domingo, 19 de junho de 2016

Tempos idos e vividos VII


Por Aluizio Moreira


Proibida de funcionar pela ditadura militar, a União Nacional dos Estudantes  (UNE) teve sua sede incendiada no Rio de Janeiro, logo após o golpe de 1964.

Estudantes sob cerco policial-militar em Ibiuna
Em 12 de outubro de 1968, estudantes universitários de todo país se mobilizaram para o XXXº Congresso da UNE, que deveria ser realizado em Ibiuna, num sitio do Bairro dos Alves, em São Paulo.

Descoberto antes de sua realização, 250 militares do Exército cercaram o local e fizeram cerca de 1.000 estudantes prisioneiros e levados para o presidio Tiradentes para interrogatórios. Uma publicação do DOPS sobre a “Operação Ibiúna”, registra a prisão de 695 estudantes.

Desses 1.000 prisioneiros cerca de 70 permaneceram presos considerados líderes do movimento. Entre os presos, segundo os jornais da época, 22 estudantes pernambucanos. No entanto nos Registros do DOPS sobre a repressão ao Congresso da UNE, encontramos um total de 34 estudantes do Recife, sendo 23 da UFPE, 2 da UPE, 7 da UNICAP e 2 da Universidade Rural.

Da relação dos universitários oriundos de Pernambuco, constam:        

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE  (23) : Ademir Alves de Melo, Aírton José de Lima, Antônio Batista da Silva,  Antônio Fábio Bonavides Maia, Cândido Pinto de Melo, Carmen Castro Chaves, Francisco Flávio Modesto de Andrade, Geruza Jenner  Rosas, Guilhermina de Souza Beserra, Irineu de Holanda, José Luiz Brasileiro de Oliveira, José Tomaz da Silva  Neto, Luciano Correia de Araújo, Manoel Fernando, Marcos Antônio Tavares Marinho, Marcos José Burle, Maria Henrique da Silva, Maria Luzinete de Lima, Maria Teresa Costa Sales de Melo, Miguel Ramos Rodrigues, Netovitch  Maia Duarte, Ranusia Alves Rodrigues, Vera Maria Martins de Albuquerque

FACULDADE DE CIENCIAS MÉDICAS – UPE  (2): Francisco de Sales Gadelha de Oliveira, Paulo Santos Carneiro.

UNIVERSIDADE CATOLICA DE PERNAMBUCO – UNICAP  (7): Alberto Romeu Gouveia Leite, Hugo Farias Ramos, José Delgado Noblat, Luiz Augusto Pontual, Marcus Vinícius Oliveira de Athayde, Paulo Henrique Maciel, Romildo Rangel do Rego Barros

UNIVERSIDADE RURAL DE PERNAMBUCO (2): Juares José Gomes, Valmir Costa.

A “Operação Ibiúna”, publicação do DOPS, no inicio do documento sob o titulo “Plano de Ação”, registra-se que


O “S.S.” do Departamento de Ordem Politica e Social de São Paulo, conseguiu desde a morte do estudante Edson Luiz na Guanabara, preciosos informes demonstrando que o Movimento Estudantil era utilizado por grupos da esquerda revolucionária, para atingir proporções QWQ representassem uma contribuição real ao Movimento Revolucionário, desde que conduzido dialeticamente até sua própria ampliação e consequente  absorção ao movimento geral. Com a aproximação do XXX Congresso da extinta UNE, esperavam os grupos de esquerda o desenvolvimento  consequente do Movimento Estudantil e sua condução à absorção num movimento mais amplo e radical, o chamado "Movimento Proletário de Libertação.

Publicação do DOPS "Operação Ibiúna"
Segundo o referido "Plano de Ação"  constante da Operação Ibiúna,  o documento que a UNE discutiria naquele Congresso era  uma "documentação de caráter nitidamente politico, toda voltada para a coordenação de forças estudantis e populares para impulsionar uma revolução", além de  "contribuir com sua parcela para a coordenação das demais forças interessadas" [. . .] "na mesma finalidade em outros países da América Latina através da O.C.L.A.E. (Organização Continental Latino Americana de Estudantes), com sede em Cuba" de acordo com a orientação da China Comunista.
           
Além de jornalistas que se encontravam no local para cobertura do Congresso, foram presos para averiguações um motorista profissional e Domingos Simões, proprietário do sitio, onde se realizaria o Congresso.

Entre as lideranças do Movimento Estudantil, foram presos Franklin Martins, Vladimir Palmeira, José Dirceu, Luis Travassos.

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Em Pernambuco, no dia 14.10, estudantes das Universidades públicas e particulares nos reunimos no hall do Bloco A, da Unicap para protestarmos contra a prisão dos estudantes em Ibiúna. Tínhamos instalado um microfone para chamamento dos alunos, ao som de “Pra não dizer que não falei de flores” do Vandré. Um pelotão da cavalaria, chegou e prostou-se junto ao portão de entrada da Universidade na Rua do Príncipe, que mantínhamos fechado. O Magnifico Reitor Padre Freitas, foi até ao portão, confabulou com o que parecia comandar a cavalaria que em seguida deixou o local. Não por mera coincidência, dias depois do fato, o Padre Freitas não era mais Reitor da UNICAP. 

Após alguns discursos de estudantes que se revezavam, saímos em passeata pelas ruas do centro do Recife, protestando contra a prisão dos colegas em Ibiúna, onde se realizaria o XXXº Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Houve repressão de policiais na rua da Concórdia, perseguições, mas todos voltamos ilesos para a Unicap, onde nos dispersamos.
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Cinco meses depois, em fins de fevereiro de 1969, Costa e Silva, à frente do Governo militar, assinou o Decreto Nº 477 pelo qual se punia professores, estudantes e funcionários das Universidades suspeitos de atividades “subversivas”. Pelo Decreto, os estudantes eram expulsos e ficavam proibidos de cursarem qualquer universidade por 3 anos. Só que o afastamento por 3 anos, implicava em jubilamento (desligamento) da Instituição de Ensino.

A fim de evitar ser alcançado pelo 477, não matriculei-me no Curso de Jornalismo da UNICAP em 1969. Como o fato de um aluno não matricular-se no período era tratado como abandono de Curso, criando-se a possibilidade de matricula após abandono, pensei em afastar-me por dois semestres e retornar no seguinte, sem correr o risco de ser jubilado. Fui bastante otimista quanto ao meu retorno.

Um ano após meu afastamento voluntário, retornei à UNICAP para uma nova matricula. O novo Reitor, professor Potiguar Matos,  que assumira o lugar do Padre Freitas, não era um jesuíta como de praxe, era um civil, indicativo de uma intervenção. Assim mesmo dirigi-me ao Magnifico para solicitar autorização para minha rematrícula. Olhou-me com um sorriso no canto da boca: “Já estou expulsando os subversivos daqui, como vou permitir a sua volta?” Agradeci e prolonguei meu afastamento, agora involuntário, por alguns anos mais.


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