Por Cristina Fontenele
André Augusto Salvador Bezerra é juiz de Direito no Estado de São Paulo, doutorando (DIVERSITAS/USP)e mestre (PROLAM/USP) pela Universidade de São Paulo (USP), presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Esta organização da sociedade civil brasileira ganhou ainda mais importância estratégica após a divulgação, esta semana, pela Polícia Federal brasileira de gravações telefônicas envolvendo a presidenta da República, Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores – PT) e o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.
"Qualquer ato do Estado que invada a privacidade de algum cidadão tem de ser visto com cautela”, explica Bezerra. "É necessária muita cautela em um caso como este [envolvendo a presidenta da República], cujas discussões públicas nele envolvidas já saíram da esfera da racionalidade há muito tempo”.
André Augusto Bezerra, juiz da AJD. |
Apesar de aparentemente não haver ilegalidade na ação, pois o alvo seria o ex-presidente, que, então, não ocupava um cargo público, o questionamento é se o ato da PF não envolveria uma utilização política do conteúdo das gravações, já que estas foram vazadas para a Rede Globo de Televisão, que já não disfarça suas preferências políticas contrárias ao atual governo.
"Se [o vazamento] ocorreu fora da lei, não tenho dúvida em afirmar que a credibilidade do Judiciário estará manchada”, dispara o juiz. "Nunca vejo, com simpatia, grandes operações policiais em nome do combate à corrupção, ainda mais se nelas se realizam verdadeiros shows transmitidos pela mídia”.
Confira a entrevista exclusiva concedida à Adital.
Adital: Como avalia a quebra do sigilo telefônico do ex-presidente Lula?
Qualquer ato do Estado que invada a privacidade de algum cidadão tem de ser visto com cautela. A necessidade do ato deve ser avaliada com muito cuidado. O caso do ex-presidente não é exceção.
Adital: A divulgação da conversa com a presidenta Dilma extrapolou os limites? Quais as repercussões do vazamento desta conversa?
É difícil verificar se extrapolou os limites. Cabe às corregedorias das autoridades envolvidas verificarem esse fato. Quanto às repercussões, todos nós vemos, agora: um Brasil tenso, dividido e ainda mais intolerante. Preocupante.
Adital: A divulgação da conversa afeta a credibilidade do Judiciário? Quais as expectativas com esse ato?
Se a divulgação se deu dentro dos parâmetros legais, não afeta. Mas, se ocorreu fora da lei, não tenho dúvidas em afirmar que a credibilidade do Judiciário estará manchada. É necessária muita cautela em um caso como este, cujas discussões públicas nele envolvidas já saíram da esfera da racionalidade, há muito tempo.
Adital: Como analisam a condução da Operação Lava Jato, nos últimos meses? Que decisões tomadas estariam em desacordo com a lei?
Nunca vejo com simpatia grandes operações policiais, em nome do combate à corrupção, ainda mais se nelas se realizam verdadeiros shows transmitidos pela mídia. É sempre preciso ter em mente que a corrupção é um problema histórico e estrutural do Brasil, que não se resolverá pela mera prisão de alguns. Uma operação da dimensão da Lava Jato sempre tem o problema de ensejar a falsa crença de que o direito penal (seletivo por excelência) pode resolver nossos problemas. Jamais resolverá.
Adital: Como avalia a atuação do juiz Sergio Moro e que repercussão a figura dele tem no atual contexto político brasileiro?
Não gosto de avaliar individualmente autoridades judiciais. Cabe a quem o controla juridicamente fazer este papel.
Adital: O senhor acredita em um golpe em curso no Brasil?
Nada é impossível. A história do Brasil nos ensina que devemos estar sempre alertas. Os ânimos acirrados e a extrema polarização dos debates são bons ingredientes para a figura do golpe, ainda que não mais se dê pela figura dos militares, mas por instrumentos mais sutis e sofisticados, como decisões judiciais.
Adital: Como avalia o episódio da condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal?
A execução da medida configurou um verdadeiro show, a violar os mais elementares ditames do Estado Democrático de Direito. Lamentável.
Colaborou Paulo Emanuel Lopes
FONTE: Adital
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