terça-feira, 14 de julho de 2015

Mapa do Encarceramento: prisão como instrumento de controle dos excluídos



Por Cristina Fontenele


Segundo Mapa do Encarceramento - Os jovens do Brasil, publicado recentemente pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), da Presidência da República, e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a população carcerária do Brasil aumentou 74% entre 2005 e 2012. Crimes relacionados a questões patrimoniais e drogas representaram 70% das causas das prisões.

O Mapa informa que, de 2008 a 2012, os crimes patrimoniais corresponderam a
aproximadamente metade das prisões efetuadas no período, seguida pelos crimes de
entorpecentes, que respondem por 20% e crimes contra a pessoa, menos de 12%

Em entrevista à Adital, Paulo Malvezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária diz que vivemos um evidente processo de encarceramento em massa. Para ele, o país fez uma opção clara de lidar com seus conflitos sociais pela via penal, e utilizar o cárcere como instrumento de controle das classes historicamente excluídas.

Perfil dos presos

O relatório revela que o perfil da população que está nas prisões do país é constituída por homens, jovens (abaixo de 29 anos), negros, com ensino fundamental incompleto, acusados por crimes patrimoniais. No caso dos presos adultos, os condenados cumprem regime fechado, em sua maioria, com penas de quatro até oito anos.

Para Jorge Chediek, representante residente do Pnud no Brasil, o país precisa de uma "mudança cultural”, que não será resolvida com o aumento do número de pessoas nos sistema prisional. "Devemos ter mecanismos mais sofisticados para administrar punições e para assegurar a redução de desigualdades e progressão criminosa”.


Entre as recomendações do estudo está o incentivo e o fortalecimento de políticas públicas, que visem a desacelerar o encarceramento, em especial de jovens, negros e mulheres, grupos que vêm sendo alvo do crescimento das penas de prisão.

De acordo com o secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, "não é verdade essa ideia de que o adolescente não é punido; inclusive, o sistema socioeducativo, muitas vezes, tem uma punição mais acelerada que o sistema penal e, em alguns casos, como os de homicídios simples, ele é até mais duro do que próprio sistema penal”, comenta.

Jovens negros


O relatório informa que, em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes jovens acima de 18 anos, havia 648 jovens encarcerados, enquanto que, para cada grupo de 100 mil habitantes não jovens acima de 18 anos, havia 251 encarcerados, ou seja, proporcionalmente, o encarceramento de jovens foi 2,5 vezes maior do que o de não jovens em 2012.

Malvezzi diz que pela experiência de trabalho nas prisões brasileiras, o número de negros e indígenas no sistema prisional é exponencialmente maior do que mostram os dados oficiais. Isto ocorre, segundo ele, devido à ausência de um critério e método únicos no país para levantar esses dados, e, em muitos estados, sequer esta classificação seria realizada. Para o assessor jurídico da Pastoral, o levantamento deixa claro que são os jovens negros a "clientela” preferencial da justiça penal. "Apesar do uso e do comércio generalizado de drogas entre universitários brancos e das classes mais abastadas, todo o trabalho de repressão penal é feito visando às comunidades empobrecidas e buscando esse ‘perfil criminoso’”, destaca.


Considera-se jovem o grupo etário de 15 a 29 anos (no caso do sistema prisional, acima de 18 anos) e não jovem o grupo acima de 30 anos de idade.

Quanto à redução da maioridade penal, Malvezzi ressalta que seria uma decisão "catastrófica” para a situação já "desumana” das prisões brasileiras. "Mas o perfil dos nossos presos permaneceria o mesmo, já que são nossos jovens e negros, que também estão encarcerados nos estabelecimentos de internação de adolescentes”.

Dados do Ministério da Justiça apontam que apenas 0,9% dos crimes cometidos no Brasil são realizados por adolescentes entre 16 e 18 anos. Deste 0,9%, apenas 0,5% envolve crimes contra a vida (homicídio e tentativa de homicídio).

Em 2005, 58,4% da população carcerária era negra e, em 2012, o índice subiu para 60,8%. O estudo indica que, quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de negros encarcerados. Os estados que possuíam as maiores taxas de encarceramento de negros, em 2012, eram, respectivamente: São Paulo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo e Acre. Outro dado é que os negros foram presos 1,5 vezes a mais do que os brancos.


Mulheres

Ainda segundo o informe, em sete anos (2005 a 2012), o crescimento da população carcerária feminina foi de 146%, e o da masculina, 70%. A região Norte teve o maior taxa de crescimento, com 105%.

Para Malvezzi esse crescimento pode ser atribuído à maior participação da mulher na estrutura do tráfico de drogas, em posições de alto risco e extrema vulnerabilidade. Ele comenta que, geralmente, as mulheres atuam como "mulas”, transportando drogas com seus próprios corpos, sem respaldo jurídico da organização criminosa e, muitas vezes, a pedido de seus filhos e companheiros. "É mais um exemplo do machismo estrutural da nossa sociedade.”, afirma.

Tempo de prisão e regimes

48% dos presos brasileiros receberam penas de até oito anos. 18,7% dos presos não precisariam estar presos, pois, de acordo com o Código Penal, estes se enquadrariam no perfil do cumprimento de penas alternativas.

O estudo aponta que 38% da população prisional no país são presos provisórios, ou seja, pessoas que estão sob a custódia do Estado, sem que tenham sido julgadas. Outros 61% dos presos são condenados e 1% está sob medida de segurança.

"Precisamos restringir ao máximo o uso de prisões provisórias”, destaca Malvezzi. Para ele, esta medida, que deveria ser uma exceção, tornou-se a regra no processo penal brasileiro. Iniciativas "interessantes” como a audiência de custódia, que consiste na apresentação pessoal do preso perante um juiz em até 24 horas, podem ajudar a diminuir a quantidade dessas prisões temporárias.

Em relação aos presos condenados, observou-se que 69% deles estão no regime fechado, 24% no regime semiaberto e 7% no regime aberto.

Para Jacqueline Sinhoretto, pesquisadora e autora do Mapa, todos os estados brasileiros já estão com superpopulação carcerária. "A média do Brasil é 1,7 preso para cada vaga, a um custo variando entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por preso. No entanto, há unidades com índice superior a cinco presos por vaga”.

Dois estados do Nordeste apresentaram o maior déficit de vagas do sistema prisional: em Alagoas, para cada vaga disponível no sistema prisional existiam 3,7 presos; em Pernambuco a taxa era de 2,5. Amapá e Amazonas também contabilizavam mais de duas pessoas presas por vaga.

De acordo com Malvezzi, o cenário tende a ficar "ainda pior”, com mais violência e degradação nos cárceres. "Na situação em que estamos, ou pensamos urgentemente em estabelecer metas de redução da população prisional, com medidas concretas do Executivo, Judiciário e Legislativo, ou caminharemos, inequivocamente, para a barbárie.”, alerta.

Regiões

Em 2012, a região Sudeste foi a responsável pelo maior número de presos no país. No Nordeste, Pernambuco era o estado com o maior número, com 28.769 presos, embora o Rio Grande do Norte tenha se destacado com crescimento de 161% no número de presos. No Centro-Oeste, Mato Grosso do Sul era o estado que tinha mais presos (11.298), e Goiás o estado que teve o maior crescimento no número de presos.

Na região Sudeste, verificou-se o crescimento acentuado no Estado do Espírito Santo, e Minas Gerais apresentou o crescimento de 624% da população carcerária. E somente em São Paulo, em 2012, existiam 190.828 presos.

Na região Sul, Rio Grande do Sul tinha, em 2012, o maior número de presos (29.243). Já no Paraná, verificou-se que a população prisional mais do que dobrou no período analisado (104%). Na região Norte, percebeu-se o crescimento acentuado do número de presos nos estados do Amazonas (126%) e Tocantins (125%), sendo que o estado com o maior número de presos foi o Pará (10.989).


FONTE: Adital

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