Em ato público na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, intelectuais debatem riscos do impeachment e defendem a legalidade constitucional no país
Por Tatiana Carlotti
Com o auditório lotado da Faculdade de Direito da USP, renomados intelectuais lançaram, na manhã desta quarta-feira (16.12), o Manifesto pela Democracia. O documento, que já conta com sete mil assinaturas, repudia o impeachment da presidente Dilma Rousseff e defende a democracia e a legalidade constitucional no país.
O ato público no Largo São Francisco contou com a presença de renomados intelectuais como os professores Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Ermínia Maricato, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani, Luiz Gonzaga Belluzzo, Miguel Nicolelis, Marilena Chauí, Paulo Arantes, Maria Vitória Benevides, Marcos Nobre e André Singer, que coordenou a mesa do evento.
“Se há um sentimento comum que nos move e nos une neste encontro histórico é o sentimento de indignação”, afirmou o professor Alfredo Bosi (Letras-USP) iniciando o ato público. Bosi alertou para as “máscaras jurídicas” do golpe e para a “farsa sinistra” que visa “ferir o que resta de democracia no sistema político brasileiro”. Uma máscara detalhada pelo professor e jurista Dalmo de Abreu Dallari (Direito-USP) que estudou minuciosamente os aspectos jurídicos do impeachment.
Destacando a ausência de consciência jurídica de alguns “juristas incompletos” e de “notável ignorância”, Dallari foi categórico: “Eu tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhum dos fundamentos, nenhuma das propostas apresentadas, têm qualquer embasamento jurídico”, afirmou, destacando que o afastamento de um presidente só é possível por crime de responsabilidade caracterizado por atos – omissão não se aplica - e no mandato em vigor.
Luta pelo Estado de Direito
Já o professor Roberto Schwarz (Letras – Unicamp) lembrou que o impeachment foi criado para proteger a democracia e não para enfraquecê-la. Ao defender a ordem democrática, ele citou as estratégias dos defensores do impeachment desde a eleição presidencial. “Usaram como estratégia política uma oposição indiscriminada com o propósito de tornar o governo ingovernável, do ponto de vista da política democrática. Trata-se de derrubar o resultado das eleições”.
Também presente no ato, o cientista Miguel Nicolelis (Neurobiologia/Duke University) mencionou o impacto de programas como o Ciência sem Fronteiras e considerou um crime contra a nação “que aquilo que as urnas concederam possa ser removido sem a voz das urnas”. Em sua visão, “o fato inequívoco é que o que está em jogo não é uma presidência, não é uma pessoa, mas o Estado de Direito, a democracia, o império da Lei”.
Em sua fala, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Economia – Unicamp) reforçou a importância da luta pela democracia, lembrando dos tempos de ditadura militar quando, naquele mesmo auditório, ele entrou em confronto com o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) para garantir a eleição de João Miguel, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto no período.
A luta contra o regime militar também foi lembrada pela economista Leda Paulani (Economia – USP) ao destacar que “nenhuma nação sai impune de 25 anos de ditadura”. Segundo ela, o que está em jogo é a construção democrática do Brasil. Paulani defendeu, também, a necessidade de garantirmos a continuidade das instituições democráticas no país para a construção de uma verdadeira República.
A enganação do golpismo
“Lutamos para acabar com a história de golpes na democracia brasileira e para avançar o processo civilizatório de generosidade, de paz, de uma sociedade menos machista, menos homofóbica, menos racista”, avaliou a professora Ermínia Maricato (FAU-USP).
Já o professor de Marcos Nobre (Filosofia - Unicamp) lembrou que o movimento pró impeachment tenta “canalizar uma energia e um sofrimento social real”. “Não estou me referindo ao pessoal que é salgadinho gourmet – ironizou – mas de quem sofre e que está sendo enganado ao acreditar que havendo um movimento a favor do impeachment esse sofrimento vai desaparecer”.
Maria Vitória Benevides (Educação - USP), por sua vez, destacou a importância do aprofundamento das conquistas sociais no país que se destinam, principalmente, à maioria do povo brasileiro. “Um conjunto de direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais que certamente nessa luta contra a democracia, contra o estado de direito, estão ameaçados”, apontou.
Considerando que o golpe vem sendo sustentado pelos liberais, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira explicou que a “democracia defende os direitos civis, o sufrágio universal, o respeito à Constituição” e que “o liberalismo aceita com muita má vontade a democracia”. Em sua visão, a democracia está sendo ameaçada, mas ela está consolidada no Brasil. “Temos uma sociedade plural, apenas uma minoria defende o autoritarismo”, avaliou.
Impeachment é apenas um episódio
Segundo o professor Paulo Arantes (Filosofia – USP), “saindo ou não, o impeachment é apenas um episódio. A onda avassaladora que está se despejando no Brasil é mais profunda”. Arantes chamou a atenção para a Lei Antiterrorismo (PL 2016/2015) que se encontra no Congresso e que poderá “financiar o terror” e enquadrar as manifestações sociais. “Esse ato aqui pode ser considerado terrorista”, exemplificou, caso a lei seja aprovada. “Espero que possamos estar juntos novamente, apanhando juntos e resistindo juntos”, completou.
Os riscos à democracia também foram enfatizados pela professora Marilena Chauí (Filosofia – USP): “O impeachment é apenas a cereja do bolo de um processo muito mais longo e complicado que vem ocorrendo. É isso que está sendo preparado: uma gigante vitória do capital na luta de classes. Esse ato tem que ser um primeiro passo de uma luta histórica que começa com a luta contra o golpe, a luta pela democracia a luta pela justiça social”.
No fechamento das apresentações, o professor Fábio Comparato (Direito – USP) mencionou que a crise que estamos vivendo - não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro - diz respeito à passagem histórica do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro. “O banco não produz riqueza alguma. Todas as instituições financeiras só se preocupam com a especulação”, destacou.
Considerando que desde sempre existem duas constituições no país, uma que é oficial e não aplicada, “como estamos vendo neste processo”; e outra efetiva, “ditada pela oligarquia”, Comparato defendeu a necessidade de se educar os jovens a lutar contra a oligarquia do capitalismo. “A Constituição da oligarquia é contra o Estado de Direito porque ele significa que todo poder tem um limite e está submetido a um controle. Isso é contra a lógica do capitalismo”, apontou. “Nós precisamos construir uma nova sociedade e educar as gerações. Nós somos educadores”, concluiu.
Créditos da foto: MÁRCIA MINILLO/RBA
FONTE: Carta Maior
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