sábado, 29 de setembro de 2018

A educação básica na mira das grandes corporações






Por Ricardo Alvarez 


A história da educação pública e de massa no Brasil ganha impulso com as demandas impostas pela urbanização e industrialização iniciadas com Vargas e impulsionadas com JK. O Estado é o elemento chave neste processo fomentando, ao mesmo tempo, uma nova estrutura produtiva e o devido suporte na qualificação dos trabalhadores.

O monstruoso analfabetismo vai cedendo terreno aos poucos e a manipulação das letras e números se incorpora ao cotidiano dos brasileiros. A escola, antes um privilégio dos ricos e brancos, incorpora gradativamente pobres e negros.

Este processo de ampliação não se fez sem contradições, mas a crise da educação brasileira assume maior complexidade a partir dos anos 60.

Primeiro com o golpe de 64 cujo modelo de educação militar era claramente avesso ao pensamento crítico. Na redemocratização o mantra do mercado livre do governo FHC abriu as portas para a privatização. Nos governos petistas o protagonismo do Estado na defesa da educação pública e de qualidade pouco avançou. A PEC 95 no governo Temer, que congela os gastos em educação por 20 anos, mostra que as coisas ainda podem piorar.

O quadro geral é de desespero. Com décadas de desinvestimentos, desestímulo à carreira do magistério, falta de estrutura e perda do sentido da leitura e reflexão para os nossos jovens, a crise não chega a ser surpresa. A escola pública não tem muito a oferecer num país de economia subordinada, reprimarizada e financista.

São Paulo é um caso significativo neste processo deliberado de deterioração. Aprovação automática e carreira profissional desvalorizada são símbolos do descaso que, de resto, se espalham pelo território nacional.

O ensino médio e fundamental público e de qualidade no Brasil, pela via das políticas públicas, morre aos poucos. Sobrevive pontualmente pelo esforço monumental de professores, trabalhadores e estudantes que se empenham pelo bom andamento da educação.

Escolas qualificadas para os filhos dos ricos já existem, não é de agora, mas começam a pintar os primeiros sinais de um novo modelo de gestão a partir da presença das grandes corporações no ensino básico. Mas que modelo é este?

É a reprodução do que ocorre no ensino superior privado expandido para o médio e fundamental. Passa pela destinação de verbas públicas (FIES e PROUNI readequados) às grandes corporações que assumem as escolas com a promessa da redenção.

O filme é conhecido e seu final não é feliz. Propaganda massiva que esconde um ensino de qualidade duvidosa, recursos abundantes em publicidade e garotos propaganda, corpo docente mal remunerado associado a rodízio na mão de obra, dentre outras distorções. Ou seja, o plano dos negócios se sobrepõe ao plano educacional.

A educação pública, laica e de qualidade passa pelo cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação, a saber: ensino em tempo integral, qualificação dos profissionais em educação, melhoria das condições salariais e de trabalho, investir em infra-estrutura, plano de carreira, 10% do PIB investido em educação, dentre outras medidas.


Ricardo Alvarez
Professor, mestre em geografia urbana pela USP e criador do site Controvérsia e escreve semanalmente.


FONTE: Controversia

domingo, 23 de setembro de 2018

Duas táticas da oligarquia financeira no Brasil



   Primeiro: "adocicar" Bolsonaro, por meio do ultraliberal Paulo Guedes. Segunda: colonizar
uma das candidaturas à esquerda, "sugerindo" um ministro da Fazenda como
Joaquim Levy


Por Paulo Kliass *


À medida que a conjuntura evolui, passam a ficar mais claras as probabilidades para o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais. As pesquisas de intenção de voto começam a convergir para um quadro em que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad poderiam despontar como os dois primeiros colocados na apuração do próximo dia 7 de outubro.

A recusa do sistema que se articula junto à cúpula do Poder Judiciário em rever as injustiças e ilegalidades presentes no processo contra Lula, fez com que Haddad fosse apresentado como o candidato oficial do PT e Manuela d’Ávila (PCdoB) fosse guindada à posição de vice. Por outro lado, o atentado cometido contra o candidato do PSL ajudou na incorporação da estratégia de sua vitimização, permitindo que o mesmo mantivesse a campanha nas redes sem ser obrigado a enfrentar suas dificuldades e contradições nos debates.

A aguardada transferência de votos de Lula para seu substituto começa a se manifestar nas pesquisas de intenção de voto, fazendo com que a posição da chapa Haddad/Manuela passe a ser mais conhecida e indicada pela população. A rejeição elevada de Temer e o desastre do austericídio tornam ainda mais difícil a vida de Meirelles e Alckmin, favorecendo a migração de votos anti-petistas de forma antecipada já para Bolsonaro. A tendência é que essa polarização se consolide. Ciro e Marina dificilmente conseguirão fôlego para entrarem nesse jogo mais pesado.

O risco da perpetuação do golpe

No entanto, é importante perceber que a realização das próprias eleições parece não mais garantir a continuidade do processo democrático e institucional. Uma série de declarações e manifestações recentes de integrantes do alto escalão das Forças Armadas têm vocalizado o interesse e o desespero de setores do empresariado e do financismo. Frente à incapacidade dos candidatos mais afinados com a herança do golpeachment em conquistar a simpatia do eleitorado, a estratégia agora vai para a linha de fortalecer um suposto voto útil antecipado da direita, agora já no primeiro turno.

Ocorre que é bastante elevado o índice de rejeição de Bolsonaro e isso deve contribuir para que sua performance no segundo turno do pleito seja ainda mais difícil. Com isso, começa a se difundir a alternativa de perpetuação do golpe: qualquer resultado que não assegure a vitória de deputado-capitão será considerado como usurpação da vontade popular.

Essa tentativa de edulcorar o defensor da tortura, da pena de morte e da cultura do estupro não é tão recente como parece. Na verdade, começou a tomar forma há muito tempo, com a insatisfação de parcela da classe média mais radicalizada, que sempre se abrigou no discurso beligerante e intolerante que o tucanato praticou nesses anos todos de oposição no plano federal. Há poucos meses, a indicação do conservador Paulo Guedes para responder por seu programa econômico foi um passo importante nessa estratégia. Setores dos meios de comunicação começaram a divulgar uma imagem mais palatável daquele que faz apologia da violência, da homofobia e que se posicionava contra a privatização de empresas estatais até pouco atrás.

A tentativa de maquiagem de Bolsonaro

Com intuito de evitar declarações contraditórias e que o afastassem ainda mais da elite do financismo, Bolsonaro delegou ao seu liberal radical a função de responder às questões mais embaraçosas no domínio da economia. Uma das maiores revistas semanais de (des)informação chegou a postar em sua capa a foto do economista íntimo dos círculos do financismo, com a legenda de “Presidente do Brasil”. O recado era bastante claro, ao sugerir o voto útil no militar reformado. Uma espécie de reconfortante de consciência para os financistas mais recalcitrantes em aderir a essa aventura da barbárie contra os elementos básicos da civilização. Como se os editores dissessem: “Podem votar sem preocupação no Bolsonaro, pois o governante de fato será nosso companheiro Paulo Guedes”.

No outro front, os formadores de opinião do establishment abrem sua artilharia pesada contra qualquer tentativa de romper com a política de ajuste conservador, baseado no austericídio, nas reformas redutoras de direitos e no avanço da destruição do Estado. Para tanto, buscam encapsular e capturar a candidatura de Fernando Haddad para seu campo de atuação. Afinal, o ex ministro de Lula nunca escondeu suas tendências em direção a uma espécie de um confuso social-liberalismo tupiniquim. Não nos esqueçamos de que, no início do ano passado, o professor trocou a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP por uma instituição escancaradamente vinculada ao mercado financeiro – o INSPER. Isso dá bem a medida de sua indefinição em termos de uma vocação intelectual e ideológica.

Os operadores da banca tendem a ser muito pragmáticos em sua estratégia e o que eles querem mesmo é saber de compromissos com suas postulações. Não é por outro motivo que aqui e ali são lançados balões de ensaio para aferir a disposição de Haddad em aderir a esse projeto continuísta. Criam situações de embaraço e constrangimento para o candidato, pressionando pela manutenção da essência da política econômica em vigor, iniciada ainda por Joaquim Levy sob Dilma e levada cabo por Meirelles e Goldfajn.

Escapar da pressão do financismo

Esse é outro dos riscos envolvidos no processo eleitoral. No momento atual não há mais espaço econômico nem fiscal para que seja repetida a tática adotada por Lula durante seus dois mandatos. Acabou-se a bonança na esfera internacional e o “boom” das commodities não oferece mais a alternativa do jogo ganha-ganha, onde todos os setores eram beneficiados pela política econômica. Os grandes conglomerados do capital nacional e internacional ganharam muito dinheiro no período. Os bancos e demais instituições financeiras também nunca obtiveram tantos lucros. E ainda sobraram recursos para fazer políticas sociais importantes, que contribuíram de forma significativa para a redução das desigualdades e para promover inclusão social.

Agora o momento é outro. O cenário internacional não é lá tão favorável. O austericídio jogou o Brasil na maior recessão de sua História. Os desempregados estão na casa dos 13 milhões. Os números de falências de empresas são impressionantes. O desastre da crise trouxe a fome e a miséria para o cotidiano de nossa sociedade. A carência fiscal provocada pela queda da atividade econômica aponta para um novo ano de dificuldades para as contas públicas: 2019 deve apresentar um déficit superior a R$ 140 bilhões.

Em situações como essa, a máxima de que “governar é realizar escolhas e estabelecer prioridades” vale em toda a sua plenitude. O financismo já tem pronta e definida a sua pauta, nossa velha conhecida. Isso significa nada mudar em relação aos estragos que Temer & Meirelles já realizaram. A lista é longa: i) manter o tripé da política econômica; ii) preservar a busca desenfreada pelo superávit primário; iii) manter intocáveis os ganhos do setor financeiro associados às despesas com juros no Orçamento; iv) dar continuidade à política de concessões e privatizações; v) aprofundar a entrega do Pré Sal às multinacionais do setor petroleiro; vi) manter a EC 95, que congela as despesas públicas por longos 20 anos; vii) manter as deformações e maldades da mudança da CLT; viii) dar seguimento à Reforma Previdenciária redutora de direitos encaminhada por Temer & Meirelles ao Congresso Nacional; ix) autorizar a venda da Embraer à Boeing; entre tantos outros pontos advindos do lado sombrio da força.

O dilema de Haddad: semi-continuidade ou mudança de fato?

Nessas condições, resta imaginar como deverá se comportar um eventual governo Haddad. Para além das declarações ao longo do debate eleitoral, deve ser objeto de preocupação e controle por parte das forças progressistas como se pautará sua relação com o establishment financeiro. O perfil das nomeações para Ministério da Fazenda e Banco Central serão sinalizações importantes nesse sentido. Ao votar contra Bolsonaro, general Mourão e Paulo Guedes, a população estará sinalizando o desejo expresso de abandono da pauta golpista da austeridade e do desmonte do Estado. Haddad não pode se submeter a esse tipo de chantagem do povo das finanças, sob pena de cair mais um vez no canto de sereia do servilismo e do bom mocismo. A experiência catastrófica do estelionato cometido por Dilma em 2015 ainda está bem fresco em nossas memórias.

Felizmente, o debate eleitoral já proporcionou a criação de alguns consensos importantes. Por exemplo, a convergência em torno da promoção de um referendo revogatório contra a emenda constitucional do congelamento. A necessidade de desfazer o mito do superávit primário e não conceder tratamento privilegiado às despesas de natureza financeira. A urgência em retomar o protagonismo do setor público como motor da retomada do crescimento e desenvolvimento econômicos. A compreensão de que, em um primeiro momento, o Estado deverá mesmo aumentar seus gastos e que isso retornará aos cofres públicos nas etapas seguintes, quando houver a retomada das atividades e aumento da capacidade de arrecadação tributária.

Por outro lado, isso significa também desfazer um conjunto de malfeitos perpetrados desde meados de 2016. Trata-se de anular os monstrengos criados pela extinção/fusão de Ministérios como Trabalho + Previdência; Ciência Tecnologia e Inovação + Comunicações; retirada de Comércio Exterior e BNDES da estrutura do MDIC; Desenvolvimento Agrário + Desenvolvimento Social; Secretarias de Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Racial. Ou seja, trata-se de restabelecer os instrumentos do aparelho governamental para implementar as necessárias políticas sociais.

Enfim, o cenário está montado. Falta apenas a coragem política para enfrentar as dificuldades e confiar na capacidade da população em apoiar o novo governo nas medidas que deverão impor sacrifícios também ao chamado andar de cima. As elites sempre foram deixadas à margem de qualquer contribuição econômica para tirar o País de seus momentos mais difíceis. 2019 poderá vir a ser o ano da mudança. Ou então tudo continuará como dantes.



* Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal


sexta-feira, 14 de setembro de 2018

80% da pesquisa no Brasil está ligada a programas de pós-graduação


Comunicado da Capes alertou para a possibilidade de corte em bolsas a partir de 2019


Rafael Tatemoto


93 mil bolsistas de pós-graduação podem ser afetados
Marcos Santos/USP Imagens


No Brasil, 80% das pesquisas em ciência e tecnologia estão ligadas a programas de pós-graduação. Apesar disso, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), agência de fomento federal, anunciou recentemente que os cortes no orçamento do órgão levarão à interrupção do pagamento de bolsas a partir do segundo semestre de 2019. O percentual é apresentado pela própria entidade. 

A projeção da Capes foi feita a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada para 2019, onde o órgão sofreria com um corte de pelo menos R$ 580 milhões no ano que vem. O impacto abarcaria 93 mil bolsas de pós-graduação – mestrados, doutorados e pós-doutorados. Em outra área, a de formação de docentes, com os programas Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), de Residência Pedagógica e o Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), 105 mil bolsistas em 2019 podem ser afetados.  Apenas a título comparativo, a cifra representa apenas 70% do valor pago – R$ 817 milhões - a 17 mil magistrados (juízes e desembargadores) no Brasil como auxílio-moradia.

Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência (SBPC), aponta que a entidade faz contínuos alertas há pelo menos dois anos sobre os cortes orçamentários na área. 

“É muito grave. Quase 80% da pesquisa brasileira está relacionada à pós-graduação. A gente já vinha dizendo em relação a Capes, CNPQ, Finep, a todo esse corte em relação à ciência e tecnologia. Já está havendo um sucateamento de laboratórios. Isso certamente diminui muito a competitividade da ciência brasileira. Quando isso vem da própria direção da Capes fica muito mais evidente”, diz. 

Moreira aponta que, além da perspectiva negativa que o cenário levanta para possíveis pesquisadores, cortes em pesquisas têm efeitos na própria economia. Ele menciona o fato de que países desenvolvidos investem em média cerca de 3% de seu PIB em ciência e tecnologia. O Brasil investe apenas 1%. 

“Esses países investem pesadamente nisso porque vem como uma questão econômica importante, de inovação tecnológica, de transformação social e melhoria das condições de vida.  A pesquisa básica em todos países avançados do mundo tem apoio do Estado. As universidades americanas, as grandes universidades do mundo, todas elas têm participação significativa de recursos públicos”, defende.

O biólogo Rógean Vinicius Santos Soares, integrante da diretoria da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), afirma que o comunicado da Capes foi defendido pela representação da entidade no conselho diretor do órgão para que houvesse dados concretos sobre o impacto da LDO na pesquisa científica. Além disso, apontou o que significaria para os pesquisadores o fim das bolsas. 

“A bolsa do pós-graduando tem uma grande defasagem: ela não é reajustada desde 2013. Das agências nacionais, a bolsa de mestrado hoje é de R$1500 e a de doutorado R$ 2200. Como a maioria dos bolsistas são obrigados a ter dedicação exclusiva, ou seja, não tem outra fonte de renda, esse dinheiro é apenas para a sobrevivência”, critica. 

Uma série de mobilizações locais foram marcada contra os cortes. No dia 14 de agosto, um protesto em Brasília deve ocorrer. A data é o prazo final para Temer avaliar o texto da LDO. O Ministério da Educação anunciou na noite desta sexta-feira (3) que os cortes previstos não devem se concretizar. 



Edição: Pedro Ribeiro Nogueira


domingo, 9 de setembro de 2018

As grandes vítimas da contrarreforma trabalhista



Cortadores de cana (2015): Sob forte calor, cada um chega a cortar e carregar
15 toneladas por dia. Agora, com menos salários, direitos e Previdência.


Milhões de trabalhadores rurais estão perdendo registro, benefícios sociais e direito à Previdência. Expostos ao poder do latifúndio, podem converter-se, na prática, em semi-escravos


Por José Álvaro de Lima Cardoso | Imagem: Márcio Pimenta


Um dos pilares do golpe é aumentar, em geral, o grau de exploração da força de trabalho. A lista de medidas nesse sentido é imensa: contrato por tempo parcial, trabalho intermitente, destruição da CLT, fim das limitações da terceirização a atividades fim, desmonte do Estado público, demissão e arrocho salarial nas estatais, etc. No entanto, se o programa dos golpistas achata a renda e precariza as condições dos trabalhadores em geral, para a população rural ele é simplesmente devastador. No campo se localizam os maiores índices de informalidade, um menor índice de organização sindical em vigor e uma cultura secular do trabalho escravo. Neste quadro, através da contrarreforma trabalhista, procuraram desarticular os sindicatos, por exemplo, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. O desmonte dos modestos avanços dos anos anteriores ao golpe, tem sido dramático e muito rápido.

A partir de 2016, mais de 50 milhões de brasileiros passaram a viver em situação de pobreza, com uma renda de 387 reais por mês, de acordo com os dados do IBGE. Para efeito de comparação: em 2013 o programa Bolsa Família (essencial para a população rural) beneficiou cerca de 14 milhões de famílias número que totaliza aproximadamente um quarto da população do país. Após uma “limpeza” no cadastro feita em 2016 e 2017, o governo ilegítimo retirou 1,5 milhão de pessoas da lista de beneficiários do programa. A relação entre os cortes dos programas sociais e a intensificação da pobreza no campo é direta. No ano passado a pobreza extrema aumentou, pelo terceiro ano consecutivo, em 11%, o que representa um aumento do indicador em 14,8 milhões de brasileiros.

O desmonte de ações estatais em benefícios da população é amplo, e abrange todos os programas que possibilitavam uma atenuação da pobreza e da concentração de renda no campo. O Programa de Aquisição de Alimentos (que compra produtos a preços de mercado regionais e os transfere a instituições públicas), fundamental para o escoamento da produção da agricultura familiar, sofreu cortes orçamentários abruptos, caindo de 840 milhões de reais em 2012 para 360 milhões de reais no ano passado.

Os golpistas estão destruindo também o Programa Cisternas, que levou até as comunidades das regiões mais secas e pobres do país, técnicas de armazenamento e gerenciamento de águas pluviais. Este programa é extremamente bem-sucedido: desde 2003 mais de 1,3 milhão de cisternas foram instaladas, ofertando água potável para beber e para a produção agrícola durante a estação seca. Contudo, desde 2015, o programa vem sofrendo drásticos cortes orçamentários: o orçamento era de 377 milhões de reais em 2013 e, no ano passado, tinha caído para 46 milhões (88% de redução).

Segundo a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os cortes no orçamento significam um número de mais de 350 mil famílias que não recebem as tecnologias de uso de água potável. O pior é que a redução do Programa vem justamente em um momento em que o país é atingido por secas violentas e a economia vive uma das mais graves estagnações da história.

O desmonte dos programas sociais e a contrarreforma trabalhista tornam as famílias que vivem no campo mais vulneráveis, o que as obriga a se submeterem mais as exigências do capital. A contrarreforma trabalhista rebaixou o mínimo de garantias que os trabalhadores tinham e satisfez praticamente todas as exigências das empresas, além de diminuir os custos do trabalho, tão criticado pelo empresariado rural. O fim do pagamento das horas in itinere, a terceirização sem limites, a contratação de autônomos, o trabalho intermitente, a “pejotização”, o banco de horas (compensação de horas extras, demissão “em comum acordo”; tudo isso piorou em muito a vida do trabalhador rural.

Segundo a Pnad-IBGE (2015), do total de 13,5 milhões de trabalhadores rurais brasileiros, 12% têm carteira assinada, 17% trabalham informalmente (com acordos verbais e temporários) e os demais dedicam-se à agricultura familiar. Segundo a referida pesquisa os trabalhadores rurais que estão na informalidade têm rendimento mensal médio de até um salário mínimo. Além disso, um terço deles recebe menos de um salário. Com a contrarreforma trabalhista, muitos empregados permanentes do campo começam a passar à condição de empregados temporários. Muitos contratos fixos estão passando para contratos temporários ou intermitentes, mais baratos aos patrões. Como se sabe, o pagamento mínimo por dia na jornada intermitente tem que ser equivalente ao salário mínimo diário. Acontece que o trabalhador, muitas vezes não consegue trabalhar horas suficientes para completar o salário mínimo no final do mês, fenômeno que os sindicatos urbanos já vêm detectando nas suas bases. A questão é que um trabalhador só pode pagar a Previdência Social se conseguir totalizar, no mês, a contribuição equivalente a um salário mínimo, hoje de R$ 954.

Em 2017, a apresentação de um projeto de lei por um deputado do Mato Grosso, que prevê a possibilidade de pagamento dos trabalhadores rurais através de “remuneração de qualquer espécie”, o que pode incluir alimentação e moradia, mostra o quanto a bancada ruralista está determinada a aniquilar direitos sociais e trabalhistas.

Essa questão não tem uma dimensão meramente econômica. A destruição de políticas assistenciais e de organização do campo tem um aspecto político fundamental: trabalhador sem direitos e esmagado pela miséria, tende a ser servil e sem vontade própria. O que facilita, na prática, um regime de semiescravidão.


sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O poder judiciário como partido político


Gramsci observou que certas instituições políticas sediadas na chamada sociedade civil por vezes fariam a função e o papel dos partidos políticos formais



Por Francisco Fonseca  


                                  Créditos da foto: Brasil de Fato


Um dos principais pensadores da política que intitulamos como “moderna”, Antonio Gramsci a analisou em seus diversos significados, em suas formas de operar, em sua complexidade quanto à representação e em seu papel tanto nas conjunturas como nas estruturas de poder. Observou, argutamente, que certas instituições políticas sediadas na chamada “sociedade civil” por vezes fariam a função e o papel dos partidos políticos formais como “intelectuais orgânicos” de determinadas classes ou frações de classes sociais.  Deve-se notar que, para Gramsci, o Estado é “ampliado”, no sentido de articulação entre os aparatos do Estado – como o Poder Judiciário, por exemplo – e as organizações da “sociedade civil”.

Dessa forma, em determinadas conjunturas, notadamente naquelas em que os representantes tradicionais e oficiais das classes e/ou frações se encontram em crise de representação e de hegemonia – no sentido mais profundo dessas expressões –, outras entidades, formais ou informais, na sociedade ou mesmo de setores do Estado, assumem o papel de “organização da sociedade” e de “direção político/ideológica”, notavelmente de grupos específicos, como foi o caso da maçonaria na Itália na década de 1930.

No Brasil, a chamada “judicialização da política” (que inclui políticas públicos e os mais diversos conflitos, incluindo-se os havidos entre os poderes) vicejou desde a Constituição de 1988 com efeitos controversos. O Poder Judiciário vem, desde então, ampliando seus poderes, competências e privilégios, mantendo, além do mais, os que detinha antes da redemocratização. Tem sido um proto partido, um ensaio de “partido político” no sentido de cumprir essa função embora seja instituição do Estado.

Contudo, desde a desestabilização do Governo Dilma, que começou em 2013 e levou à sua deposição sob a forma do golpe Parlamentar/Midiático/judiciário, finalmente desfechado em 31 de agosto de 2016 – analisei esse processo no artigo “A desestabilização, o golpe e a ‘sociedade civil gelatinosa’ do golpismo”, publicado neste Portal em 09/09/2016 (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-desestabilizacao-o-golpe-e-a-sociedade-civil-gelatinosa-do-golpismo/4/36802) –, o  Poder Judiciário, notadamente suas mais altas cortes, tem ido muito além da conhecida “judicialização da política”.

Desde então, o Poder Judiciário vem se transformando em verdadeiro partido político no sentido de dar direção político/ideológica/moral ao conservadorismo – em suas diversas acepções – e aos grupos de direita, em suas diversas tonalidades. Superou, portanto, em muito o conhecido processo de “judicialização da política” no sentido  reativo a demandas contenciosas. A aliança com a grande mídia é, nesse sentido, crucial ao êxito do golpismo.

Agora, o Partido do Poder Judiciário – PPJ na linguagem partidária – e seus subprodutos, entre os quais o mais famoso, o PLJ (Partido da Lava Jato), coligados ao conhecido PIG – Partido da Imprensa Golpista –, reitere-se, a setores empresarias, notadamente o rentismo e interesses estrangeiros, e às classes médias tradicionais (historicamente conservadoras) intercedem na vida política a ponto de expressarem, em certo sentido, o cerne da vida política. Mas, reitere-se, como porta-vozes e “organizadores político/ideológicos” de interesses estrangeiros, do Capital Global, do rentismo, e das classes médias conservadoras. Em última instância, o “Partido do Judiciário” requer re-colocar a sociedade brasileira em patamares sociais hierárquicos cujo elemento fundante é a distinção social, a ideia conservadora de “ordem” e a meritocracia individualista. Daí tanto a participação ativa de setores do Judiciário na elaboração do golpe de Estado como de sua “legalização”: TCU, MPF e MPEs, STF. Igualmente, aparatos de Estado, como a PF e a RFB, tornaram-se fortemente instrumentalizados.

Logo, a fragilidade dos partidos políticos – em sentido estrito –, como o PSDB, o DEM e o PPS, sem contar o imenso “centrão”, todos golpistas de primeira hora e decadentes no jogo político/eleitoral antes das perseguições da Lava Jato, tem como contrapartida a força do Poder Judiciário como expressão dos grupos sociais subrepresentados por aqueles partidos políticos “sem voto” e perdedores de eleições, caso notório do PSDB.

Um “novo/velho” Brasil está sendo moldado desde 12/05/2016 (afastamento temporário da presidente legítima, Dilma Rousseff) e sobretudo desde 31/08/2016, quando o impeachment fora desfechado. Com ele estão sendo desestruturados: o pacto político formulado pela redemocratização que resultou na Constituição de 1988; o Estado de Direito Democrático; o Estado de Bem-Estar Social; os direitos trabalhistas; a soberania nacional; os direitos civis, notadamente das minorias; entre outros.

A todos esses ataques, o discurso – também “novo/velho” – se funda na “modernização”, na “abertura do mercado”, no “custo Brasil”, na “meritocracia”, na “estática divisão internacional do trabalho”, de onde Moro e Serra, por exemplo, parecem se inspirar, entre outras.

O “Partido do Poder Judiciário” tem sido ou omisso, ou leniente ou ativo no ataque a esse conjunto de garantias, a ponto de a defesa do ex-presidente Lula ter conseguido aceitação da ONU quanto ao processo que lhe é movido pela Operação Lava Jato, cujos elementos anti-jurídicos saltam aos olhos, simbolizados na figura do promotor Dalton Dallagnol com suas convicções em forma de power points!

Esse “partido” tem ou realizado (Partido da Lava Jato, TCU, MPEs) ou permitido (STF) um sem-número de aberrações ilegais contra determinados políticos de um mesmo partido político (o PT), como se sabe, e parcialmente ao PMDB. Muito já se falou dos grampos ilegais e dos vazamentos aos meios de comunicação (ao PIG), das conduções coercitivas, das prisões ilegais e estendidas como forma de pressão, das pressões inconstitucionais às delações premiadas, da supressão do devido processo legal, da intepretação do processo penal e do código do processo penal de forma inteiramente “particular” sem que nada disso tivesse o devido “peso e contrapeso” do que se pode chamar de justiça. Tudo isso no contexto da enorme seletiva investigativa.

Não mais se discute política no Brasil sem que haja menções explícitas e predominantes a Moro, Mendes, Janot e outros. A morte do ministro Teori Zavascki tem permitido um sem-número de versões sobre um possível atentado tendo em vista a conveniência política para o consórcio golpista indicar seu substituto (como relator da Lava Jato num momento de homologação de importantíssimas delações premiadas) e que faça coro a Gilmar Mendes para criminalizar políticos do PT e de parte do PMDB, sem que nada aconteça ao PSDB e ao núcleo golpista do PMDB, cujos principais nomes estão envolvidos até a medula em denúncias e delações.

O Poder Judiciário, ao se partidarizar, com honrosas exceções não julga o “mérito” do processo e sim personaliza o suposto criminoso: uns sim (do PT), outros não (do PSDB)! Tal fenômeno se tornou chacota entre diversos grupos, ainda mais com a “piada pronta” dos reiterados encontros entre Moro/Gilmar e Aécio, Alckmin, Temer, Dória e tantos outros, num teatro em que se encontram acusadores e acusados, cujos papeis se confundem.

Mesmo os Ministérios Públicos estaduais têm agido de forma facciosa, partidária, caso do MPSP, que blinda os sucessivos governos do PSDB do estado de um sem-número de barbaridades: intransparência sistêmica; corrupção, como se verifica nos casos Alstom, quebra de consórcios que construiriam linhas de metrô, merenda escolar, entre tantos e tantos outros; violência policial exacerbada e coordenada politicamente; irresponsabilidade administrativa (caso da crise hídrica e da “reorganização” das escolas estaduais); aparelhamento político/partidário dos aparatos do Estado; privatizações, concessões e contratualizações onerosas à sociedade e irresponsáveis administrativamente; entre muitos outros. Tudo isso tornou o estado de São Paulo sob o PSDB o estado mais autoritário, intransparente e incompetente para resolver problemas estruturais, inversamente à proteção e blindagem do TJ, do MPSP e mais recentemente até da Defensoria Pública de SP. Por outro lado, a perseguição de promotores paulistas a Lula é ao mesmo tempo insana e típica de ópera bufa, contrariamente à intocabilidade dos governos tucanos, apesar do imensos descalabros que promovem há cerca de vinte anos no estado de São Paulo. Igualmente o MPDF, entre outros, tem assumido postura anti-petista e particularmente persecutória a Lula a ponto de indiciá-lo sem nenhuma evidência. São, portanto, seções regionais do PPJ, espécie de partidos regionais da Velha República.

O PPJ não tem voto nem legitimidade para fazer política, mas age como se tivesse, tendo, ainda por cima, mantido vícios e privilégios provenientes da ditatura militar, reitere-se.

O PPJ se protege com o argumento de que “apenas cumpre a lei” – bordão de Moro, candidatíssimo à presidência da República –, quando a interpreta ao seu bel prazer e de acordo com as circunstâncias políticas, conjugando ações da Lava Jato com o STF, a PGR e Ministérios Públicos estaduais, embora haja conflitos e dissintonias também entre essas instituições, igualmente ao que ocorre nos partidos políticos formais. Reitere-se que a aceitação da ONU à queixa de perseguição ao ex-presidente Lula pela Lava Jato, particularmente a Moro, justamente evidencia esse manancial de ilegalidades.

Por fim, o apontado “messianismo” de Moro (que aparentemente colabora com o Poder Judiciário dos EUA), Dallagnol e outros membros da Lava Jato, que supostamente estariam numa cruzada cívica contra a corrupção, pode ser até verdadeira do ponto de vista de suas crenças individuais, embora altamente questionável dada a seletividade com que atuam. Contudo, o mais importante é observar os aspectos sistêmicos do que está em jogo no Brasil por meio da atuação política do Poder Judiciário como “partido político” no sentido gramsciano.

Sem que se enfrente e se desestruture o poder faccioso desse “partido político”, impondo-lhe conduta republicana, transparente e democrática, estaremos muito próximos de uma “ditadura judicial”, tornando o Estado de Exceção, que de certa forma já estamos vivenciando, moldura da vida política nacional.

Enfatize-se que os debates e embates em torno da morte e sucessão de Teori Zavascki são a expressão da partidarização do Poder Judiciário e do sintoma da destruição da democracia, da soberania e da sociedade de direitos, uma vez que o golpe de Estado foi desfechado para blindar as elites e os grupos conservadores e para destruir a soberania nacional – em prol do rentismo internacional – e a sociedade de direitos: políticos e sociais.

Não é pouco a tarefa que a atual geração terá de enfrentar!


Francisco Fonseca é (professor de ciência política da FGV/Eaesp e PUC/SP)


FONTE: Carta Maior

domingo, 19 de agosto de 2018

O Brasil em compasso de espera




Com o quadro de insegurança gerado pelo desastre da economia, ganha força a
ideia dos referendos revogatórios. Mas, até a eleição, continuaremos a afundar
no pântano do governo Temer
                       


Por Paulo Kliass


A proximidade do pleito de outubro próximo começa a deixar um pouco agitado e ansioso o campo da direita e da centro-direita em nosso País. Afinal, ao contrário do que havia sido prometido desde a derrota de Aécio Neves na disputa presidencial em 2014, não foi suficiente o êxito em chancelar o golpeachment aprovado pelo Congresso Nacional. O PSDB questionou o resultado das urnas eletrônicas, uma vez que tinha certeza de que ganhariam as eleições. Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara dos Deputados e assumiu a missão de infernizar a vida da presidenta recém-eleita. O resultado de tudo isso foi o afastamento da vitoriosa no pleito.

A ampla campanha de apoio midiático e o suporte político de boa parte de nossas elites empresariais apareciam como a garantia de que tudo se resolveria no dia seguinte à retirada de Dilma Roussef do Palácio do Planalto, em razão daquela medida inconstitucional. A chegada do time dos sonhos no comando da economia era comemorada por todos os simpatizantes da turma dos endinheirados. Afinal, “la crème de la crème” tinha certeza de que nada melhor do que dois legítimos banqueiros para botar ordem na bagunça.

Meirelles e Goldfajn são apresentados como uma espécie de unanimidade para a solução de todos os problemas brasileiros. Agora sim, a competência técnica e a seriedade profissional seriam guindadas ao primeiro plano do Ministério da Fazenda (MF) e do Banco Central (BC). Pouco ou quase nada se falava respeito da participação do ex presidente internacional do Bank of Boston na presidência do Conselho de Administração da JBS. Além disso, a grande imprensa permanecia calada frente aos escândalos bilionários dos perdões gentilmente oferecidos pelo CARF (órgão do MF) às sonegações praticadas pelo Banco Itaú. O inferno são os outros.

Aposta no golpeachment e decepção posterior.

O tempo foi passando, os escândalos seguiram se sucedendo e boa parte do primeiro escalão do governo Temer está sendo processado, condenado ou cumprindo na prisão. Mas nada disso é relevante, pois o que interessa é que a credibilidade da política econômica seria recuperada. Só que não! As consequências da estratégia de aprofundamento do austericídio foram implacáveis. O desemprego explodiu a níveis jamais conhecidos até então. A redução do ritmo da atividade econômica empurrou o Brasil em direção ao precipício da maior e mais longa recessão de nossa História.

Como bons economistas que são, a duplinha dinâmica encarregada de implementar o desastre sabia muito bem o que estavam provocando. A manutenção dos juros na estratosfera desde meados de 2016 e a opção pelo garroteamento das despesas orçamentárias não poderiam levar a outra quadro que não a estagnação generalizada. Na verdade, a intenção era exatamente essa. Ambos conheciam o final da estória dessa combinação explosiva de juros altos e arrocho fiscal. A intenção era mesmo provocar a quebradeira generalizada de forma premeditada, pois ela seria a única receita para impedir a elevação dos preços. Uma loucura!

Ocorre que a expectativa gerada na maioria dos apoiadores do golpe era exatamente a oposta. Os meses se sucediam e o milagre da retomada da economia em “bases responsáveis” não aparecia no horizonte. Muito pelo contrário. A compressão da renda das famílias, a expansão da pobreza e o ressurgimento da miséria em níveis impressionantes contribuíram para abafar a demanda. Com isso, é óbvio, os preços cederam e a inflação caiu. A recessão inquestionável acabou obrigando o próprio COPOM a promover a redução tardia da SELIC. Mas a cumplicidade da direção do BC frente aos crimes cometidos pelo oligopólio da banca contra a grande maioria da sociedade garantiu a continuidade do regime de espoliação financeira.

“Deixou de piorar” e “fundo do poço”.

O desconforto dos colunistas econômicos dos grandes meios de comunicação era evidente. Afinal, tinham que dialogar com sua base de leitores, que haviam acreditado piamente naquilo que se revelou como um enorme estelionato jornalístico. Dali para frente, a saída foi forçar a barra a cada nova publicação oficial de dados. Mas revelou-se difícil essa tarefa inglória de retirar leite de pedra. O discurso assumiu o tom do hilário “deixou de piorar”. Até que, finalmente, veio a boa notícia a respeito do PIB de 2017. Após 2 anos sucessivos de queda, finalmente a economia havia oferecido um crescimento modesto de 1%.

No entanto, as perspectivas não se revelam nada seguras quanto à possível continuidade de tal ritmo. O resultado foi obtido graças ao extraordinário desempenho oferecido pela agricultura, que cresceu 13% ao longo dos 12 meses. Serviços e indústria permaneceram calados, com “crescimento” de praticamente 0%. Além disso, o item que mais puxou o crescimento permaneceu sendo o consumo, o que evidencia a continuidade de um modelo frágil e pouco sustentável.

O comportamento mais relevante para análises prospectivas refere-se ao investimento. E nesse quesito fica mais do que evidenciado o compasso de espera que atravessa a economia brasileira. A taxa de investimento do PIB permanece bastante distante dos 25% que boa parte dos analistas considera essencial de ser atingida. Em 2017 ela ficou em apenas 15,6%. Essa taxa só é superior ao que foi apurado em 1996, ou seja, vivemos um recuo de 22 anos em aspecto essencial de nossa capacidade econômica.

O resto é disputa de metade do copo cheio ou vazio. O governo e os jornalões chapa-branca tentam vender a impressão de que uma criação de algumas dezenas de milhares de emprego é um avanço. Mas nada comentam a respeito da permanência de um estoque de quase 13 milhões de desempregados. A equipe econômica e alguns de seus colunistas especializados de plantão disputam o momento em que afinal teríamos tocado o fundo do poço, mas os índices oficiais resistem a tal afirmação categórica.

Compasso de espera e eleições de outubro.

O desempenho da indústria é cristalino a esse respeito. Depois de comemorar enfaticamente quatro meses de crescimento do setor, agora os dados do IBGE relativos a janeiro apontam para uma nova queda no produto industrial. Assim, o crescimento acumulado de setembro a dezembro do ano passado (4,3%) foi quase revertido com a queda (2,4%) observada no primeiro mês de 2018. Na verdade, o fato é que boa parte das vendas ocorre com base em estoques acumulados e o crescimento observado na produção é realizado apenas com base na recuperação da capacidade ociosa. Não há ampliação das plantas nem contratação de força de trabalho.

O fato concreto é que a retomada do crescimento da economia em bases sustentáveis exige aumento expressivo do investimento. E isso pressupõe confiança do empresariado no cenário futuro. O desmonte provocado pela equipe impôs um quadro grave de incerteza e insegurança. Só agora parece que começa a cair a ficha dos que se iludiram com os imensos prejuízos provocados pela irresponsabilidade criminosa praticada pelos liberaloides de plantão. Volta a frequentar as páginas dos jornais aquilo que os economistas críticos desse modelo não cansávamos de alertar. A retomada da economia depende de que seja recuperado o protagonismo do Estado à frente das grandes decisões estratégicas.

Não bastaram as fadinhas mágicas das expectativas. O Brasil não só estagnou, como recuou muito e caminhou bastante para trás. A economia brasileira só deixará o atual compasso de espera em que nos encontramos à medida que foram se tornando mais claros os horizontes de curto e médio para os empresários. Afinal, esse governo já terminou e os responsáveis pela economia não se atreverão a mexer uma palha para retomar investimentos públicos ou adotar estímulos de políticas públicas na direção de um projeto de desenvolvimento. Boa parte dos integrantes sairão para concorrer a cargos eletivos e os remanescentes não terão credibilidade alguma para encerrar esse triste fim de feira.

Ao que tudo indica, as definições quanto aos cenários para o próximo quadriênio só virão mesmo com os resultados da eleição de outubro. Permanecem as dúvidas quanto à participação de Lula ou não no pleito. Se insistirem nesse escandaloso cerceamento, abrem espaço para o “risco Bolsonaro”. Por outro lado, pipocam aqui e ali sinais importantes de mudança de avaliação no interior das classes dominantes quanto à óbvia necessidade de flexibilizar as amarras impostas pela EC 95 e pela “regra de ouro”. Ganha força a ideia de um referendo revogatório para zerar o jogo imposto por Temer e iniciar uma nova caminhada. Mas até lá, tudo indica que continuaremos a afundar ainda um pouco mais no pântano que tem caracterizado o atual quadro de imobilismo.


Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal


sábado, 11 de agosto de 2018

Cortes no financiamento de pesquisas públicas: mais um golpe contra o Brasil!



Por Fábio Bezerra*




A menos de 5 meses para o fim do Governo Temer, o compromisso com a agenda de sucateamento e privatizações do ensino público brasileiro segue à risca e a todo vapor o receituário neoliberal, preparando o terreno para a extinção definitiva das Universidades Públicas e o esfacelamento da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.

No último dia 02 de agosto, o MEC, a toque de caixa, tentou emplacar a aprovação das alterações nas Bases Nacionais Comuns Curriculares (BNCC ) que coadunam com a contrarreforma do ensino médio aprovada em 2016 e tentam ajustar com ares de “democracia” o maior retrocesso já feito na educação pública.

A contrarreforma do Ensino Médio, sob a defesa de um currículo mais flexível e adequado à realidade de cada região e aos interesses dos estudantes (que passariam a ter autonomia de escolha), reduz drasticamente o acesso ao conteúdo didático que possibilite um conhecimento mais amplo sobre todas as áreas do conhecimento, ao nivelar os estudos por eixos temáticos que, na prática, irão restringir conteúdos em módulos oferecidos em uma só disciplina, abrangendo de modo superficial e incompleto o estudo de diversas matérias e, por sua vez, precarizando o conhecimento mais adequado das mesmas.

Além disso, disciplinas importantes para a formação humanística e crítica dos cidadãos, tais como Filosofia e Sociologia, não constam mais no currículo; a precarização ainda se torna mais evidente ao se regulamentar e estimular que as redes públicas de educação contratem pessoas sem a formação pedagógica adequada para a prática do magistério, o chamado profissional de “notório saber”, desvalorizando o trabalho docente e ao mesmo tempo extinguindo na prática os cursos de licenciatura em todo o país a médio prazo.

Outra grande contradição é a autorização de que até 40% da grade curricular possa ser oferecida à distância, podendo ser ofertada por grandes grupos empresarias, que irão celebrar parcerias rentáveis com o Estado para a promoção de pacotes fechados de formação.

O sucateamento a que há anos a educação pública no Brasil vem sendo submetida atende a interesses privados que esperam lucrar com a mercantilização do ensino público, ao mesmo tempo em que atende a uma ofensiva reacionária que procura reeditar a velha lógica da dualidade de acesso ao saber. Não é coincidência que, no início desse ano, o Banco Mundial divulgou um relatório intitulado: “Um Ajuste Justo”, que, entre outras medidas de austeridade no gasto público, propõe a redução de gastos e investimentos em educação, com a consequente terceirização dos serviços, suspensão de concursos públicos, redução de gastos com a folha de pagamento e, por fim, a privatização via cobrança de mensalidades de cursos de nível superior e pós-graduação.

A Educação Profissional e Tecnológica, nesse sentido, está sob grande ameaça, pois, de acordo com a divisão por áreas temáticas, os Institutos Federais (IFs) podem ser retalhados, ficando a base comum vinculada às redes públicas estaduais e a parte técnica sendo administrada, através de parceria público-privada, por exemplo, por sistemas de ensino profissionalizante, de orientação tecnicista e produtivista, ligados à indústria e ao comércio, como é o caso do Sistema S, destruindo, dessa forma, o exitoso modelo de educação integrada de base politécnica que vem sendo erigida nesses últimos dez anos através dos Institutos Federais.

Os IFs estão entre as melhores escolas públicas do país, com presença em todo o território nacional e influência enquanto Política Pública, no desenvolvimento regional e na promoção de parcerias locais e Tecnologias Sociais.

Na última semana, outro duro golpe foi desfechado, agora atingindo em cheio o orçamento da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES), principal agência de fomento público a pesquisas em diversas áreas e linhas e que abrange a todas as universidades públicas brasileiras e também aos Institutos Federais.

A divulgação da redução drástica para o incentivo e manutenção das pesquisas financiadas com recursos da CAPES, previstos no orçamento do MEC e delimitados anualmente pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), praticamente suspende as bolsas de manutenção em todos os programas de pós-graduação (mestrados, doutorados e pós-doutorados) em todo o país, interrompendo não apenas as pesquisas já em curso, mas comprometendo os projetos futuros.

Suspende também o investimento e a remuneração de programas como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), de Residência Pedagógica e o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica ( Panfor), o que atingirá mais de 100 mil bolsistas!

Além desses programas de formação e incentivo ao aprimoramento da prática docente, o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), os Programas de Mestrado Profissional para a qualificação de professores(as) da Rede Pública de Educação Básica também serão afetados com os cortes, atingindo mais de 245 mil beneficiados em mais de 600 cidades, inseridos em uma rede com mais de 100 Instituições de Ensino Superior.

De uma só vez, tanto a pesquisa universitária e sua importância para o desenvolvimento de projetos sociais, tecnológicos, científicos, ambientais, etc, que possam influir na realidade social, quanto a qualificação e promoção da formação dos educadores no Brasil são jogados na sarjeta.

Hoje, as Instituições Federais de Ensino ( Universidades e IFs) respondem por mais de 90% da pesquisa acadêmica desenvolvida no Brasil, inclusive em áreas que não interessam às empresas privadas, devido aos custos e riscos, mas são fundamentais para o país. Em sua totalidade os programas de financiamento às pesquisas e também aos projetos de extensão aproximam as IFEs da realidade de um país extremamente desigual e dependente e que, ao mesmo tempo, possui grande potencial de produção científica, tecnológica que, com o devido direcionamento para as áreas sociais, podem reduzir parte das mazelas historicamente constituídas e nutridas pela sociedade capitalista.

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, o físico da UFRJ Ildeu Moreira, as medidas do governo poderão gerar uma “fuga de cérebros e escassez de cientistas qualificados” ou jogar definitivamente as universidades, via OCIPs e/ou Fundações, no colo dos interesses da iniciativa privada, através da legislação do Marco Regulatório da Ciência e Tecnologia, aprovada ainda no Governo Dilma e que regulariza a privatização dos institutos de pesquisa das Universidades e IFs, a fim de vincularem todo o potencial de produção de conhecimento aos ditames de quem os contratar. Isso significa que pesquisas que hoje assumem um sentido de Políticas Públicas através de seus resultados e projetos de extensão, beneficiando milhares de pessoas em todo o Brasil, irão acabar!

No rol das pesquisas ameaçadas estão projetos de ponta, tais como: projetos relacionados a tratamento e cura de alguns cânceres, entre eles o câncer de pele (o mais comum no Brasil) e o câncer de cérebro (um dos mais agressivos), pesquisas para a produção de uma vacina contra os quatro tipos de vírus da dengue, aprimoramento de remédios e tecnologia para o tratamento de pacientes HIV/ AIDS, constituição de defensivos agrícolas agroecológicos sem danos à saúde humana, produção de biodegradáveis que eliminam manchas de óleo em vazamentos marinhos e que atingem todo o ecossistema de localidades ribeirinhas, pesquisas sobre indicadores de violência contra a população LGBT e elaboração de políticas públicas, pesquisas aeroespaciais, em nanotecnologia, entre outras, serão afetadas.

O relatório do MEC, publicado no início de 2018, demonstra que as 10 principais universidades do país em produção acadêmica, pesquisa e projetos de extensão são universidades públicas; em sua maioria estas possuem recursos materiais e quadros qualificados – apesar de todo o sucateamento e ataques sucessivos – que possibilitam relevante produção e destaque do Brasil em comparação com outros países.

Todo esse cenário não pode ser reduzido apenas à chamada crise orçamentária como muitos economistas tentam replicar costumeiramente na imprensa e assim tentar justificar perante a opinião pública o que seriam inevitáveis medidas de austeridade e contenção de gastos ! Não, não é apenas isso!

Estamos diante de mais um desfecho claro de esfacelamento do Estado enquanto ente público, com deveres e responsabilidades constitucionais e prerrogativas históricas que possam garantir o mínimo de desenvolvimento e Políticas Públicas que equacionem ações para permitir acesso a direitos como a educação pública, assim como aos benefícios sociais que o investimento em pesquisa científica e tecnológica e os projetos de extensão possibilitam no país.

Se de fato o orçamento público é criminosamente comprimido pelos compromissos com a rolagem da Dívida Pública, que ano a ano vem sugando recursos de áreas sociais e comprometendo cada vez mais a qualidade de vida da maioria da população, não é menos verdade que todo esse processo está associado a uma lógica perversa, que pretende privatizar os recursos do Estado e que teve na aprovação da Emenda 95 (a PEC do congelamento de investimentos em 20 anos) sua mais agressiva expressão, garantindo, dessa forma, a imposição criminosa e covarde dos interesses do capital financeiro e dos grandes grupos empresariais que vêm se constituindo para atuar no ensino médio, os quais pretendem, nesse contexto, aumentar significativamente seu poder econômico e influência política, com a destruição da educação pública e a privatização das pesquisas em ciência e tecnologia.

Se não bastassem os crimes de lesa-pátria promovidos com a pilhagem dos leilões, ou melhor, com a entrega do Pré-Sal às multinacionais, a perda da soberania aeroespacial com os acordos envolvendo a Base Militar de Alcântara, a desindustrialização e o aumento da evasão de divisas, o Governo Temer faz a clara opção por extermínio de um dos principais patrimônios públicos do país, responsável pelo desenvolvimento, autonomia e investimento direto em diversas áreas e setores sociais que carecem dessa relação com as IFEs.

Se por sua vez o tripé entre ensino, pesquisa e extensão já vinha sendo, paulatinamente e por diversas frentes, atacado e corrompido, com essa medida o projeto privatista das elites brasileiras espera desfechar uma “pá de cal” que interrompa definitivamente a disputa e a apropriação pelos setores populares do conhecimento produzido pelas IFEs. Lembrando que não podemos pensar a existência humana em todas as suas faculdades e dimensões sem levar em conta o quanto essa disputa pela apreensão e devida aplicação dos saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos representam enquanto instrumento de Poder, seja para a emancipação ou para a perpetuação de relações de dependência, exploração e subserviência.

Nunca antes a Educação Pública sofreu tantos e sucessivos ataques nesse país, vindos de um Governo ilegítimo, desmoralizado por escândalos de corrupção e abertamente ofensivo à manutenção do ensino público.

Após intensa manifestação da comunidade cientifica, de entidades ligadas à pós-graduação, reitores e entidades civis, com repercussão nas redes sociais e na imprensa, o Governo Temer recuou e divulgou nota afirmando manter os recursos para a manutenção da CAPES, mas as intenções desse Governo e seus aliados estão muito bem expressas e delineadas. Não nos iludimos com pronunciamentos evasivos, cínicos e demagógicos!

A recente investida é a demonstração cabal de um cenário mais agressivo contra a educação e os(as) trabalhadores(as) da rede pública em todos os níveis e esferas, o que exigirá de nós muito mais empenho, unidade e principalmente diálogo com o restante da população brasileira, para quebrar as barreiras midiáticas e ideológicas que sedimentam mentiras, criminalizam a luta dos(as) educadores(as) e procuram justificar perante a opinião pública os retrocessos e investidas contra a educação



* Trabalhador em educação, membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB).


FONTE: Portal PCB

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