segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Estatuto da Família é considerado ‘absurdo e discriminatório’


Por Ana Clara Jovino


Está previsto para ser discutido e votado na próxima quinta-feira, 24 de setembro, o Projeto de Lei 6583/2013, que institui o Estatuto da Família. Este define "entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável”. O autor do projeto é o deputado federal Anderson Ferreira (Partido Republicano – PR – Pernambuco), integrante da chamada bancada religiosa e relator do projeto conhecido como "Cura Gay”.



O objetivo da referida lei é "assegurar à entidade familiar a efetivação do direito à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania e à convivência comunitária”, conforme o artigo 3º do PL.

Se o Projeto de Lei for aprovado, apenas a entidade familiar formada por um casal heterossexual será entendida como família e terá proteção especial do Estado. Excluindo, portanto, casais homoafetivos, formados por dois homens ou duas mulheres.

O Estatuto pode ainda resultar em que os direitos conquistados pelos homossexuais, concedidos pelo Poder Judiciário, sejam reduzidos, como é o caso da união homoafetiva e da adoção. A lei exclui da definição de família os núcleos familiares adotivos, quando utiliza o termo "descendentes” se referindo unicamente à parentalidade biológica.

Deputado Federal Anderson Ferreira, autor do Projeto de Lei que
institui o Estatuto da Família

Na reunião da comissão especial que analisa o referido PL, que aconteceu na última quinta-feira, 17, o relator, deputado federal Diego Garcia (Partido Humanista da Solidariedade – PHS –Paraná), já mostrou que não vai mudar o ponto da proposição referente à família heteronormativa, defendendo o reconhecimento de família apenas como a união entre um homem e uma mulher. Segundo o autor da proposta, as políticas públicas que tratam da família, a base da sociedade, fazem falta para que os laços familiares sejam fortalecidos.

Em entrevista à Adital, Rosângela Talib, psicóloga e mestra em Ciências da Religião, da organização Católicas pelo Direito de Decidir, critica o Estatuto da Família. "É um absurdo, discriminatório, porque uma grande parte da população brasileira não teria acesso a essa proteção, restringindo o direito delas. Isso porque elas são consideradas diferentes, sendo que todos são iguais, segundo a Constituição Federal”, afirmou a psicóloga.

Para Rosângela Talib,  das Católicas pelo Direito de Decidir,
Estatuto da Família não deveria nem existir

Se o Estatuto só abrange um tipo de família e, atualmente, existe uma variedade de modelos de famílias na sociedade, deveriam existir formas de incorporar estes novos modelos, contemplar todos os tipos de família. Rosângela discorda até meso desta perspectiva. "Esse Estatuto não deveria nem existir, pelo simples fato de não refletir a realidade do nosso país, onde existem relações homoafetivas e as pessoas tem o direito de viverem livremente. É um retrocesso inimaginável”, disse ela.

Foi realizada uma enquete no site oficial da Câmara dos Deputados para saber a opinião pública a respeito do PL 6583. Em 24 horas, a pesquisa atingiu cerca de 20 mil votos. Do total, 52.86% (104.142 votos) concordaram com a definição de família ser um núcleo social formada por casal composto apenas por um homem e uma mulher, contra 46.76% que não concordaram.


FONTE: Adital

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Lei Antiterrorista criminaliza ainda mais os movimentos sociais


Por Cristina Fontenele



Aprovado pela Câmara dos Deputados recentemente, o Projeto de Lei 2016/15, que tipifica o terrorismo no Brasil, tem gerado controvérsias e oposição das organizações de direitos humanos. O texto final, que prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos em regime fechado, aguarda a apreciação do Senado Federal. Os defensores do projeto acreditam que a Lei Antiterrorismo é necessária para que o Brasil seja plenamente aceito pela comunidade internacional. No entanto, os opositores entendem que a proposta atenta contra as liberdades democráticas e pode criminalizar ainda mais os movimentos sociais, a exemplo de outras experiências, sobretudo na América Latina.


Segundo o Projeto de Lei, atos praticados por
xenofobia ou discriminação, que provoquem
terror social, podem ser tipificados como
terrorismo

Segundo o texto aprovado, o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos de atos motivados "por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Considera-se que os crimes previstos no projeto são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento.

De autoria do Poder Executivo, com a relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia (Partido Solidariedade – Bahia), as entidades de defesa dos direitos humanos temem a arbitrariedade na aplicação da cláusula que afirma que a tipificação do terrorismo "não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.

À Adital, Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH) disse que a Lei Antiterrorista visa a operar contra manifestações de direitos sociais e representa um retrocesso para o país. Ele destaca que os movimentos sociais, de uma maneira geral, são contrários ao projeto e esperam que a proposta seja rejeitada. "A Lei de Segurança Nacional já caiu em desuso. Não aceitamos que venham impedir a participação social legítima”.

Para Marques, o projeto é desprovido do contexto histórico no Brasil, portanto, é "inócuo, sem propósito”, e poderá ser usado internamente para investigar líderes políticos, não significando uma resposta ao cenário internacional. "Quais são os atos terroristas na história do Brasil? O que os governantes temem são as manifestações”, explica

Para Rildo Marques, coordenador geral do Movimento Nacional dos
Direitos Humanos (MNDH), a Lei Antiterrorista é sem propósito
e desprovida de contexto histórico no Brasil.

O coordenador ressalta que, mesmo com as últimas alterações, o texto continua interpretativo e pode permitir que se reprima qualquer ato contra o governo, enquadrando-o como terrorismo. Ele cita como exemplo de indisposição ao diálogo com o povo as manifestações contra a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 171 (redução da maioridade penal), quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, soube de possíveis protestos e impediu o acesso dos manifestantes àquela que é deveria ser a "Casa do Povo”. Ele aponta como outro exemplo de atuação repressiva a atuação da Polícia Militar (PM), no dia 14 de agosto, em Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais), quando deteve mais de 60 pessoas que protestavam contra o aumento das tarifas de transportes públicos. "A Polícia se vê no direito de reprimir e prender por qual motivo? Ordem pública?”, questiona.

Excetuando o período da ditadura militar, Marques comenta que não faz parte da cultura do Brasil abrigar, apoiar ou participar, de alguma forma, de atos terroristas. "Não podemos dizer que o Brasil é um país pacífico, mas as práticas demonstram que se busca a pacificação de conflitos internacionais, por exemplo”.

Em entrevista à Adital, Natália Damázio, advogada da Justiça Global, diz que a tipificação do terrorismo já produziu efeitos negativos nos movimentos sociais da América Latina. Para ela, a decisão mais "democrática” seria a não tipificação, pois leis de terrorismo são "controversas mundialmente”, sendo um tipo penal arbitrário, com texto aberto, que pode ser mal aplicado na prática.

A advogada destaca que alguns países têm utilizado leis antiterroristas, criminalizando, de forma seletiva, líderes de direitos humanos. Um exemplo seria o caso dos índios Mapuches, no Chile, condenados, em 2003, pelos crimes de "ameaça de incêndio terrorista”, "incêndio terrorista” e "conduta terrorista”, com penas entre cinco e 10 anos de prisão. Os fatos ocorreram em 2001 e 2002, nas regiões de Bío bío e Araucanía, quando protestavam pela devolução de suas terras ancestrais. No ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o governo chileno e ordenou a anulação das condenações por terrorismo.

Natália diz que o projeto de lei no atual momento do Legislativo e do Executivo brasileiro é uma "aposta perigosa” do governo, que tende a violar, em longo prazo, os direitos humanos. "A tipificação não caminha sozinha. Vivemos um momento histórico que aposta em políticas de segurança pública repressivas, como o superencarceramento e a violência policial”. E a Lei Antiterrorista acarretaria riscos de um autoritarismo ainda maior.


De acordo com Natália Damázio, advogada da Justiça Global,
leis de terrorismo são "controversas mundialmente".

Vivian Calderoni, advogada do Programa de Justiça da Conectas, expressa à Adital grave preocupação pela possível criminalização dos movimentos sociais, a partir da aplicação do Projeto de Lei. "Mesmo com a inclusão da salvaguarda sobre os movimentos sociais, a interpretação fica a cargo do juiz, caso a caso”. Ela diz que a Conectas tem acompanhado a forma como o Judiciário vem lidando com os protestos sociais, tendo em vista a análise dos processos das manifestações de 2013 (contra o aumento das tarifas de transportes públicos), nos quais várias pessoas foram enquadradas.

A advogada lembra que o debate sobre terrorismo ganhou força no período da Copa do Mundo de 2014, quando o Brasil se comprometeu com a Federação Internacional de Futebol (Fifa) em combater o terrorismo. O Congresso Nacional iniciou a discussão sobre o assunto, mas não deu seguimento devido à complexidade da matéria. Vivian defende que o Congresso não deve ceder à pressão internacional, tendo em vista a proximidade das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, que pode influenciar as discussões sobre terrorismo.

Em nota pública, divulgada no último dia 03 de agosto, a Rede Justiça Criminal reforça que o Projeto coloca a democracia em risco. Segundo a Rede, coletivo formado por organizações da sociedade civil que lidam com o sistema de justiça criminal, incluir a política e a ideologia como elementos característicos de organização terrorista expõe a população brasileira à censura penal de atos contestatórios. "Está em questão, portanto, a experiência democrática brasileira, e não somente pelo conteúdo do projeto”.



FONTE: Adital

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Zygmunt Bauman: “A educação deve ser pensada durante a vida inteira”




Por Bruno Alfano 

“Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações”, diz Zygmunt Bauman em entrevista ao jornal O Globo. Criador do conceito de modernidade líquida, forjada pelas relações efêmeras do presente, o célebre filósofo fará uma conferência magna no encontro Educação 360, no dia 12 de setembro, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista, ele reflete sobre o aprendizado e os desacertos da sociedade em relação ao ensino. Leia abaixo:
 

Qual a diferença entre educar na era pré-moderna e na modernidade líquida dos dias atuais?
 
Zygmunt Bauman: Muita coisa se transformou no trabalho dos professores. Como o educador E. O. Wilson observou, “estamos nos afogando em informação e, ao mesmo tempo, famintos por sabedoria”. A cada dia, o volume de novas informações excede milhões de vezes a capacidade do cérebro humano de retê-las. A mudança da sociedade moderna de sólida para um estágio líquido coincide, segundo a terminologia de Byung-Chul Han (teórico sul-coreano), com a passagem da “sociedade da disciplina” para a “sociedade de desempenho”. Esta última é, principalmente, a sociedade de desempenho individual e da “cultura de afundar ou nadar sozinho”. Mesmo indivíduos emancipados descobrem que eles mesmos não estão à altura das exigências da vida individualizada.

Então, é preciso mudar esse pensamento individualizado?
 
Zygmunt Bauman: Nosso sistema educacional é um poderoso mecanismo de, cada vez mais, reproduzir os privilégios entre gerações. Nos Estados Unidos, 74% dos estudantes que frequentam as universidades mais competitivas vêm das famílias mais ricas, e 3%, das mais pobres. Além disso, muitas escolas e universidades induzem à fácil ideologia de que empregos bem remunerados são os únicos objetivos da universidade. Esses são apenas uns dos desafios, erros e negligências da educação contemporânea.

E como será no futuro?
 
Zygmunt Bauman: Uma coisa certa é que, num cenário líquido, rápido e de mudanças imprevisíveis, a educação deve ser pensada durante a vida inteira. O resto vai depender de nossas escolhas dentro do que é possível para essa obrigação. E deixa eu enfatizar que esse “nós” que faz as escolhas não é limitado aos profissionais de educação. Para citar Will Stanton (professor australiano), que nos mantém alerta de que há muitos que pretendem ensinar nossos filhos apenas a obedecer: “Devemos aceitar autoridade como verdade em vez da verdade como autoridade”. Ele ainda diz: “O que é a mídia mainstream se não outra plataforma de ‘educação’ defendendo a autoridade como verdade? Nós sentamos em frente ao noticiário noturno e escutamos âncoras e repórteres nos dizendo o que pensar, a quem apontar nossos dedos, porque nosso país precisa ir para a guerra e com o que a gente deve se horrorizar”. Considere ainda o tremendo impacto da indústria da publicidade em nós mesmos ou no que as crianças aprendem ou no que elas foram levadas a esquecer. Por exemplo, crianças não nascem inseguras. A publicidade é que as deixa apavoradas com o que as outras pessoas pensam delas.

O sucesso mundial das redes sociais é um produto da modernidade líquida ou aspecto transformador dela?
 
Zygmunt Bauman: As duas coisas. Nós estamos seduzidos pelos recursos das mídias digitais por causa do nosso medo de sermos abandonados. Mas uma vez imerso na rede de relações on-line, que tem uma falsa ideia de ser facilmente manuseada, nós perdemos ou não adquirimos habilidades sociais que poderiam (e deveriam) nos ajudar a extirpar as causas dos medos que vêm do mundo off-line. Assim, as redes sociais são, simultaneamente, produto da modernidade líquida e a sua válvula de escape.

O senhor afirma que o fato de a educação superior não garantir mais ascensão social é um problema para a educação tal qual conhecemos. Qual a solução para esse problema?
 
Zygmunt Bauman: Ascensão social é uma sinfonia, não um canto gregoriano monofônico. A educação superior é apenas um dos muitos sons que se fundem na melodia, e um dos muito poucos instrumentos que contribuem para sua evolução. Nós configuramos o problema e torcemos por soluções, como o ensino superior, porque alguns desses “nós” que se preocupam, pensam e escrevem sobre o problema têm ensino superior e passaram anos sendo ensinadas que vivemos em uma “sociedade do conhecimento” que continua sendo transformada pelo tipo de conhecimento definido, armazenado e distribuído por universidades. Isso não é necessariamente correto — pelo menos até quando isso permanecer sem ressalvas. O que nós percebemos como ascensão social é um rio cuja trajetória resulta de vários afluentes. Mais e mais pessoas por trás das mudanças sociais que chamamos de “ascensão” desistiram da universidade ou nunca entraram nela.

Em seu novo livro, “A riqueza de poucos beneficia todos nós?”, o senhor reflete sobre as desigualdades sociais. Qual é o papel da educação nesse contexto?

Zygmunt Bauman: O sistema universitário de hoje foi incorporado pela economia de mercado capitalista. Ele serve como um outro mecanismo na reprodução de privilégios e aprofundamento das desigualdades sociais. Como diz Fareed Zakaria (escritor americano), enquanto um rapaz de 18 anos da Califórnia recebia a melhor educação possível nos anos 60 “sem qualquer custo”, no ano passado os alunos precisavam pagar uma taxa de matrícula de US$ 12.972 se tivessem nascido no estado; se não, o valor sobe para US$ 22.878 (sem incluir custo de moradia e alimentação; o valor total do momento da matrícula até o diploma ficaria perto de US$ 50 mil por ano para não residentes). Poucos entre os milhões de pais amorosos e cuidadosos têm possibilidades de garantir um valor dessa magnitude.


http://www.fronteiras.com/entrevistas/zygmunt-bauman-a-educacao-deve-ser-pensada-durante-a-vida-inteira


FONTE: Controvérsia

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Poder Popular e Democracia

O homem tem criado em sua história, diferentes formas de governo, diferentes regimes políticos. Falta inventarmos a verdadeira Democracia. 


Por Aluizio Moreira



É inegável a importância das manifestações ocorridas a partir de 2011, envolvendo várias cidades em vários países em todo mundo, que os meios de comunicação, bem ou mal, não pouparam espaço para noticiá-las. Importância não só pelo número de participantes que foram às ruas, como pela característica e significado daquelas mobilizações.

Não iremos discutir aqui o que já foi objeto de observação e comentários de vários analistas que se debruçaram sobre algumas de suas características: mobilização de massa; ausência de liderança de um partido politico na organização dos movimentos; posicionamento contra as necessidades mais elementares da população como emprego, saúde, educação; duras criticas aos privilégios do capital financeiro e à corrupção; demonstração de descontentamento diante da omissão e inoperância dos representantes políticos nos parlamentos burgueses.

É especificamente sobre este último ponto que gostaríamos de apresentar algumas observações, a fim de retomarmos um debate que não é novo, mas que as manifestações populares desses últimos anos, recolocam na ordem do dia: a questão do poder popular e da democracia representativa (1). 

Ora, se existe a concordância de que as referidas mobilizações, entre outras coisas, significam a existência de um abismo entre os cidadãos e seus representantes nos parlamentos, indicam um antagonismo entre a democracia praticada pela sociedade politica e a reivindicada pela sociedade civil, como esse impasse poderá ser resolvido? Aprimorando a democracia existente ou mudando a estrutura do poder?
   
Após o fim da Segunda Guerra Mundial com a derrota do nazi-fascismo e paralelamente à expansão de sociedades comunistas na Europa do Leste e Ásia, a democracia ocidental, como contraponto, passou a ser o modelo “inquestionável”, “indiscutível”, de forma de governo, como única condição para a realização da cidadania em toda sua dimensão. 

A democracia representativa, sobretudo a partir da década de 80 do século passado -- com o agravamento das crises verificadas nas sociedades do socialismo real iniciadas com as denúncias dos crimes de Stalin em 1956, a chamada Revolução da Hungria” no mesmo ano, a “Primavera de Praga” em 1968 -- passa a ter uma grande aceitação no mundo ocidental. 

Tão grande é a aceitação da "democracia pluripartidária" ou da chamada "democracia participativa", que a esquerda e até mesmo partidos comunistas abandonam seus programas revolucionários de construção de sociedades socialistas, tornam-se democrático-parlamentares, passando a disputar uma vaga nos parlamentos burgueses, colaborando com a elite politica para fazer “avançar” a democracia representativa. 

Esquecem a esquerda e certos partidos comunistas “entusiasmados” e “esperançosos” com o poder burguês, que a classe dominante pode até fazer concessões às “vozes vindas das ruas”, mas há um limite possível para as mudanças econômica, social e politica por via parlamentar. Ou seja, não haveria como se aprofundar as conquistas do povo, nem tampouco estabelecer novas regras de coexistência entre as classes com interesses “diametralmente opostos”,  sem destruir o sistema democrático representativo.  Não vemos outro caminho.

Como tentativa de minimizar as contradições e antagonismos entre essa democracia e a sociedade civil, os governos procuram ampliar o nível de participação dos cidadãos em determinadas ações de caráter público. E como dispositivo complementar, institui-se a forma participativa que se exerceria através do plebiscito, do referendo e por iniciativa popular (2).

Até que ponto esse poder de deliberação por esses meios, realmente nos conduziria a uma ruptura com o sistema de dominação do poder politico e do facciosismo do Estado próprios da democracia representativa?

Ao ponto que chegamos e em termos de expectativas não resolvidas pela democracia ocidental, não se trata apenas de podermos continuar usando o voto para elegermos “nossos representantes” no parlamento,  sob a orientação politico-ideológica de um ou outro partido politico, porta voz de interesses de setores da classe dominante. Na verdade recebemos como indicativo do poder do povo, além do voto que só elege,  a “garantia constitucional” de sermos convocados para um plebiscito ou referendo sobre ações politicas do Governo. Grande engodo!

Daí acharmos que é fundamental a criação de mecanismos a serem exercidos pela sociedade civil  sobre a administração pública, se alicerçando no principio de que a legitimidade das ações politicas respalda-se na deliberação dos cidadãos livres e iguais, sem intermediações, sem representações exercidas por  verdadeiros profissionais da politica. 

A democracia no sentido mais radical do termo não se exerce por delegação. Para o seu exercício, os cidadãos devem constituir-se em suas próprias organizações, seja em comunidades, associações ou conselhos, aos níveis municipal, estadual e federativo, que funcionarão como órgãos de administração pública, de deliberação, fiscalização e controle. Organizações que, sem sombra de dúvidas, comporiam uma outra forma de governo, um outro tipo de regime político. 

O homem tem criado em sua história, diferentes formas de governo, diferentes regimes políticos. Falta inventarmos a verdadeira Democracia. 

______
Notas:

(1) Sob essa forma, o povo expressaria sua vontade através de eleições de representantes que tomariam decisões em nome daqueles que os elegeram. 
(2) Alias a Constituição Brasileira no seu Art. 14 prevê que a “soberania popular” se exercerá através do plebiscito, referendo e iniciativa popular.

domingo, 6 de setembro de 2015

7 de setembro: falta independência, ainda, para muita gente


Para o povo excluído não basta a aparência formal de um Estado de Direito e de uma democracia ainda notoriamente oligárquica

  
Por Jacques Távora Alfonsin


Dia 7 de setembro vão desfilar de novo, festivamente, pelas principais ruas e avenidas do país, esquadrões de soldados das forças armadas,  tanques, carros de combate, canhões e cavalos. Exibe-se um tipo de armamento vencido no tempo e feito obsoleto para qualquer guerra, ficando a cargo das bandeiras coloridas a missão de provocar, assim mesmo, um bem discutível orgulho cívico, fundado apenas na força das armas. 

Um outro  tipo de marcha bem menos vistosa e com muito menos gente também sai neste dia. Reúne um povo que testemunha onde a independência ainda não chegou e para a qual todo aquele aparato bélico do outro desfile não tem nenhuma serventia.  É o chamado “grito dos excluídos”, este ano exibindo como tema, de modo extremamente oportuno para o momento “A vida em primeiro lugar.” Um cartaz com a foto do Papa Francisco, publica uma das suas frases, repetidas em sucessivos encontros com os movimentos populares: “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês em terra, nem trabalhador sem direitos.”

Para o povo excluído não basta a aparência formal de um Estado de Direito e de uma democracia, ainda notoriamente oligárquica, na qual o poder econômico ainda “fala do trono”, como Dom Pedro I fez na abertura da assembleia constituinte de 1824, e mostra todos os dias porque, onde, como, quando e quanto manda. Isso é uma farsa de independência.

Dois exemplos recentes dão prova desse fato. O primeiro demonstrativo de que a soberania do país sobre o seu território, em nossa faixa de fronteira, se dobra diante do interesse econômico latifundiário. O projeto de lei ado é o substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei 2742/03, de autoria do deputado Luis Carlos Heinze, do PP - o mesmo que em fevereiro deste ano disse que quilombolas, índios e homossexuais são "tudo o que não presta" - garante prorrogação de concessões de terra de fronteira, feitas ilegal e inconstitucionalmente no passado, a quem as possui atualmente.

Pois é essa mesma multidão que “não presta”, a excluída, em defesa de quem caminha todos os anos, paralelamente ao desfile militar, representada pelo “grito”, agora já em sua 21ª realização, denunciando as causas e os efeitos de a nossa independência ainda se encontrar política, econômica e socialmente ausente nas suas vidas, inclusive por projetos de lei dessa espécie.   

O deputado expressou tudo quanto a Constituição Federal determina em sentido contrário, pretendendo garantir, às duras penas, como condição de vida, dignidade humana e cidadania para todas/os e não só para as elites, entre elas, a das/os latifundiárias/os que ele defende com tanto empenho.

Se o seu projeto prorroga a usurpação da nossa faixa de fronteira, (mesmo sabendo-se quanta terra grilada ainda existe por ali) uma outra iniciativa da bancada do boi, integrada pelo mesmo parlamentar, conseguiu restabelecer, de fato, a submissão da sociedade e do Estado a quem explora trabalho escravo, coisa legalmente proibida no país desde 1888...

Como nesse espaço já se comentou anteriormente, o Incra baixara uma Instrução normativa 83/2015, para detectar onde está sendo explorado o trabalho escravo em propriedades rurais. Além de crime, de acordo com o artigo 149 do Código Penal, a comprovação dessa ignomínia serve também para atestar o descumprimento, por parte do proprietário e do imóvel onde ela é flagrada, da função social inerente a todo o direito de propriedade.

Isso está expresso no artigo 186, inciso III da Constituição Federal. Lá está dito que “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: III: observância das disposições que regulam as relações de trabalho”.

Embora seja impensável que a escravidão possa ser incluída em “disposições que regulam as relações de trabalho” e o INCRA, mais não tenha feito do que obedecer ao disposto na Constituição Federal, baixando a tal  Instrução 83, a Advocacia Geral da União, a pedido do Ministro Mercadante - nisso atendendo reivindicação da bancada do boi -  acaba de cassar - outra não pode ser a palavra - qualquer efeito à mesma.  

Entre os muitos golpes (palavra muito na moda no Brasil de hoje) sofridos pela reforma agrária, esse é um dos mais perniciosos. De qual democracia e de qual Estado democrático de direito foi procurar legitimação esse ato da Advocacia Geral da União (escravidão para ser punida não precisaria nem de lei) não se sabe, mas ele confere certidão mais do que lamentável à uma crítica do nosso Direito Constitucional feita por Paulo Bonavides, demonstrativa  da incapacidade política do Poder Público, quando em causa direitos capazes de afetar interesses das elites. Ela é manifestamente despida de qualquer eficácia quando a letra da Constituição pretenda ser respeitada por quem continua fora das garantias generosas por ela previstas em favor daquela fração de povo como a representada no “grito dos excluídos”:

“O direito procura fórmulas transformadoras com que alterar o status quo que fossiliza o País no imobilismo das correntes conservadoras, no estatuto político das oligarquias, no privilégio das camadas dominantes. Estas sempre refratárias ao progresso e à mudança sempre fizeram da constituição o ornamento do poder, a vaidade institucional, o texto luxuosamente encadernado e esquecido nas estantes da oligarquia, a lei com a qual nunca os chefes presidenciais efetivamente governaram o País nem a sociedade conscientemente conviveu.”

Desta vez, pelo menos a ABRA e outras organizações favoráveis à reforma agrária, não querem se deixar atropelar pelas inconstitucionalidades presentes, tanto no projeto de lei 2742/2003,   quanto na revogação dos efeitos da Instrução Normativa Incra 83/2015.

A Acesso Cidadania e Direitos Humanos, com sede no Rio Grande do Sul, vai requerer à Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, na semana que vem, algumas providências legais que entende cabíveis serem tomadas pelo Ministério Público, contrárias tanto ao tal projeto quanto à sustentação jurídica daquela Instrução.  

Vai argumentar tanto em favor do reconhecimento das inconstitucionalidades lá presentes, quanto ter ouvido o grito dos excluídos, juntando-se ao empoderamento ético-político-jurídico de outras organizações populares de defesa dos direitos humanos, advogadas/os populares, ONGs, sindicatos, pastorais, que estiverem inconformadas/os com as violações de direito presentes naquelas duas iniciativas da bancada do boi. Desde já, qualquer delas pode aderir a um tal propósito, assim se manifestando no site pela Acesso mantido no Facebook.  

Voltaire tinha razão. Vencido tanto tempo desde o que ele disse, constrange dizer quanto continua atual a sua advertência: “Não é admissível que uns tenham nascido de sela às costas e outros de esporas aos pés.”


FONTE: Carta Maior

Nota do Blog:

Pesquisas feitas por diversos historiadores, constatam que só em 1831 é que 7 de setembro de 1822 foi reconhecida como dia da Independência do Brasil. Antes deste reconhecimento, era o dia 12 de outubro, aniversário de D. Pedro I, a data mais comemorada no Brasil. E durante muios anos, embora se reconhecesse a importância do 7 de setembro, o dia do aniversário do Imperador, ofuscava o 7 de Setembro. Com a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831, deixou-se, obviamente, de se  comemorar o 12 de outubro, passando o dia 7 de setembro a fazer parte oficial do calendário festivo da nossa Independência. (Aluizio Franco Moreira).


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Prisões Privatizadas: radiografia de projeto absurdo


Presídio privatizado de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana
de Belo  Horizonte

Elas são mais cruéis para os detentos e muito mais caras para a
sociedade. Também alimentam paradigma bizarro: para existirem,
dependem de mais presos, e portanto  mais crimes. . . 



Pelo Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH)


Em junho desse ano, o Ministério da Justiça divulgou o número de mais de 600 mil pessoas cumprindo pena de privação de liberdade (a quarta maior população carcerária do mundo), cerca de 80% a mais do que em 2004. O Brasil segue na contramão da tendência mundial ao aumentar sua taxa de encarceramento (33% entre 2008 e 2013), o que demonstra o recrudescimento do sistema penal brasileiro e a opção política pelo encarceramento. Frisa-se, ainda, que 41% dessa população carcerária é provisória (Infopen, 2015), ou seja, ainda não foi julgada, de modo que 60% destas pessoas estão presas esperando julgamento há mais de 90 dias. Além disso, recorrente no Brasil é encontrar presos cuja pena já foi cumprida, mas foram esquecidos pela justiça nos presídios. Segundo números do Conselho Nacional de Justiça, em 2010 esse número chegava a cerca de 20 mil pessoas.

Entre os encarcerados, 67% são negros, 56% são jovens e 53% não concluíram o ensino fundamental (Infopen, 2015). Não obstante, a gritante seletividade do sistema penal faz com que apenas 3 (três) delitos sejam responsáveis pelo encarceramento de 59% da população prisional: tráfico (27%), roubo (21%) e furto (11%) (Infopen, 2015). O “público” do sistema penal é bastante seleto: jovens, negros, empobrecidos, que não tiveram acesso a benefícios sociais, que têm seus direitos constantemente violados e que cometem crimes patrimoniais, em geral de pouca periculosidade. Outra possibilidade é que tenham sido acusados por tráfico a partir da Lei de Drogas, o que gera dúvidas devido à exploração parcial da ambiguidade do tratamento para traficantes e usuários da lei por parte dos agentes da segurança pública.




O sistema penitenciário brasileiro encontra-se estarrecedoramente saturado: são 200 mil pessoas privadas de sua liberdade a mais do que a estrutura pode suportar. Não à toa, a superlotação, as condições insalubres, os abusos físicos, morais, psicológicos, sexuais e a tortura, a inadequada assistência material, a insuficiente assistência educacional, jurídica, médica e profissional marcam a realidade dos nossos presídios. Ao invés de prender a cada dia mais, desrespeitando as condições estabelecidas na Lei de Execução Penal (7.210/84) e na Constituição Federal, o Estado deveria, em caráter de urgência, solucionar as mazelas dos presídios brasileiros. Contudo, dia a dia a aposta no encarceramento em massa é renovada, embora se mostre inalcançável a proposta de ressocialização daqueles que estão no sistema.

Nesse cenário de aviltamento de direitos humanos, desde a década de 1990, a privatização da execução penal tem sido propagada como “solução necessária”, objetivando cortar gastos públicos e garantir a “eficiência” do serviço prestado. Apesar da discutível legalidade do procedimento, a Penitenciária Industrial de Guarapuava (Paraná) implementou a proposta em 1999. Entretanto, o Projeto de Lei (PL) 3123/2012, proposto na Câmara dos Deputados, visando privatizar o sistema penitenciário nacional sob a forma de cogestão público-privada, foi vetado por falta de respaldo jurídico nas normativas vigentes. No mesmo sentido, em 2002, o Conselho de Política Criminal e Penitenciária, através da sua oitava resolução, deu parecer negativo à privatização da administração, segurança, gestão das unidades, disciplina e avaliação dos presos, parecer este que, na prática, foi ignorado.

Atualmente a privatização dos presídios é uma realidade, seja através de cogestão ou de PPP (Parceria Público Privada). Há hoje 30 unidades penitenciárias nesses modelos no Brasil, segundo a Pastoral Carcerária Nacional. No primeiro modelo, determinados serviços (especialmente a assistência material, médica, profissional e manutenção) são passados para a inciativa privada, enquanto a direção, a segurança externa e a guarda permanecem públicos. Já no segundo, o projeto, a construção, a operacionalização e a manutenção são privadas, o que demanda contratos entre o Estado e a iniciativa privada com prazos entre duas e três décadas, como é o caso do Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves (Belo Horizonte, MG).

Os presídios privatizados funcionam com uma série de restrições que nos impedem de compará-los mecanicamente aos públicos: essas prisões só recebem presos com bom comportamento e, caso o preso não se adeque, poderá ser devolvido para o presídio público. Não obstante, esses presídios preveem a responsabilidade do Estado prover a lotação mínima de 90% da capacidade durante todos os anos da licença para que haja retorno para a empresa. Nesse sentido, são questionáveis os objetivos da empresa privada que, apesar de apregoar a sua eficiência para ressocializar, deixa nas mãos dos presídios públicos, tão sucateados, logo os presos que mais necessitariam dessa dita eficiente assistência. Além disso, ao invés de buscar o desencarceramento, o Estado se compromete em manter em funcionamento uma máquina que só sobrevive se estiver lotada (de seres humanos, pretos e pobres). A obrigação de prover lotação mínima é verdadeira medida de política criminal pautada meramente no lucro das empresas que administram presídios. É inadmissível que no discurso do Estado Democrático de Direito caiba um compromisso tão violador das garantias e liberdades fundamentais.

Ponto “positivo” apontado na defesa da privatização é a profissionalização do preso, um dos fins da pena conforme o art. 34 da Lei de Execuções Penais (LEP), seja mediante trabalho consentido nos setores do presídio, como limpeza e alimentação, seja através de emprego em empresas que oferecem a assistência trabalhista. Esses presos, como previsto no art. 29 da LEP, podem receber 3/4 do salário mínimo, sendo 25% destes repassado a um Fundo que teoricamente investe em melhorias nas condições dos presídios. Porém, esses trabalhadores não têm assegurados seus direitos trabalhistas (já que seus contratos de trabalho não são regidos pela CLT) como décimo terceiro salário e férias, apesar de trabalharem de seis a oito horas diárias como qualquer trabalhador. Assim, quando os presos trabalham para o presídio, a empresa lucra diretamente com a exploração, pois o trabalho tem custo mais baixo do que aquele fruto de contratações regulares segundo a CLT. Por outro lado, quando os encarcerados trabalham para empresas que estão fora do sistema penitenciário, estas não lucram diretamente com a mão de obra barata, mas indiretamente: ao mesmo tempo que os presos produzem majoritariamente equipamentos de segurança, como coletes e botas, eles são os “consumidores”, pois estes equipamentos serão utilizados para manter materialmente o sistema prisional, como ocorre com a empresa GPA.

Apesar da promessa de eficiência do serviço oferecido, observando o relatório de 2014 da Pastoral Carcerária Nacional, alguns problemas se evidenciam, como por exemplo a insuficiência de funcionários (verificável no Complexo Penal de Pedrinhas) e a alta rotatividade dos mesmos, o que coloca os presos em situação de instabilidade e afeta a formação desses profissionais (os funcionários dos presídios públicos recebem cerca de 400 horas de treinamento, enquanto os dos privados somente 100). É de ressaltar ainda que os funcionários das empresas de administração privada recebem menos do que os servidores dos presídios públicos e não contam com a estabilidade característica do regime estatutário.

Também observa-se que o contato entre os presos e os funcionários é limitado, o uso de algemas exacerbado, a disciplina rígida, o que, somando-se à rotatividade, só dificulta essa relação – de controle – já naturalmente tensa. Não obstante, nos presídios administrados pela iniciativa privada, segundo medida de segurança interna, os presos não possuíam acesso a caneta, jornal e papel, bem como a programação da televisão se restringia a desenhos animados e filmes previamente selecionados, o que infringe o inciso XV do art. 41 da LEP. Também se destaca a falta de conhecimento dos presos sobre os motivos que os fizeram ser transferidos para a unidade privada e a distância desta ao seu local de origem, o que dificulta a convivência familiar e comunitária.

No âmbito legal, ainda, como se constata no contrato com a empresa que administra o presídio de Ribeirão das Neves (a Gestores Prisionais Associados), as empresas privadas também constituirão advogados para a assistência jurídica dos presos, infringindo a seção IV da LEP, que prevê como função do Estado prover assistência jurídica gratuita através da Defensoria Pública em todas as unidades penais. A falta de suporte e de dotação orçamentária para as Defensorias Públicas do país são problemas históricos que se agravam com a aposta na administração privada. Essa situação se explicita, por exemplo, na atual condenação do governo de Minas Gerais pela Justiça do Trabalho, tendo em vista a terceirização de tarefas que se englobam nas atividades fim do Estado, como a custódia, a guarda, a assistência jurídica e o poder de polícia no Presídio Público Privado de Ribeirão das Neves. São múltiplas as afrontas à Lei 11.078/04!

Apesar das privatizações permanecerem em voga, como em Pernambuco, São Paulo e em Minas Gerais, é importante observar a iniciativa dos governos paranaense e do cearense que em 2006 e 2005, respectivamente, reestatizaram presídios. No Ceará, foi movida ação visando o cancelamento da terceirização, que questionava desde a falta de licitação para contratar a empresa que administrava três presídios no Estado, até o gasto de 1,4 milhões para manter 1.500 presos em presídios privados, enquanto os públicos recebiam somente 1,6 milhões para manter 7.800 presos. Já no Paraná, as justificativas se deram pela incompatibilidade do custo e da qualidade do serviço, além da instabilidade da segurança oferecida (haja vista episódios de fuga).

É também com base na perspectiva crítica que deve ser compreendida a PEC171/93, que propõe a redução da maioridade penal, pois é de intrínseco interesse da iniciativa privada interessada em investir no setor que mais pessoas sejam presas. Se aprovada, a população carcerária, atualmente insustentável, irá crescer ainda mais, causando o completo colapso do sistema público de encarceramento. Hoje, a proposta de privatizar os presídios, um modelo supostamente mais “eficiente”, que se alardeia desonerar os cofres públicos, e que, ainda por cima, teria condições de assegurar as condições mínimas de garantia de direitos aos presos (com base nos modelos artificiais existentes), passará a se tornar “necessária”, influenciando cada vez mais as políticas de segurança pública através de um lobby encarcerador empresarial, o que se revela, por exemplo, na notícia divulgada pela SEAP de que houve a nomeação, no dia de hoje (31/07), de uma comissão para construção de presidios privados no Rio de Janeiro.

O Estado produz diretamente (por meio da criminalização) e indiretamente (pelo abandono da população) sua própria população carcerária e a solução para a política criminal não é o questionamento do sistema irracional de punição, mas a privatização do sistema. Afinal, sob a retórica da eficiência, a privatização gera lucro em cima da própria criminalização. Logo, a privatização dos presídios não é solução para a situação do sistema penitenciário brasileiro, pois o fim de seus problemas passa pela decisão radical de não ampliá-lo. Para garantir segurança pública é preciso criar uma cultura de direitos. Antes de cercear a liberdade, o Estado precisa respeitar seus próprios cidadãos. Por uma outra política de segurança pública, o DDH é contra a privatização de presídios no Brasil.


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