Conhecido pela excelência no ensino, que é público e gratuito, país quer agora renovar currículos e métodos. Receita essencial: ainda mais participação |
Por Claudia Wallin, na BBC Brasil
Novos tempos exigirão uma nova escola. O diagnóstico vem da Finlândia, país cujo sistema, já celebrado internacionalmente, agora planeja reformas de olho em como será sua educação daqui a duas décadas.
A meta é envolver os pais em um amplo debate sobre a agenda que os finlandeses acreditam ser necessária para preservar o nível de excelência do ensino público nos próximos anos.
E para isso, nesta quarta-feira a Finlândia vai realizar simultaneamente, nas escolas públicas de todo o país, o que está sendo anunciado como a maior reunião de pais e professores do mundo.
“O mundo está mudando, as escolas precisam mudar, e o diálogo com os pais é crucial nesse processo, uma vez que eles podem desempenhar um papel significativo na evolução da escola”, diz à BBC Brasil Saku Tuominen, um dos organizadores do evento e diretor do projeto HundrEd, criado no país para identificar e compartilhar inovações educacionais em todo o mundo.
Os finlandeses já se perguntam: que tipo de conhecimentos, habilidades e aptidões serão importantes para um aluno em 2030?
‘Diálogo permanente’
“Inovação é a chave”, afirma Tuominen. “Em um mundo em transformação, pensamos que em 2030, por exemplo, os alunos precisarão estar capacitados tanto em termos de novas tecnologias e da ênfase na criatividade como também no desenvolvimento de habilidades emocionais, autoconhecimento e pensamento crítico.”
A megarreunião de pais é resultado de uma colaboração entre o Ministério da Educação e Cultura, o Sindicato dos Professores, a Associação de Pais de Alunos da Finlândia e o projeto HundrEd.
Mais de 30 mil pais já se inscreveram para participar do evento – e a ideia é transformar a iniciativa em um evento anual.
“Queremos um diálogo de alto nível e permanente sobre os fundamentos da educação do futuro. E mais do que nunca precisaremos de soluções criativas em consonância com a base do pensamento finlandês, que é uma educação em que o aluno tenha prazer em aprender”, destaca Saku Tuominen.
Alunos viram professores
Para alavancar o debate, a reunião de pais e mestres será aberta em todas as escolas, que exibirão vídeos curtos com a fala de especialistas e educadores sobre o rumo das reformas em nível nacional, além de filmes sobre inovações que vêm sendo experimentadas em escala local.
Uma dessas inovações é um projeto-piloto que inverte os papéis entre mestres e aprendizes: alunos estão dando aulas a professores sobre o uso mais eficiente de tablets, mídias sociais e câmeras digitais.
“Os resultados têm sido excelentes”, diz Saku Tuominen. “É uma forma eficaz e econômica de capacitar melhor os professores de cadeiras não ligadas à tecnologia, e que também cria laços mais estreitos entre professor e aluno.”
Na visão finlandesa, professores não deverão ser apenas provedores de informação, e os alunos não serão mais somente ouvintes passivos.
“Queremos que as escolas se tornem comunidades onde todos possam aprender uns com os outros, incluindo os adultos aprendendo com as crianças”, diz Anneli Rautiainen, chefe da Unidade de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação finlandês.
“Habilidades tecnológicas e codificação serão ensinadas juntamente com outros assuntos. Para apoiar os professores, também haverá tutores digitais.”
Solução de problemas
Outra inovação a ser apresentada na reunião de pais é um projeto que vem sendo conduzido nas escolas da cidade de Lappeeenranta, no sudeste da Finlândia, para treinar os alunos em técnicas de solução de problemas. O projeto reúne uma equipe de psicólogos, especialistas e educadores.
“A ideia é capacitar os estudantes a desmistificar os problemas, e aprender a focar nas soluções”, explica Tuominen.
No raciocínio dos finlandeses, é preciso mudar a percepção sobre o que deve ser ensinado às crianças e o que elas necessitam para sobreviver numa sociedade e em um mercado de trabalho em rápida transformação.
“As escolas precisam se adaptar aos novos tempos e reconhecer que, com a revolução tecnológica e o impacto da globalização, as necessidades das crianças mudaram. É preciso incluir no currículo escolar temas como a empatia e o bem-estar do indivíduo, além de renovar os ambientes de ensino para motivar os alunos”, observa Kristiina Kumpulainen, professora de Pedagogia na Universidade da Finlândia.
O novo currículo escolar adotado em 2016 já inclui um alentado programa de tecnologia de informação, assim como aulas sobre vida no trabalho. Parte dos livros escolares, assim como a maioria do material de ensino, é completamente digital.
Diálogo
A Finlândia, país de 5,4 milhões de habitantes, é conhecida internacionalmente por pensar fora da caixa no que diz respeito à educação, o que atrai a curiosidade de especialistas do mundo inteiro.
Os dias são mais curtos nas escolas finlandesas: são menos horas de aula do que em todas as demais nações industrializadas, segundo estatísticas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, que reúne países desenvolvidos). Em uma típica escola finlandesa, os alunos têm em média cerca de cinco aulas por dia.
Os estudantes finlandeses gastam ainda menos tempo fazendo trabalho de casa do que os colegas de todos os outros países: cerca de meia hora por dia. O sistema também não acredita na eficácia de uma alta frequência de provas e testes, que por isso são aplicados com pouca regularidade.
E para os desafios dos novos tempos, os pais querem voz ativa.
Para a presidente da Associação de Pais da Finlândia, Ulla Siimes, não há mais espaço para as tradicionais reuniões entre educadores autoritários e pais queixosos.
“Quando perguntamos aos pais o que eles esperam das reuniões com professores, a resposta é que eles querem se sentir incluídos nas questões escolares, e não apenas receber relatórios sobre o que está sendo feito”, disse Siimes em entrevista à TV pública finlandesa YLE, ao destacar a importância da reunião de pais e mestres da próxima quarta-feira.
“As experiências pessoais vivenciadas pelos pais décadas atrás podem influenciar as suas concepções sobre como as crianças devem ser educadas nas escolas, e precisamos atualizar nosso modo de pensar para adaptar as técnicas de ensino à realidade da nova era”, acrescentou ela.
A reunião também pretende informar os pais sobre os efeitos de mudanças que já vêm sendo implementadas nas escolas do país, como a criação de salas de aula mais versáteis e flexíveis.
Paredes vêm sendo derrubadas para a criação de espaços de ensino em plano aberto, com divisórias transparentes. Em vez das carteiras escolares, o mobiliário inclui sofás, pufes e bolas de pilates.
“No futuro, não haverá necessidade de salas de aula fechadas, e a aprendizagem acontecerá em todos os lugares”, diz Anneli Rautiainen.
Outra aposta consolidada no novo currículo escolar é o ensino baseado em fenômenos e projetos, que atualiza a tradicional divisão de matérias e dá mais espaço para que determinados temas – por exemplo a Segunda Guerra Mundial – sejam trabalhados conjuntamente por professores de diferentes disciplinas.
Ainda que não lidere o ranking internacional de desempenho de alunos medido pelo exame Pisa, da OCDE, a Finlândia costuma estar entre os mais bem colocados do mundo. Mas isso não é o que guia as reformas educacionais, dizem educadores.
“A importância de rankings como o Pisa no pensamento finlandês é bastante insignificante. Eles são vistos como uma espécie de medição de pressão sanguínea, que nos permitem considerar, ocasionalmente, a direção para onde estamos indo, mas os resultados dos testes não são nosso foco principal”, diz o educador finlandês Pasi Sahlberg. “O fator essencial é a informação que as crianças e os jovens vão precisar no futuro.”
“Na Finlândia, o objetivo da educação não é obter sucesso no Pisa”, reforça Saku Tuominen, um dor organizadores da reunião de pais. “Nossa meta é ajudar as crianças e adolescentes a florescer e ter uma vida mais satisfatória.”
FONTE: Outras Palavras