Por José Matrins
Na
contramão do mundo capitalista e dos empresários endinheirados, os
brasileiros que são obrigados a vender sua força de trabalho a estes patrões
para viver terminaram a década 2011 a 2020 mais pobres. Muito mais pobres.
É
o que se pode concluir de início com quase ilegíveis números e percentagens
apresentadas em estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getúlio Vargas (Ibre/FGV) com base em números do Fundo Monetário Internacional
(FMI).
Nesta
última década, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil recuou
0,2% ao ano, em média. Isso é muita coisa em um período tão longo.
Nesse
mesmo período, o mesmo PIB mundial per capita teve crescimento anual de
0,4%, enquanto o das economias dominadas da periferia do sistema
avançou 2,5%. O PIB per capita brasileiro já está abaixo do chinês.
O
PIB per capital é a soma de tudo o que país produz dividido pela população
e funciona como um importante termômetro para avaliar a vitalidade
econômica de uma nação. O nível da produtividade ou da pobreza de uma
nação.
O
fracasso em números
O
PIB per capita sobe quando produtividade do trabalho e atividade econômica
avançam em ritmo mais rápido do que o crescimento populacional. No
Brasil aconteceu exatamente o contrário. E isso não acontece impunemente
para os trabalhadores.
Em
2010, os brasileiros em geral tinham uma renda anual média de US$ 14.931,10.
Em 2020, ela caiu para US$ 13.777,44. Variação de 8% para baixo. Já está mais
baixo que o chinês. Logo estará mais baixo até que o indiano.
Esse
valor é uma média nacional. Em seu cálculo é considerada toda a população
brasileira. Portanto, estão contabilizados, além da população trabalhadora,
aproximadamente 15% da população composta de empresários endinheirados
e demais classes improdutivas do país. Essa parte altamente minoritária
da população brasileira é a corporificação do capital no Brasil.
A
burguesia brasileira (proprietária dos meios de produção da economia)
soma aproximadamente 30 milhões de cidadãos – parte mínima de uma população
de 210 milhões.
Assim,
no cálculo do PIB per capita faz-se uma mistura estatística de capitalistas
e trabalhadores assalariados. De improdutivos e produtivos.
Afinal, na democracia os cidadãos não têm o mesmo peso? Cada cidadão um
voto?
O
fato importante a ser destacado nesta mistificação do processo é que
para os 85% de estropiados trabalhadores produtivos do exército industrial
de reserva no Brasil, a queda de seu miserável rendimento anual médio foi
muito mais catastrófica que aquela média nacional de 8%.
O
desastre produtivo da queda do PIB per capita no Brasil nos últimos dez
anos pode ser mais bem visualizado com dados que pesquisamos no IBGE
sobre a evolução dos investimentos e da produção per capita nos setores
produtivos da economia.
Observa-se,
inicialmente, uma queda anual média de 0,3% da Formação Bruta de Capital
Fixo – quer dizer, do investimento agregado da economia em máquinas, equipamentos
e estruturas. As forças produtivas do trabalho concreto se enfraqueceram.
Essa
queda mostra como os empresários e demais classes parasitas – que monopolizam
a propriedade da totalidade dos meios de produção social da nação – reduzem
significativamente, nos últimos dez anos, os meios de trabalho necessários
à expansão da produção de utilidades e da produtividade da classe trabalhadora.
Na
Indústria de Transformação, núcleo regulador da produção nacional, a
queda de 0,9 % ao ano foi ainda muito mais profunda que a da Formação Bruta
de Capital Fixo.
E,
nos ramos industriais da Construção Civil a queda de 2,7% ao ano foi ainda
maior que na indústria como um todo. Isso é muito mais catastrófico, pois
os diversos ramos da Construção Civil concentram e ao mesmo tempo espalham
para todas as cidades e regiões do país as grandes massas de trabalhadores
produtivos da economia.
Debates
fraudulentos
Portanto,
o que querem dizer todos esses números? Todas estas abstrações matemáticas
aparentemente neutras de um processo social? Para os economistas e
mídia do capital esta derrocada produtiva não passa de um acidente provocado
por sucessivos governos incapazes de sanear as contas públicas e promover
a estabilidade macroeconômica.
“Os
culpados são os políticos”. Para eles, a incapacidade dos governos em
promover as “reformas necessárias” e eliminar a permanente “instabilidade
das contas públicas” é o fato que impediu a retomada dos investimentos
na economia, do crescimento e, consequentemente, é a culpada pela derrocada
econômica dos últimos dez anos.
Se
o problema se resume à má gestão dos governos, isso é muito conveniente
para eles esconder sem remorso a responsabilidade dos empresários privados
e demais classes proprietárias de capital. Estas não aparecem em nenhum
momento das suas avaliações sobre a “década perdida”. A não ser como vítimas.
Para
os economistas que avaliam os dados da FGV, os virtuosos e desprotegidos
capitalistas são vítimas dos maus governos. Isso acontece porque eles
estão sempre aguardando a prometida estabilidade das contas públicas
para voltarem a investir na produção e, em um ato de extrema magnanimidade
e bondade, gerar renda e emprego para a sociedade necessitada dos seus
serviços.
Mesmo
que estes sucessivos governos não sejam nada mais, no mundo real, do que serviçais
burocratas das classes dominantes, governos que são instalados por estas
últimas para administrar seus interesses econômicos.
Ao
contrário da narrativa dos economistas do capital, todos os governos
(sem exceção até para confirmar a regra) são simplesmente comitês políticos
armados do Estado de defesa da propriedade capitalista e de administração
da luta de classes decorrente deste processo histórico.
Uma
burguesia inútil
Entretanto,
a despeito da leviandade dos economistas do sistema e outros ideólogos
das classes dominantes, a derrocada econômica brasileira dos últimos
dez anos não foi apenas mais uma “década perdida”.
Ela
teve enormes consequências sociais e políticas. Em primeiro lugar, na
origem desta década a classe empresarial e demais classes proprietárias
são responsáveis pelo desligamento da economia nacional do resto do
mundo.
Não
como empresários nacionalistas ou protecionistas, mas como incompetentes
liberais. Fanáticos e incompetentes liberais. Não foram capazes de realizar
seu projeto de liberalização e integração da produção às cadeias globais
produtivas de valor.
A
indústria brasileira meia-boca é totalmente incapaz de produzir e exportar
competitivamente sua produção. Nem como maquiladoras.
Mesmo em grandes zonas especiais de indústrias montadoras (maquiladoras),
como a Zona Franca de Manaus, todas as mercadorias ali montadas são destinadas
ao mercado interno.
Na
China e no México, por exemplo – do mesmo modo que nas demais economias dominadas
da periferia plenamente integradas às cadeias produtivas globais de
valor – todas as mercadorias montadas nas zonas especiais são imediatamente
exportadas para as economias centrais.
Os
capitalistas chineses e mexicanos são mais espertos que os brasileiros.
Os dois únicos setores produtores de capital da economia brasileira que
ainda se relacionam ativamente com o mercado mundial são dois enclaves
primário- exportadores: a agropecuária e a indústria mineradora.
O
setor agropecuário (ou agronegócio), que produz a merreca de 6% do PIB apresentou
crescimento médio anual de 2,7% ao ano. As mineradoras (Vale do Rio Doce
etc.) alcançaram 1,2% ao ano.
São
os dois únicos setores industriais que cresceram nos últimos dez anos. Só
aqui os empresários brasileiros foram “eficientes e inovadores”. Mas
sem nenhuma consequência positiva para a expansão da totalidade da economia.
O
problema é que, além do agronegócio e as mineradoras produzirem uma parcela
muito pequena do PIB, também não proporcionam, enquanto enclaves primário-exportadores,
nenhum “efeito multiplicador da renda” na produção interna. Ou seja, são
estéreis para gerar desenvolvimento econômico.
É
por isso que, enquanto a economia nacional afunda estes dois enclaves
crescem. E os ideólogos do parasitismo capitalista nacional festejam
esse fenômeno patológico do crescimento econômico na periferia.
O
fato é que o desligamento dos setores industriais mais dinâmicos da economia
nacional da globalização do capital – integrados às cadeias produtivas
globais de valor apenas para a livre importação de máquinas, insumos e componentes
do processo de produção – foi um fracasso histórico em que os empresários
privados nacionais foram os principais responsáveis.
Nem
para reproduzir o subdesenvolvimento econômico os empresários brasileiros
servem mais. Tornaram-se apenas agentes irresponsáveis (e conscientes,
como veremos a seguir) de uma criminosa arquitetura da destruição. O governo
atual Boçalnaro/Guedes é a expressão política mais bem acabada deste genocídio
de classe.
Não
há futuro possível
O
fracasso dos empresários e demais classes improdutivas que dirigiram
a economia para o travamento e à queda observada nos últimos dez anos provocou
um brutal desemprego, queda dos rendimentos e, finalmente, uma explosão
de pauperização e miséria jamais observada na história econômica brasileira.
Ao
contrário do que os economistas do capital procuram esconder, aqueles números
acima observados não são neutros e muito menos desprovidos de efeitos devastadores
sobre a reprodução física da população brasileira.
E
não se trata de um mero desiquilíbrio de rendimentos entre ricos e pobres,
uma mera desigualdade. Uma injustiça na “distribuição da renda” que pode
ser resolvida com políticas públicas, governos populistas e outros
amigos do povo.
Quando
o sistema econômico não se move, afunda continuamente – como temos observado
nestes últimos dez anos – desaparece também a função básica de qualquer
modo de produção: garantir a reprodução física da população.
A
incapacidade econômica dos empresários de garantir a reprodução física
dos trabalhadores desprovidos de qualquer reserva ou propriedade –
junto com a sua insistência em manter indefinidamente essa engenharia
da destruição como política de governo – transforma-se em um inaceitável
genocídio econômico.
Em
nosso próximo boletim continuaremos com a análise deste processo. Como
este genocídio econômico perpetrado pelos empresários brasileiros se
reproduz agora como genocídio pandêmico e fatal ingovernabilidade política.
José
Martins é economista e editor do Crítica da Economia, de onde este artigo foi retirado.
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