Por Lidyane Ponciano
O dia 18 de novembro de 2015 foi um marco na história pela igualdade racial no Brasil. Milhares de mulheres negras, quilombolas, indígenas e yalorixás abriram a primeira edição da Marcha das Mulheres Negras, em Brasília, e denunciaram na capital federal a intolerância religiosa e o racismo.
Diante do Congresso Nacional, mesmo com provocação dos golpistas que pedem a volta da ditadura militar e estão acampados na Esplanada dos Ministérios, a marcha não se intimidou e seguiu em resistência. O evento teve início às 9h, no Ginásio Nilson Nelson, e seguiu até o Congresso Nacional. Eram turbantes, tranças e as cores da África, que marcavam a identidade da manifestação e ajudavam a dar corpo ao grito pelo fim do extermínio da juventude negra, contra a maioridade penal, pelos direitos das mulheres e por mais políticas públicas voltadas para negras.
A marcha também homenageou importantes personalidades negras, como Dandara, Zumbi dos Palmares, Nelson Mandela, Carolina de Jesus e Lélia Gonzalez. Por volta das 13h53, as mulheres ocuparam o Congresso Nacional, aos gritos de "Fora, Cunha” [em relação ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha – Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro – acusado de corrupção e desvio de dinheiro público para contas na Suíça, além de promover a aprovação de pautas conservadoras e contra os direitos humanos no Congresso].
Dona Aideê Nascimento, 61, candomblecista, do quilombo de Portão, município baiano, está na luta contra a discriminação há vários anos, mas levou para a marcha esperanças de dias melhores. "Aos poucos, estamos conseguindo a nossa fala e enfrentando a intolerância de todo tipo. Inclusive, nos terreiros e nas comunidades quilombolas, onde ainda não conseguimos viver com dignidade", disse.
A maranhense Amanda Costa, 21, viajou 30 horas e relata que foi vítima de racismo a caminho da marcha. Na estrada, ela saiu para almoçar com amigas e, ao reclamar da comida que estava estragada, a dona do restaurante chamou todas de macacas e que não deveriam estar ali.
"Fomos reclamar como consumidoras e ela se irritou. Mas viemos para cá lutar contra essa senhora e contra a sociedade racista. Por mais que não admitam que são racistas, quando olham um menino negro na rua, atravessam de pista. É racista quando a polícia só aborda homens negros. Sou moradora da periferia de São Luís [Estado do Maranhão] e vejo que os policias não respeitam nem os estudantes vindo da escola”, ressalta Amanda.
A marcha foi uma iniciativa de diversas organizações, entre elas a CUT [Central Única dos Trabalhadores] e coletivos do Movimento de Mulheres Negras e do Movimento Negro, além de contar com o apoio de importantes intelectuais, artistas e ativistas.
Durante o percurso, as mulheres negras seguiam cantando músicas afro e reverenciando suas ancestralidades, em defesa da cidadania. O evento também protestou contra os projetos de lei que restringem os direitos das mulheres, sobretudo, das negras, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. "Ô Cunha, cadê você, eu vim aqui só pra te prender”, "ai, ai, ai, ai, empurra o Cunha que ele cai”, fazia parte do coro da manifestação.
Para Andreia Roseno, da Marcha Mundial de Mulheres, a manifestação faz história no país, porque mostra que o silêncio não é mais uma realidade para elas. "Não queremos mais conviver com as opressões do racismo, do patriarcado e com capitalismo, que coloca a nossa vida de forma mercadológica”.
Lara Silva, 22, do Rio de Janeiro, também foi marchar contra as opressões apontadas por Andreia. "Estamos aqui contra o machismo, pelo bem viver, por mais condições de igualdade na saúde para nós, as mulheres negras são as que mais sofrem com a violência obstétrica”.
Quem caminhava por dentro da marcha percebia a diversidade de línguas e de culturas representadas. A indígena Thiaia Ramos, 32, da tribo Pato do Hahahahi, foi mostrar que as mulheres negras indígenas não podem mais serem invisibilizadas. "Estamos lutando por um só objetivo porque somos um povo só e falamos a mesma língua. Sempre dizem que nós (indígenas) só comemos abóbora”, afirma.
No país de maior população negra fora da África, a falta de representatividade de negros na mídia, na política e no Judiciário também foram temas de manifestação.
Ainda durante o ato, a secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Julia Nogueira, afirmou que a marcha é a realização de um sonho e de uma luta histórica da central. "A CUT diz que é preciso não aceitar mais o racismo. A democracia só vai se consolidar quando a sociedade não permitir o racismo. Vamos dizer a esse Congresso machista e racista que a discriminação racial não dá mais nesse país”.
Para a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro, a Marcha das Mulheres Negras escreveu uma página da história no país. "Nós queremos, agora, que o Brasil pegue o que nós produzimos e acumulamos ao longo dos séculos, e transforme em política. Temos que enfrentar, de fato, o racismo, a violência e que nos reconheçam enquanto parte de quem produz a riqueza nesse país”, definiu.
"Hoje, as mulheres negras mostram para o mundo e para o Brasil a nossa força e resistência. Dizemos ainda que queremos estar em todos os lugares. É importante marchar pela implementação de políticas públicas para as negras”, afirmou Nilma Lino Gomes, ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
Bastante emocionada, a deputada federal Benedita da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT – Rio de Janeiro) afirmou que era um momento histórico porque a marcha traz a marca e o suor de cada movimento, das donas de casa, que conseguiram adquirir um diploma universitário.
"Não somos uma qualquer. Estamos conseguindo o nosso espaço e marchando para dizer: não aos projetos que tiram os direitos das mulheres; não à matança de jovens negros; não à violência contra as mulheres. Basta de intolerância! Não queremos retrocesso, mas queremos, sobretudo, defender o Estado Democrático de Direito”.
FONTE: Adital
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