Por Aluizio Moreira
Os estudos que tratam dos primórdios do socialismo no Brasil, sempre se referem a Pernambuco como tendo sido, digamos, o berço de suas primeiras referencias. E situam-no a partir do década de 40 do século XIX sob a influência do socialismo utópico de Saint-Simon, Fourier, Owen e do cristianismo social de Lammenais e Lecordaire, essas duas correntes como repercussões do socialismo francês, principalmente como produto do chamado espírito “quarant-huitarde” europeu.
Na verdade, em primeiro lugar, não concordamos com “espírito” de uma época, de um acontecimento como responsável ou mesmo condicionante de quaisquer transformações ao nível do econômico, do político ou do ideológico, em dada formação social.
Em segundo lugar, as Revoluções de 1848 na Europas, ocorreram em situações totalmente diversas da nossa também em 1848 (a Praieira), sendo que aqueles representaram um movimento democrático-burguês, que não dispensaram o apoio dos movimentos populares rurais e urbanos, inclusive sob a influência de Louis Blanc e não mais Saint-Simon ou Fourier. Mas o que há de tão especifico em Louis Blanc em relação a Saint-Simon e Fourier?
Em linhas gerais, Saint-Simon defendia que direção do Estado caberia aos produtores ou seja aos industriais, que congregavam, segundo ele, empresários e artesãos. Os industriais deveriam promover o bem-estar de toda sociedade, que se encaminhava para a formação de um sistema de associação universal.
Charles Fourier, por sua vez, propunha a criação de unidades de produção e consumo (as falanges), baseadas numa forma de cooperativismo integral e auto-suficiente.
O que distinguia Louis Blanc (chegou a ser membro do Governo provisório oriundo da Revolução de 1848) de Saint-Simon e Fourier, é que seu pensamento e sua prática se encaminhavam para a formação de uma associação dos trabalhadores que formariam as Oficinas Nacionais financiadas pelo Estado.
No Recife a vida urbana, em que pese as oscilações da produção açucareira e têxtil, se expande a partir do segundo decênio do século XIX, modernizando a cidade que “se adapta à sua função comercial sobremodo ampliada”, no dizer de Paul Singer. Cresce uma classe média formada por artesãos, pequenos comerciantes, pequenos industriais ligados à produção de alimentos, e uma intelectualidade que se afirmava através dos cursos jurídicos e nos batentes dos jornais.
As ideias socialistas aqui, surgem exatamente com essa intelectualidade, de alguma forma com os olhares voltados para as transformações que ocorriam na Europa, no período de expansão das relações capitalistas de produção, com movimentos políticos e ideológicos burgueses que trazem em seu bojo as ideias republicanas, a filosofia iluminista, o igualitarismo social-cristão.
Na segunda metade do século XIX, o socialismo europeu ultrapassava sua fase utópica. Weitling na Alemanha e August Blanqui na França, já admitem uma prática em que o movimento socialista/movimento operário se articulariam, tal como Marx e Engels, naquela época, já se pronunciavam.
Em Pernambuco o socialismo ficou preso às elucubrações teorizantes da intelectualidade e se articulou durante muito tempo com os movimentos mais gerais, da camada média da população e não apenas com um operariado emergente que conviveu com o artesão. Por outro lado, nossos socialistas lutavam, nos meados do século XIX, não pela transformação da sociedade, pela exploração e a pobreza em geral, contra o comerciante luso, nos moldes de Saint-Simon, não nos de Weitling, Blanqui (não confundir com Louis Blanc) ou Marx.
Um das consequências o aliancismos dos nossos socialistas que se compunham politicamente com frações das classes dominantes em conflito com o centro do poder local, participando das eleições, das campanhas políticas oligárquicas, pleiteando cargos da administração pública “para melhor servir às classes laboriosas”. Poucos defendiam a formação de um partido político de classe, subestimavam-se o papel da luta das organizações dos trabalhadores, reduzindo-as a trincheiras de reivindicações mais imediatas ou entidades assistencialistas. Confiava-se sobretudo nos bons propósitos dos governantes. Práticas essas que não foram tomadas por divulgadores do socialismo como Joaquim Pimenta, mas compartilhadas até mesmo pela liderança operária como João Ezequiel e Cirilo Ribeiro. Essa política de compromisso com frações da classe dominante, é atribuída à influência positivista e evolucionista, e ao ecletismo do pensamento filosófico e político.
A intelectualidade pernambucana não se incorporou ao movimento operário, permanecendo dele distanciado, dedicando-se ao beletrismo e às polêmicas filosóficas e políticas. Responsáveis por uma aproximação com o movimento operário credita-se aos trabalhadores gráficos que lograram liderar o movimento operário, atuando ainda como formadores intelectuais do movimento, mas assim mesmo expressando-se política-ideologicamente como herdeiros da elite intelectual.
Não é de se surpreender que João Ezequiel, um dos líderes do movimento operário pernambucano, um dos redatores do jornal “A Canalha” e de “O Socialista” editados no Recife nos finais do século XIX, reproduzissem as palavras finais do Manifesto Comunista de 1848, mas afirmando que aquele periódico defenderia o “bem da humanidade” e ativaria [...] “a queda, o desmoronamento da velha sociedade podre e corrompida “ [...] “estribado unicamente na Razão e no Direito”.
Ora, se admitimos que o operariado não alcança a consciência de classe espontaneamente, como exigir do operariado uma posição revolucionária se a própria liderança se achava, ela mesma, presa nas malhas do pensamento de juristas e filósofos que se referiam à sociedade como “uma convivência harmônica de todos os associados”?
Assim, os movimentos dos trabalhadores em Pernambuco durante o século XIX, acontecem condicionados pela própria situação de uma classe operária ainda em formação e ainda pela falta de uma sistematização de um pensamento político-ideológico comprometido com a construção de uma nova sociedade. Na verdade o que poderíamos chamar de pensamento de “esquerda” na época era, quando muito direcionado ao embate intelectual, terminando por colocar no mesmo plano as ideias Saint-Simon, Fourier, Blanc, Marx, Weitling.
Em termos de associações de trabalhadores no século XIX, conseguimos relacionar: Associação dos Artistas de Pernambuco, Associação Beneficente dos Empregados da Cia. de Trilho, Grêmio dos Professores Primários de Pernambuco, Liga Operária, Associação dos Empregados no Comércio, Liga dos Tecelões.
Faziam parte da liderança local, gráficos, jornalistas e editores dos jornais voltados para as causas dos trabalhadores locais, entre eles, Romualdo de Oliveira (do “Artista Pernambucano”) , Cirilo Ribeiro (d’ “O Artista”), João Ferro (de “A Imprensa”) , João Ezequiel (do “União”), Gustavo Deão (do “União”), Leônidas de Oliveira.(do “A Canalha”).
Alguns jornais eram editados por associações dos Trabalhadores: “O Phil’Artista” (da Associação dos Artistas de Pernambuco), “A Locomotiva” (da Associação Beneficente dos Empregados da Cia. de Trilhos), “Grêmio dos Professores Primários” (do Grêmio do mesmo nome), “Gazeta dos Operários” (da Liga Operária), “O Socialista” (do Centro Social de Pernambuco).
Dois movimentos grevistas no século XIX são identificados no Recife: em 1812, em plena escravidão, trabalhadores do Porto reivindicando melhores salários e melhores condições de trabalho. Pelo mesmo motivo, em 1880 Tecelões da Fábrica da Madalena liderados pela Liga dos Tecelões param suas atividades.
Gostaríamos de destacar o caráter especifico que assumiu os movimentos operário e socialista no Estado de Pernambuco em relação aos mesmos movimentos em outros centros do país. Essa especificidade não deve ser creditada apenas às particularidades de suas economia, mas pelos níveis político-ideológicos que se estabeleceram entre as classes e segmentos de classes.
Não é aleatoriamente que ocorrem adoções pelas classes subalternas, do pensar e agir da classe dominante, das suas coligações políticas em torno de questões que dizem mais respeito às frações da classe dominante em conflito, apresentadas como se fossem proposições de toda a sociedade. Aliás, a política de alianças objetiva muito mais a manutenção do partido nas proximidades poder, do que congregar forças para transformação da sociedade.
REFERÊNCIAS
CHACON, Vamireh. História das ideias socialistas no Brasil. Rio de Janeiro: Ciilização Brasileira, 1965.
DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977
LINHARES, Hermínio. Contribuição à História das lutas operárias no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977.
PETITFILS, J. Os socialistas utópicos. São Paulo: Circulo do Livro, s/d
REZENDE, Anonio Paulo. A classe operária em Pernambuco: cooptação e resistência. (Dissertação de Mestrado em História). Campinas(SP), 1981. (Mimeografado).
SWEEZY, Paul. Socialismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1963.