Por Cristina Fontenele
Com mobilizações de direita e esquerda previstas para o mês de março, e após o episódio envolvendo a coerção do ex-presidente Lula Inácio Lula da Silva, para depor na Polícia Federal, no último dia 05 de março, o cenário político do Brasil atravessa momentos de acirramento. Especialistas questionam a atuação do Poder Judiciário e uma "paralisia” do Governo em reagir à crise.
"Assusta a incapacidade do governo Dilma de reagir a tudo isso. É um governo paralisado, atordoado, sem identidade política, sem interlocução com a sociedade. Isso só agrava a crise”, é o que avalia José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Frente Brasil Popular. Em entrevista à Adital, o ativista diz que o atual cenário político brasileiro é complexo, devido a vários fatores. Desde o esgotamento do modelo de se fazer política até a negativa de setores partidários, empresariais e da sociedade em não aceitarem uma regra básica da democracia, que é o respeito ao resultado das eleições, realizadas em 2014.
Moroni enfatiza que é preciso diferenciar o que é disputa eleitoral e o que é disputa pelos rumos da sociedade. Segundo ele, apesar dos avanços dos últimos anos, em termos de sociedade, governo e políticas públicas, determinados segmentos não aceitam esses progressos e, por medo de ficarem longe do poder por mais tempo, "pegam carona” na justa indignação motivada pela corrupção. Somado a isto, a "paralisia” do governo da presidenta Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT] estaria levando as pessoas a não quererem esperar 2018 para a troca de comando via processo eleitoral.
Para José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc, diante de um país "a ponto de explodir”, não se vislumbra nenhuma força política com capacidade de estabelecer um processo de superação da crise.
Porém, independente do desfecho da crise política, Moroni destaca que as mulheres não vão voltar para as cozinhas, os/as negros/as não vão voltar para a senzala, os gays não vão voltar para os armários, os jovens das periferias urbanas não vão ficar confinados/as e vão, sim, para as universidades públicas, os/as camponeses/as vão continuar a produzir alimentos orgânicos e a lutar contra o agronegócio, os/as trabalhadores/as não vão aceitar serem "peças das engrenagens do capital". "Esta é uma disputa permanente, que fazemos na sociedade e que tem repercussão nas disputas eleitorais e nas políticas públicas”.
Dentro desse cenário político, Moroni cita as denúncias de corrupção e a seletividade nas investigações da Operação Lava-Jato. "Por exemplo, as delações premiadas, quando é em relação ao PT, se tornam verdade, em relação ao PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] nem são investigadas. O presidente atual do PSDB, senador Aécio Neves, foi citado em varias delações, mas isto não gerou nenhum processo de investigação”. Para Moroni, a incapacidade do PT em fazer uma autocrítica só acelera esse processo de degeneração da política. Ele defende, portanto, que o Partido avalie seus métodos de governar e faça uma autocrítica para a sociedade.
Referindo-se a um "Parlamento paralisado”, refém dos interesses do grupo de Eduardo Cunha [deputado federal pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro, e presidente da Câmara], Moroni destaca que também colaboram para o cenário em crise as dúvidas quanto à parcialidade do Poder Judiciário nas investigações e o desrespeito aos preceitos constitucionais. A parcialidade ainda dos meios de comunicação, e a crise econômica e social, estariam também tornando o Brasil um país "a ponto de explodir”.
Contudo, Moroni alerta que não se vislumbra nenhuma força política com capacidade e condições de estabelecer um processo de superação dessa crise. "Esse cenário é propicio para aventuras políticas, principalmente de direita, mas abre possibilidades, por exemplo, à luta pela convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, com possibilidade de construção de uma nova síntese política”.
O ativista questiona a atuação do Juiz Sérgio Moro, que encarnou o papel do justiceiro, o que seria de uma enorme gravidade. |
Sobre a coerção do ex-presidente Lula, Moroni entende como "abuso” o fato de se conduzir alguém de forma coercitiva para depor, sem uma convocação prévia. "A Lavo Jato já fez isso 117 vezes”. No entanto, Moroni lembra que esta é uma pratica cotidiana, vivenciada pelas populações pobres e das periferias urbanas, que veem a polícia entrar em suas casas sem mandato, e levar para as delegacias sem intimação. "Precisamos questionar e nos revoltar contra tudo isso e não apenas porque levaram o Lula. Penso que o episódio deva nos levar a nos questionar a forma com os aparatos de segurança do Estado atuam”.
Para Moroni, existe, sim, uma estratégia de desconstruir o ex-presidente Lula como liderança política, bem como o PT. "Vou mais além, é desconstruir todo um campo político de esquerda, mesmo que possamos considerar vários grupos que estão nessa leva não sejam mais de esquerda. Essa estratégia fere o mais elementar principio da convivência que é o de respeitar o direito do outro de existir”. Um processo que, para Moroni, é muito perigoso, tendo em vista que todas as ditaduras, o fascismo, o nazismo, o stalinismo romperam com este princípio.
Quanto à atuação do juiz federal Sérgio Moro, o ativista destaca que ninguém está acima do bem e do mal e que o juiz encarnou o papel do justiceiro, o que seria de uma enorme gravidade. "Somos todos e todas fruto desta mesma sociedade e das relações sociais, políticas, econômicas e culturais produzidas por ela. É um processo dialético”. Alerta que é preciso avaliar com profundidade o porquê de a sociedade precisar da figura do justiceiro. "Tem margem para o surgimento desta figura por que não se acredita mais nas instituições, principalmente nas instituições de Estado e na política como o espaço da construção das soluções dos problemas enfrentados pelo povo”.
Quanto às mobilizações dos grupos de direita e esquerda, previstas para este mês de março, Moroni acredita em possíveis riscos de confronto violento, pois segundo ele a sociedade vive um processo de radicalização, não de ideias, mas de agressão física. "É aquilo que descrevi como o desejo de eliminar o outro. Este processo tende a se agravar e muito se as oposições e setores da sociedade levarem adiante o não reconhecimento dos resultados das urnas. Seja via o impedimento da Dilma, via Congresso, ou a cassação da chapa via TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
FONTE: Adital
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