A história da República Brasileira é uma história de golpes das elites contra o povo e contra a democracia. Os períodos de ditadura e autoritarismo se revezam com períodos de tênue abertura democrática e de aumento da cidadania. As elites nacionais e suas instituições não toleram a proximidade popular e não querem vivenciar uma verdadeira nação brasileira.
Por Maria Dolores de Brito Mota*
Como entender uma nação? Nação não é um território delimitado, com uma população específica sob a jurisdição de um estado e um conjunto de leis. Benedict Anderson nos dá a melhor das definições de nação ao entendê-la como uma comunidade política imaginada – e imaginada porque é limitada e ao mesmo tempo soberana. Ela é imaginada por que mesmo nas minúsculas das nações seus membros jamais conhecerão todos os compatriotas embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles, pois acreditam numa história comum e partilham dos mesmos sistemas culturais.
A única coisa que pode dizer que uma nação existe é quando muitas pessoas se consideram uma nação. Esse sentimento de comunhão não faz parte do imaginário das elites no Brasil. Sempre tentaram se diferenciar do povo, sejam pobres, negros, índios, nordestinos, nortistas, trabalhadores. Na história Brasileira diferentes formas de Republicas se sucederam por meio de golpes que tinham como objetivo alijar o povo da democracia e do acesso aos direitos de cidadania. A participação do exército na vida política nacional foi uma constante, cujo uso da força e da violência sempre esteve a serviço da manutenção dos privilégios das elites, sejam agrárias, industriais, financeiras, midiáticas.
Republica Velha - Republica das Espadas (mobilização x golpe/ditadura)
Em 1889 a Proclamação da República foi um acordo entre as elites agrárias e o Exército que aceitaram organizar o Estado brasileiro nos moldes republicanos depois do fim da escravidão. Foi criado um estado autoritário, presidido por marechais, para garantir os privilégios das classes dominantes e a negação de direitos às classes exploradas.
Passou depois para as mãos das oligarquias, iniciando a República Oligárquica em 1894. O país industrializou-se, conheceu revoltas urbanas e rurais decorrentes das mudanças sociais e políticas pelas quais passaram o país. Destruiu Canudos (1896-1897) e a Revolta da Vacina (1904), Tenentismo, Caravana da Esperança e outras rebeliões.
As novas pressões políticas e sociais esgotaram as oligarquias paulistas e mineiras que abriram alas para a Revolução de 1930, o ápice desse processo, que resultou na Era Vargas.
Era Vargas – (golpe/articulação oligárquica-militar)
As pressões populares deram inicio a um novo ciclo através de um golpe armado liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que depôs o presidente da república Washington Luiz e impediu a posse do eleito Júlio Prestes, elevando Getúlio Vargas ao poder, que permaneceu como presidente até 1945. Durante seu Governo Provisório (1930-1934), o novo presidente conseguiu contornar os conflitos entre as elites nacionais, principalmente com a vitória sobre a oligarquia e burguesia industrial paulista durante a Revolução Constitucionalista de 1932.
A promulgação da Constituição em 1934 consolidou um acordo entre as várias frações da classe dominante nacional. Porém, não puderam conter a insatisfação dos setores populares. O governo enfrentou a Intentona Comunista de 1935 e usou esse conflito para iniciar um período ditatorial violento em 1937.
A Ditadura Vargas (articulação burguesia-militares/golpe/ditadura)
Uma nova Constituição foi adotada e o Congresso foi fechado. Como forma de conter a insatisfação popular e conseguir aumentar o poder de consumo do mercado interno, Vargas promulgou uma série de leis que garantia alguns direitos à classe trabalhadora urbana, além de proporcionar um nível de renda que impulsionasse o esforço de industrialização. A industrialização e a modernização do Estado brasileiro garantiram condições de fortalecimento tanto da burguesia industrial quando da tecnocracia das empresas estatais e da administração pública.
República Liberal Populista (golpe x abertura e desenvolvimento)
Em 1945, Vargas, enfraquecido, é derrotado por um golpe comandado pelo general Eurico Gaspar Dutra, que o retirou do poder. Uma nova Constituição foi adotada em 1946. As mudanças sociais decorrentes da urbanização e da industrialização produziram novas forças políticas que reivindicavam mais mudanças na sociedade e no Estado brasileiro, o que desagrava as elites conservadoras. Vargas retorna eleito em 1950, num período marcado por várias tentativas de golpe de Estado, levando ao seu suicídio em 1954.
O governo de JK (1956-1961) avançou no desenvolvimento industrial em algumas áreas, mas não pôde resolver o problema da exclusão social na cidade e no campo. Essas medidas de mudança social iriam compor a base das propostas do Governo de João Goulart. O estado brasileiro estava caminhando para resolver demandas há muito reprimidas, como a reforma agrária. Frente ao perigo que representava aos seus interesses econômicos e políticos, as classes dominantes mais uma vez articularam um golpe de Estado, com a deposição pelo exército de João Goulart, em 1964.
Ditadura Militar
Essa conhecemos mais de perto, desde 01 de abril de 1964, a Ditadura Militar foi um dos períodos mais repressivos da História da República. Vários grupos políticos cassados e seus membros torturados e mortos através de uma repressão estatal, legal ou clandestina, que impediu o exercício da oposição. A oposição se tornou controlada através de um único partido.
Nos anos setenta, a sociedade foi se reorganizando em Comunidades de Eclesiais de Base, Associações de Moradores, Movimento Feminino pela Anistia, movimentos de mulheres e feministas, Sindicatos, até surgir um vigoroso movimento sindical em greves que tomaram o país em 1978 e 1980. Tudo pedindo o fim da ditadura e a democratização do país.
A Nova República (mobilização popular x articulação das elites e democratização)
As ruas se encheram de pessoas em amplas e empolgantes passeatas pelas Diretas Já, pedindo o retorno das eleições presidenciáveis e o retorno dos generais aos quartéis (‘aos quartéis os generais, o povo não quer mais’). Mas as elites politicas e econômicas em conchavos se decidiram por um colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves e José Sarney, para um mandato que aí sim, seria sucedido por uma chapa eleita pelo voto dos cidadãos.
Sucederam-se Collor e FHC, representantes de classes privilegiadas e, em 2002, é eleito Lula, do Partido dos Trabalhadores, um representante das classes trabalhadoras, apoiado pelo conjunto das forças de esquerda e populares. Uma novidade radical no Brasil, mesmo que essa eleição tenha sido resultado de uma grande articulação com setores conservadores da direita.
Impeachment para um novo golpe
Com uma politica de governo ambígua, combinando uma profunda linha social que inaugurou as politicas públicas de ampliação e garantia de direitos e uma linha econômica tradicional, desde então o PT tem resistido aos próprios erros cometidos em nome da governabilidade em conchavos com a direita e permissividade da estrutura patrimonialista e a pressão das elites tradicionais aliadas ao quarto poder, representado pelo cartel da grande mídia brasileira e pelo cartel financeiro.
Nesse período a sociedade experimentou vivenciar cidadania, conquistou direitos, ampliou a sua consciência cívica e quer mais. O novo povo que emergiu desse processo não interessa aos grupos que sempre se mantiveram no poder à custa da servidão social das massas trabalhadoras e pobres que trocavam voto por favores, mas que agora sabem que têm direitos.
Estamos assistindo às manobras para a articulação de um novo golpe através do artifício de um impeachment que está dividindo o país entre os democratas e os golpistas conservadores, herdeiros do antigo regime senhorial e segregacionista que fez do Brasil um país de profundas desigualdades, exclusões e violências.
Não é a Dilma que querem impedir. Querem impedir uma sociedade cidadã construir-se como nação.
*Professora associada do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (UFC)
FONTE: Adital
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