Por Aluizio Moreira
Naquela manhã de quarta-feira, 1º de abril de 1964, dirigia-me à firma onde trabalhava como auxiliar de escritório, Agência Nacional de Navegação, localizada na Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife.
Diferentemente do costumeiro trajeto, o ônibus estacionou na Praça 13 de Maio e o motorista avisou que era o fim da linha. Todos os ônibus que se destinavam ao bairro do Recife, fariam alí o seu ponto de retorno.
Desci juntamente com vários passageiros e fomos em direção Ponte Princesa Isabel até chegarmos à Praça da República, fim da qual atravessaríamos a Ponte Buarque de Macedo, e finalmente ao bairro do Recife.
Ao nos aproximarmos do Teatro Santa Isabel, já na Praça da República, avistamos o Palácio do Governo, totalmente cercado por tanques e pelotões de soldados do Exército, mantendo um cordão de isolamento em boa parte da Praça.
Chegando na empresa onde trabalhava, colegas comentavam os últimos acontecimentos, inclusive com a informação que o Exercito tinha prendido o Governador Miguel Arraes.
Pouco instantes depois, um carro de som convocava todos os trabalhadores para que se dirigissem ao Sindicato dos Comerciários na Rua da Imperatriz para discutir os acontecimentos e os caminhos que os trabalhadores deveriam tomar.
Decidi unilateralmente encerrar meu expediente e caminhei até o Sindicato dos Comerciários na Rua da Imperatriz. Depois de algumas informações, fomos em direção ao Sindicato dos Bancários, na época ocupando o espaço onde hoje, se não me falha a memória, se localiza a C & A, na Av. Conde da Boa Vista. Lá se realizaria uma Assembleia para se discutir as possibilidades de resistência ao golpe. Era um prédio relativamente amplo, cuja única entrada tinha uma porta com grades, que se transformou em cárcere, aprisionando todos os que se encontravam em reunião no seu interior, afora os que eram identificados na rua como "subversivos", logo conduzidos para a prisão improvisada.
Vinha eu com um companheiro do Sindicato dos Comerciários, quando do prédio do Sindicato dos Bancários, um policial de arma em punho atravessou a avenida vindo em nossa direção, aos gritos de “pare senão eu atiro!”. O colega se distanciou de mim apelando insistentemente para que eu não o seguisse. Parei. O policial o conduziu para o prédio-prisão. Perdi um colega que sempre dava pitaco em minhas poesias. Nunca mais o vi. (Trecho de “Tempos Idos e Vividos - II”)
AMANHEÇA AMANHÃ
Por Aluizio Moreira
Amanheça amanhã
De rosa nos cabelos
E de janela aberta
De frente para o sol
Mas amanheça amanhã.
Não te pedirei nada
Nem que me compreenda
Nem que não me compreenda
Somente que escute
Uma mensagem nova
Saindo das prisões
Como amanhece sempre
Amanheça amanhã
De rosa nos cabelos
E de janela aberta
De frente para o sol
Mas amanheça amanhã.
Não encontrarás em mim
Amor que não me sirva para a luta
Que não me seja arma
Que não me seja fôlego
Plantadas ambas num jardim imenso
Como vicejam as rosas brancas e vermelhas.
Amanheça amanhã
De rosa nos cabelos
E de janela aberta
De frente para o sol
Mas amanheça amanhã.
O que te trago apenas
As duas mãos erguidas
Sem algemas
Um pedido de silêncio
Um poema de amor mais novo
Ou talvez no bolso da camisa esfarrapada
Um pedido atrasado de habeas corpus
(Recife/1970)
SINAL FECHADO (1964)
Por Aluizio Moreira
- Psiu!!!
- Não fale nada!
- Não escreva nada!
- Noticias? Só doenças na família!
- Escute só cantor inofensivo!
- E livros que tratem de receitas
-Não!
-Não veja filme de Chaplin!
- Deixe Neruda!
-Esconda Galeano!
- Quanto às artes plásticas
Que importa gostar de Portinari
Se existe tanta natureza-morta?!
(Recife/1966)
TORTURA
O poema abaixo foi dedicado a Odijas Carvalho de Souza, natural de Alagoas, estudante da Universidade Rural de Pernambuco, preso e torturado por agentes da ditadura em janeiro de 1971 na Praia de Maria Farinha em Pernambuco e morto em fevereiro do mesmo ano. (Cf. Comissão Nacional da Verdade -1979)
Por Aluizio Moreira
Dedicado a Odijas Carvalho de Souza
Depois das marcas no corpo
Depois das noites insones
Depois dos dias de fome
Depois do frio do chão
Depois dos gritos contidos
Depois do sangue nas mãos
Depois do pus nos ouvidos
Depois da brasa no rosto
Depois do uso da força
Depois das dores de Rosa
Depois dos traumas do filho
Depois da Lei indecente
Que anistia na sentença
Torturadores e agentes
Nada farei diferente
Porque este resto. . .
Ainda pensa.
(Recife/1971)
Nenhum comentário:
Postar um comentário