quinta-feira, 9 de julho de 2015

O melancólico declínio do Ensino Rural brasileiro


Ruínas da  Escola Rural Municipal Takeo Teshima, em Rolândia - PR

Mais de 37 mil escolas foram fechadas, nos últimos 15 anos, oito por dia. Retração reflete opção de sucessivos governos pelo agronegócio — que deseja um campo sem gente


Por Maura Silva, no site do MST


“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, já dizia Paulo Freire em uma de suas mais famosas citações.

Todavia, o cruzamento de dados disponíveis pelo Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) nos mostra que a educação no campo corre no sentido contrário. Apenas em 2014, mais 4.084 escolas do campo fecharam suas portas. Se tomarmos os últimos 15 anos, essa quantidade salta para mais de 37 mil unidades educacionais a menos no meio rural. Se dividirmos esses números ao longo do ano, temos oito escolas rurais fechadas por dia em todo país.

Dentre as regiões mais afetadas, norte e nordeste lideram o ranking. Só em 2014 foram 872 escolas fechadas na Bahia. O Maranhão aparece no segundo lugar, com 407 fechadas, seguido pelo Piauí com 377.

Há tempo que estes números preocupam entidades e movimentos sociais ligados ao campo e à educação, ainda mais pelo fato dos municípios mais pobres serem os mais afetados.

Para Clarice Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB), “esses números revelam o fracasso da atual política de educação no campo”. Para ela, os instrumentos criados precisam ser revistos para que se alcance o resultado esperado. “Se por um lado existe um esforço do governo federal em ampliar o transporte escolar rural, por outro, esse esforço não é o mesmo para evitar o fechamento das escolas”, exemplifica. “Não faz sentido pensarmos em transporte sem alunos. Ou seja, é um conjunto de critérios que demonstram as falhas das atuais políticas educacionais”, ressalta Santos.

Já para Erivan Hilário, do setor de educação do MST, o fechamento destas escolas representa um atentado à educação, um direito historicamente conquistado. “O fechamento das escolas no campo não pode ser entendido somente pelo viés da educação. O que está em jogo é a opção do governo por um modelo de desenvolvimento para o campo, que é o agronegócio”, aponta.

Segundo Erivan, a situação que vivemos “não está isolada desta opção, porque o agronegócio pensa num campo sem gente, sem cultura e, portanto, um campo sem educação e sem escola”. Ele observa que ao mesmo tempo em que há fechamento sistematizado das escolas no campo, o número de construções de novas unidades educacionais nos centros urbanos têm crescido. “Esse é um dado importante de ser analisado. O fechamento das escolas do campo contribui para o êxodo rural, além de consolidar o papel do agronegócio nessas regiões com a priorização dos lucros”, ressalta.

Além da falta de escolas, outro fenômeno observado é a chamada “nucleação”, quando várias unidades escolares são concentradas numa “escola polo”. Isso tende a minar cada vez mais a educação já cambaleante nestas regiões, dificultando o processo de aprendizagem e crescimento de crianças e jovens.


Empurra-empurra

A falta de investimento das prefeituras locais é apontada como um dos grandes motivos para o fechamento das escolas no campo. As prefeituras, por sua vez, alegam que o número de alunos matriculados não é o suficiente para manter novas unidades educacionais. Porém, o fechamento dessas escolas atingiu cerca de 83 mil alunos em todo o país.

De acordo com Erivan, mesmo nas regiões onde existem vagas, sobra precariedade. Das 70.816 instituições na área rural registradas em 2013 (uma década antes eram 103.328), muitas delas continuam sem infraestrutura adequada — biblioteca, internet ou laboratório de ciências. Outro ponto de alerta é a falta de adequação do material didático. Sem falar da adoção de conteúdos, práticas e atividades distantes do universo cotidiano e simbólico dos alunos camponeses, quilombolas ou ribeirinhos, bem como aponta Erivan.

Falta de fiscalização

Lançada em 2014, a Lei 12.960 tinha como objetivo mudar as Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e um dos pontos previstos era justamente aumentar o grau de exigência para que uma escola fosse fechada, mas na prática não foi o que aconteceu.

Para o integrante do MST, o grande problema é a falta de fiscalização. “O MEC institui as portarias, as leis são sancionadas, mas, na prática, quem tem o poder de fechar as escolas é o município. Se o município alega falta de alunos e de verbas, as escolas acabam sendo fechadas, e políticas que poderiam impedir esse fato não são colocadas em prática”.

“Não faz sentindo investir na formação de professores se não tem escolas. Por isso, bato na tecla de que a questão central é a articulação política do governo com os municípios — que são os responsáveis diretos pelos fechamentos — e também um pacote que contemple as demandas prioritários”, diz Santos.

“Dentro desse contexto, eu vejo um cenário negativo, que só poderá ser revertido com muita luta, de quem acredita que a educação é a única maneira efetiva de construção social”, destaca Erivan.


FONTE:  Outras Palavras

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...