editoras e livrarias, não impressiona Guillaume Decifre. “São brigas da retaguarda”, afirma o presidente do grupo Decitre, que instalou uma dezena de caixas de trocas de livros em 15 meses na região de Lyon.

O “totalmente gratuito” é característico de nossos tempos, mas como não deixar que ele destrua o modelo econômico do livro, como no caso da música e dos vídeos? Mais da metade dos leitores digitais franceses experimentam ou montam bibliotecas de clássicos com obras em domínio público, sem falar na pirataria. Efetivar vendas é um problema tão antigo quanto o comércio. “Poder folhear os livros aumenta em 10% a 15% as vendas”, segundo a livraria digital Kobo. Acima de tudo, “ao oferecer um volume, um capítulo, uma página, é possível criar comunidades de leitores que vão conversar através da internet e permitir uma divulgação comercial mais ampla”, observa Christophe Evans, pesquisador de sociologia no departamento de estudos e pesquisas da biblioteca pública de informações do Centre Pompidou.

Essa prática, já bem conhecida dos autores autopublicados que a usam para criar seu público, tem sido adotada para livros românticos, histórias em quadrinhos e literatura para jovens adultos. A editora J’ai lu, por exemplo, recrutou em fevereiro leitoras para Jennifer L. Armentrout, publicando gratuitamente em formato digital sua última obra, “Eternellement”. Eternamente… um título promissório para todo o setor editorial.


http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2015/10/14/apesar-de-tudo-o-livro-continua-a-resistir.htm


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