quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Tempos idos e vividos V


Por Aluizio Moreira


Em 1964 tinha me decidido por prestar exames para seleção do vestibular. Naquela época os vestibulares aconteciam em meses diferentes em cada Universidade. Em dezembro já tinha acontecido o vestibular para as Federais. No inicio do ano era a vez da Unicap. Confesso que por ocasião de inscrever-me não tinha ainda me decidido pelo curso que deveria fazer. Fui à Unicap verificar os cursos existentes e me detive num Curso que estava sendo oferecido pela primeira vez na Universidade, exatamente naquele ano. Assim inscrevi-me na seleção para o curso de Bacharelado em Jornalismo. 

Motivou-me o fato de ter certa facilidade de escrever (já poetava!).  Outra motivação:  gostar de literatura. Tinha lido “Historia da Literatura Ocidental”, de Otto Maria Carpeaux, base para minhas incursões pela literatura a partir dos gregos até os primeiros contatos com a literatura do século XIX, à época da 2ª Guerra Mundial e do pós-guerra, entre eles Emile Zola, Victor Hugo, Máximo Gorki, Fiódor Dostoievski, Andre Malraux, Upton Sinclair, Bertolt Brecht, Thomas Mann, Jean-Paul Sartre. É evidente que o fato de ter facilidade de escrever e gostar de literatura, não fazem um bom jornalista, como não fazem um bom professor. Mas pelo menos me ajudou a enfrentar uma redação na prova de português, com um tema que até hoje me recordo: “É melhor acender uma vela, do que gritar contra a escuridão”.

Dois meses depois de meu ingresso na Unicap, estoura o golpe militar de 1964.

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No ano que entrei na Unicap tive pela primeira vez contatos não muito simpáticos com o pessoal da Delegacia de Ordem Politica e Social - DOPS. O primeiro fato que me levou ás suas dependências na Rua da Aurora, foi meu nome encontrado numa lista dos arquivos da União Cultural Brasil-URSS. Associei-me à entidade em fins de 1963 porque antes de tentar o vestibular, soube que através dessa sociedade, estudantes brasileiros poderiam como bolsistas, estudar em Moscou, na Universidade de Amizade dos Povos Patrice Lumumba (1), instituição que abria as portas para estudantes estrangeiros do chamado Terceiro Mundo.

Cheguei a inscrever-me para o Curso de História, enviei os documentos exigidos, e enquanto esperava pelo resultado, comecei a frequentar, naquela associação, o Curso de Língua Russa. A resposta de Moscou demorou a chegar, mas quando chegou um mês após o golpe, veio em espanhol explicando que “debido a los recientes acontecimientos en Brasil no sería posible”. Evidentemente os militares não tinham ainda instituído a censura às correspondências, daí porque no DOPS, nada foi tratado sobre minha correspondência com a Patrice Lumumba.

Fui prestar esclarecimentos sobre outros porquês: por que me associara àquela entidade, por que cursava a língua russa?. . . E uma insistente indagação: se eu sabia do “ouro” que vinha de Moscou através daquela sociedade, para financiar uma revolução comunista. Passei três dias sem sair do DOPS.

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A segunda vez que amavelmente me convidaram para ir ao DOPS, foi para prestar alguns esclarecimentos sobre o “Clube Literário Monteiro Lobato” ao qual também me associara, mas por outros motivos. O Clube era formado por um grupo de estudantes secundaristas, que quinzenalmente nos reuníamos para discutir vários temas, desde obras literárias, às voltadas para os estudos filosóficos, passando por obras de historia, politica e sociologia. Cada quinzena, após discutirmos uma obra, votávamos qual seria o tema seguinte e qual seria o autor a ser debatido. 

Lembro-me que antes de fecharem o Clube em 1964, tínhamos definido para o que seria a próxima reunião: o livro de Caio Prado Jr. “Introdução à lógica dialética (Notas Introdutórias)”(2). Mais uma vez nossos policiais queriam saber do “ouro de Moscou” que o Clube repassaria para custear a revolução comunista no Brasil. Enquanto para Marx “O espectro do comunismo  rondava a Europa”, no Brasil o espectro do comunismo atormentava cabeça das autoridades, tornando-se uma verdadeira paranoia. Mais dois dias hospedado do DOPS.

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Estas duas “detenções para averiguações” foram suficientes para que meu pai, preocupado com a minha segurança, juntasse a maioria dos meus livros e revistas, e enterrasse-os no quintal de nossa casa sem nenhum plástico que os protegesse da umidade. Nesse bolo todo, não escapou nem mesmo alguns contos e algumas poesias que tinha elaborado para a posteridade. Alegou que tinha mandado esconder os livros na casa de meus tios em Camaragibe para dificultar minha descoberta. Só três meses depois é que minha mãe segredara o que havia acontecido, mas já era tarde para recuperá-los.

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Desde a época de secundarista que me vinculara ao PCB e como tal comecei a atuar na UNICAP junto ao movimento estudantil. 

Por volta de 1965/66, os estudantes de esquerda começamos a nos organizar a fim de assumir a direção dos órgãos estudantis que se encontravam nas mãos de uma maioria de direita. Fazia parte de nossos planos, disputarmos as eleições gestão 67/68 para os Diretórios Acadêmicos (de Filosofia, Economia e Direito) bem como o Diretório Central dos Estudantes (DCE). O mais complicado era o D.A. de Filosofia, pois este Centro congregava os cursos de História, Geografia, Jornalismo, Ciências Sociais, Psicologia, Pedagogia, Letras, Serviço Social. 

A forma encontrada para conseguirmos votos do Centro de Filosofia, foi conseguir um representante de cada Curso para compor a chapa. Foi desta forma que lançamos candidato para presidente do D.A. de Filosofia, nosso colega de História, Antônio Pedrosa, que pessoalmente eu já conhecia deste a época do Colégio Carneiro Leão. A mim coube a vice-presidência como representante do Curso de Jornalismo. A comemoração de nossa vitória em todos os DAs e DCE, foi uma cervejada n’A Cabana, um barzinho simples, no estilo de uma palhoça, localizado num espaço dentro da praça 13 de maio, próximo onde hoje se encontra a Câmara de Vereadores do Recife.

Manifesto da campanha da nossa chapa Movimento de Renovação Universitária
 ao D.A. de Filosofia da Unicap

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Conseguíamos o que parecia extremamente difícil. No espaço interno da UNICAP, as casinhas que abrigavam os Diretórios, passaram a ser ponto de encontro bem movimentado dos estudantes que se mobilizaram em torno de nossa campanha. O interessante nessa mobilização pela conquista dos Diretórios,foi que não houve a hegemonia de nenhum partido, grupo ou tendência. Inclusive porque um bom número dos que nos apoiaram e continuaram conosco após as eleições, visitando nossa sede, discutindo conosco os problemas da Universidade e da Sociedade brasileira. 

A maioria era estudantes sem filiação partidária, mas preocupados com a situação de nosso país e mais particularmente com os destinos da Educação de nossa gente, e pelo retorno à Democracia possível, que era melhor do que nenhuma. Na sede do Diretório ao som dos primeiros discos de vinil de Chico Buarque de Holanda, sobretudo de sua “Apesar de você” e da musica de Geraldo Vandré, “P’ra não dizer que não falei das flores”, que se tornaria o hino do movimento estudantil contra ditadura militar.




Notas

1 Patrice Lumumba, foi um líder politico congolês, que alinhou o anti-imperialismo ao pan-africanismo numa luta pela solidariedade entre os povos africanos e de valorização da cultura. Fundou o Movimento Nacional Congoles, foi primeiro-ministro do Congo m 1960, derrubado do poder por um golpe de estado e assassinado quando tentava fugir para a ex-União Soviética.
2 Esta obra de Caio Prado Jr. editada em 1959, fora elaborada posteriormente como Introdução à sua  obra “Dialética do Conhecimento” (1952)


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Em defesa da regulamentação da profissão de educador social


Por Cristiano Morsolin


O senador brasileiro Telmário Mota (Partido Democrático Trabalhista – PDT – Roraima) defende a regulamentação da profissão de educador social. Este é o profissional que, dentro ou fora das escolas, faz toda a diferença por atuar, principalmente, junto a parcelas marginalizadas da sociedade, como índios, moradores de rua e de favelas, além de homossexuais. O senador Telmário Mota apresentou recentemente o PLS [Projeto de Lei do Senado] 328/15, com o objetivo de regulamentar a profissão de educador social.

Cada vez mais, a convivência social se configura como um desafio complexo, que envolve tolerância, compreensão, paciência e respeito. O desafio do educador social é formar e orientar as pessoas para a construção de relações respeitosas e harmoniosas, mesmo diante de visões de mundo diferenciadas. Os educadores sociais atuam dentro e fora do contexto escolar, promovendo a valorização dos direitos humanos, explicando, por exemplo, os conceitos de cidadania, preservação cultural e educação ambiental, baseados na convicção de que os seres humanos têm o direito de usufruir da vida, nas suas melhores possibilidades.

No momento em que o senador Telmário Mota apresenta este Projeto de Lei, encontra-se em funcionamento no Senado Federal a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os assassinatos de jovens no Brasil. Os depoimentos ouvidos até o momento afirmam que os jovens negros, pobres e de baixa escolarização são as principais vítimas. O Observatório de Favelas informa que, só em 2012, os homicídios representaram 36% das causas de morte de adolescentes, no país. Se esse perfil continuar, estima-se que mais de 42 mil adolescentes serão assassinados entre 2013 e 2019.

Senador Telmário Mota à frente no Senado pela regulamentação da
Profissão de Educador Social no Brasil

Para Mota, o educador social é o profissional capaz de mudar esse cenário. "O grande desafio da sociedade contemporânea está aí: educar! Os educadores sociais garantem a defesa e proteção das pessoas em situação de risco pessoal e social. Tratam cada ser humano de maneira individualizada, identifica suas necessidades. Nós precisamos desse conhecimento, dessa atenção, desse carinho!”, defende o senador (1).

Entrevista al Senador Mota

Entrevistei o senador Telmário Mota por meio do seu assessor Joao Rios, que participou, recentemente, do V Congresso Internacional de Pedagogia Social, na UFES [Universidade Federal do Espírito Santo], em Vitória.

Senador Telmário Mota (2), você falou da regulamentação da profissão de educadora e educador social no diálogo com a Universidade de Maringá...

No período de 24 a 26 de maio de 2015, a cidade de Maringá, Paraná, sediou o II Congresso Internacional de Pesquisadores e Profissionais de Educação Social e a XIII Semana da Criança Cidadã de Maringá 2015 – Tema: Educação Social: valorização da infância. Naquele evento, foram divulgadas as ações dos educadores sociais em diversos países, como Bolívia e Senegal, ali representados, bem como os trabalhos desenvolvidos por educadores sociais brasileiros, como os projetos "Leituras ao Vento” e outros. E teve como palestrantes: o educador social Moussa Sow (Senegal), a educadora social Maria Ximena Rojas Landivar (Bolívia) e dos brasileiros: o professor doutor Mário Fernando Bolognesi, e a mestre em Educação Maria Angelita da Silva, do Programa Multidisciplinar de Estudo, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente – PCA.

Que relação tem com Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os Assassinatos de Jovens, da qual você participa?

No momento em que apresentamos esse Projeto de Lei, encontra-se em funcionamento, no Senado Federal, a Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] do Assassinato de Jovens. Os depoimentos ouvidos até o momento afirmam que os jovens negros, pobres e de baixa escolarização são as vítimas preferenciais. "O Observatório de Favelas informa que, só em 2012, os homicídios representaram 36% das causas de morte de adolescentes, no país. Se esse perfil continuar, estima-se que mais de 42 mil adolescentes serão assassinatos, entre 2013 e 2019”.

Por que você acredita que a educadora ou o educador social seja o profissional capaz de mudar este cenário?

Ora, se este é o perfil das nossas vítimas, acreditamos que a educadora ou o educador social seja o profissional capaz de mudar esse cenário. Aliás, não fosse o trabalho invisível desses abnegados, o número dessas vítimas poderia ser bem maior. Em 1951, foi fundada a Associação Internacional de Educadores Sociais(Aieji), objetivando promover a união dos educadores e educadoras sociais de todos os países, contribuindo para a formação e elaboração de suas competências e para a consolidação dessa profissão. Ao longo dos anos, a Aieji foi organizando vários congressos nacionais e internacionais, no sentido de concretizar esses objetivos. Em 2005, em Montevidéu-Uruguai, por ocasião do 16º Congresso Internacional dos Educadores e Educadoras Sociais, e que contou com a participação de várias representações do Brasil, foi elaborada a Declaração de Montevidéu, onde os educadores e educadoras sociais de dezenas de países declararam: "1) reafirmamos e comprovamos a existência do campo da Educação Social, como um trabalho específico orientado a garantir o exercício dos direitos dos sujeitos do nosso trabalho, e que nos exige permanente compromisso, em seus níveis éticos, técnicos, científicos e políticos. 2) para o cumprimento deste compromisso, é indispensável à consolidação da profissão de educador e educadora social (...). 7) os educadores e educadoras sociais renovam o compromisso com a democracia, com a justiça social, com a defesa do patrimônio cultural e pela defesa dos direitos humanos, baseados na convicção de que outro mundo é possível”.


França, Holanda, Bélgica, Suíça, Itália, Uruguai, Alemanha, Canadá, Portugal, fazem parte de um movimento internacional, que conta com a participação efetiva de mais de 40 países, que vêm lutando pela regulamentação e formação, em nível de graduação e pós-graduação, dos educadores e educadoras sociais, dos quais muitos obtiveram êxito.

Nessa experiência internacional, como se coloca no Brasil?

Aqui, no Brasil, temos a Universidade Estadual de Maringá [Estado do Paraná], que conta com várias teses de mestrado e doutorado abordando a legislação, a formação e a grade curricular dessa profissão. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dispõe, em seu Art. 1º, que a educação: "abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Ou seja, reconhece a existência de contextos educacionais situados fora dos âmbitos escolares, em que há destacada atuação das educadoras e educadores sociais, que fundamentam sua prática educativa, sobretudo, no legado da Educação Popular, especialmente a desenvolvida a partir da década de 1970, tomando como base a influência do educador Paulo Freire.




Cristiano Morsolin Pesquisador e trabalhador social italiano radicado na América Latina desde 2001, com experiências no Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil. Autor de vários livros, colabora com a Universidade do Externado da Colômbia, Universidade do Rosário de Bogotá, Universidade Politécnica Salesiana de Quito. Co-fundador do Observatório sobre a América Latina SELVAS (Milão), pesquisa a relação entre os movimentos sociais e as políticas emancipatórias. 


FONTE: Adital

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Dois modelos esgotados


Editorial Correio da Cidadania



Cortes draconianos em direitos como seguro-desemprego, aposentadoria, saúde, educação; um orçamento comprometido com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública; um governo fragilizado, sem base social após promover grosseiro estelionato eleitoral e entregar a cada dia um anel para o capital financeiro e o PMDB, a fim de afastar as ameaças de um impeachment; um Congresso Nacional cada vez mais distante dos anseios da maioria da população, manipulado por um mestre da pequena e corrupta política, condutor da bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia), a dar o tom de um fundamentalismo conservador inédito desde a redemocratização.

Mas esta crise, que tem nomes como Dilma Rousseff e Eduardo Cunha entre seus protagonistas, não é um episódio conjuntural. Estamos diante de uma crise de natureza estrutural, produto de uma soma ou mesmo convergência de crises.

Em linhas gerais, testemunhamos o esgotamento de dois “modelos”.

O primeiro refere-se ao padrão de “desenvolvimento” do lulismo, isto é, a condução de políticas públicas com moderada intervenção do Estado e valorização do salário mínimo. Ancorado numa conjuntura comercial externa favorável às commodities, esse modelo permitiu aos seguidos governos petistas dinamizar o mercado interno e conter ou retardar por essa via os efeitos mais devastadores da crise econômico-financeira internacional.

O “problema” deste modelo é que ele nunca, em momento algum, rompeu com a dependência e subordinação do orçamento do país ao capital financeiro. Religiosamente, juros foram pagos em nome da impagável “dívida pública”. Sequer a longa era do lulopetismo no poder cogitou realizar uma auditoria da dívida. A data de validade deste modelo um dia chegaria.

Bastaram a desaceleração deste cenário externo antes muito favorável, a débâcle econômico-financeira do sul da Europa, a pressão do capital financeiro e da especulação por juros mais altos e o compromisso com ajustes e cortes sociais e trabalhistas, para fazer ruir o chamado “neodesenvolvimentismo”.

Tal fragilidade carregada pelo modelo fica evidente com o fato de que, quase da noite para o dia, a decantada estabilidade econômica do lulismo deu lugar ao tripé arrocho-inflação-desemprego, que volta a assombrar o cotidiano da classe trabalhadora brasileira.

A segunda das crises é a do modelo institucional de representações políticas. Um esgotamento das instituições da Nova República, feridas pelo modus operandi da corrupção, desde o financiamento das campanhas eleitorais até os grandes negócios na cadeia de relações promíscuas entre grandes conglomerados capitalistas e Estado, governos e partidos dessa ordem.

A superação de tais crises é a superação dos dois “modelos” mencionados, com uma ruptura de paradigmas. O Brasil precisa de outro projeto de país, que parta de bases democráticas e igualitárias, política e socialmente.

Ao contrário da lógica do ajuste neoliberal, à qual o governo Dilma amarra o país como remédio para a crise, precisamos de um modelo de desenvolvimento soberano, que, para começar, estabeleça linhas de ruptura com a dominação do capital financeiro, faça o orçamento estatal girar em torno do social, estabeleça uma reforma tributária progressiva, capaz de taxar a fortuna e o Capital, e amplie a oferta e garantia de direitos ao povo.

Ao contrário da lógica de restrição de direitos democráticos e civis – proposta cinicamente pela direita ‘social’, que vai às ruas pedir o impeachment de Dilma, assim como pelo corrupto presidente da Câmara dos Deputados e suas agressivas bancadas, em relação a mulheres, LGBT, negros –, o Brasil precisa de mais direitos e mais democracia. Porém, uma democracia verdadeira, não manipulada, uma outra institucionalidade, com ampla e plural participação popular e poder decisório sobre os grandes temas do país.

Não será por produto do acaso que se poderá pensar em outro projeto, assentado em tais bases, para começar a caminhada. Trata-se de longo trajeto, que dependerá fundamentalmente da recomposição de um bloco histórico das classes exploradas e oprimidas, de uma pluralidade de atores sociais combativos e progressistas, juntando movimentos sociais independentes (que não sejam atrelados e nem correia de transmissão de governos e Estado), ao lado dos partidos de uma renovada esquerda.

É um desafio de longos anos, que demandará muitas lutas sociais independentes, muito diálogo entre atores do mesmo campo político de oposição à ordem e muita formulação estratégica.

Nesses tempos que se apresentam hostis, dada a ofensiva econômica conservadora contrária aos direitos democráticos, aprofunda-se, de outro lado, uma tremenda crise estrutural. É exatamente nesta crise que poderá reflorescer a esperança e o espaço para a construção de projeto social igualitário.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Professores universitários lançam Manifesto pela Democracia


Em ato público na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, intelectuais debatem riscos do impeachment e defendem a legalidade constitucional no país


Por Tatiana Carlotti




Com o auditório lotado da Faculdade de Direito da USP, renomados intelectuais lançaram, na manhã desta quarta-feira (16.12), o Manifesto pela Democracia. O documento, que já conta com sete mil assinaturas, repudia o impeachment da presidente Dilma Rousseff e defende a democracia e a legalidade constitucional no país.

O ato público no Largo São Francisco contou com a presença de renomados intelectuais como os professores Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Ermínia Maricato, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani, Luiz Gonzaga Belluzzo, Miguel Nicolelis, Marilena Chauí, Paulo Arantes, Maria Vitória Benevides, Marcos Nobre e André Singer, que coordenou a mesa do evento.

“Se há um sentimento comum que nos move e nos une neste encontro histórico é o sentimento de indignação”, afirmou o professor Alfredo Bosi (Letras-USP) iniciando o ato público. Bosi alertou para as “máscaras jurídicas” do golpe e para a “farsa sinistra” que visa “ferir o que resta de democracia no sistema político brasileiro”. Uma máscara detalhada pelo professor e jurista Dalmo de Abreu Dallari (Direito-USP) que estudou minuciosamente os aspectos jurídicos do impeachment.

Destacando a ausência de consciência jurídica de alguns “juristas incompletos” e de “notável ignorância”, Dallari foi categórico: “Eu tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhum dos fundamentos, nenhuma das propostas apresentadas, têm qualquer embasamento jurídico”, afirmou, destacando que o afastamento de um presidente só é possível por crime de responsabilidade caracterizado por atos – omissão não se aplica - e no mandato em vigor.

Luta pelo Estado de Direito

Já o professor Roberto Schwarz (Letras – Unicamp) lembrou que o impeachment foi criado para proteger a democracia e não para enfraquecê-la. Ao defender a ordem democrática, ele citou as estratégias dos defensores do impeachment desde a eleição presidencial. “Usaram como estratégia política uma oposição indiscriminada com o propósito de tornar o governo ingovernável, do ponto de vista da política democrática. Trata-se de derrubar o resultado das eleições”.

Também presente no ato, o cientista Miguel Nicolelis (Neurobiologia/Duke University) mencionou o impacto de programas como o Ciência sem Fronteiras e considerou um crime contra a nação “que aquilo que as urnas concederam possa ser removido sem a voz das urnas”. Em sua visão, “o fato inequívoco é que o que está em jogo não é uma presidência, não é uma pessoa, mas o Estado de Direito, a democracia, o império da Lei”.

Em sua fala, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Economia – Unicamp) reforçou a importância da luta pela democracia, lembrando dos tempos de ditadura militar quando, naquele mesmo auditório, ele entrou em confronto com o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) para garantir a eleição de João Miguel, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto no período.

A luta contra o regime militar também foi lembrada pela economista Leda Paulani (Economia – USP) ao destacar que “nenhuma nação sai impune de 25 anos de ditadura”. Segundo ela, o que está em jogo é a construção democrática do Brasil. Paulani defendeu, também, a necessidade de garantirmos a continuidade das instituições democráticas no país para a construção de uma verdadeira República.

A enganação do golpismo

“Lutamos para acabar com a história de golpes na democracia brasileira e para avançar o processo civilizatório de generosidade, de paz, de uma sociedade menos machista, menos homofóbica, menos racista”, avaliou a professora Ermínia Maricato (FAU-USP).

Já o professor de Marcos Nobre (Filosofia - Unicamp) lembrou que o movimento pró impeachment tenta “canalizar uma energia e um sofrimento social real”. “Não estou me referindo ao pessoal que é salgadinho gourmet – ironizou – mas de quem sofre e que está sendo enganado ao acreditar que havendo um movimento a favor do impeachment esse sofrimento vai desaparecer”.

Maria Vitória Benevides (Educação - USP), por sua vez, destacou a importância do aprofundamento das conquistas sociais no país que se destinam, principalmente, à maioria do povo brasileiro. “Um conjunto de direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais que certamente nessa luta contra a democracia, contra o estado de direito, estão ameaçados”, apontou.

Considerando que o golpe vem sendo sustentado pelos liberais, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira explicou que a “democracia defende os direitos civis, o sufrágio universal, o respeito à Constituição” e que “o liberalismo aceita com muita má vontade a democracia”. Em sua visão, a democracia está sendo ameaçada, mas ela está consolidada no Brasil. “Temos uma sociedade plural, apenas uma minoria defende o autoritarismo”, avaliou.

Impeachment é apenas um episódio

Segundo o professor Paulo Arantes (Filosofia – USP), “saindo ou não, o impeachment é apenas um episódio. A onda avassaladora que está se despejando no Brasil é mais profunda”. Arantes chamou a atenção para a Lei Antiterrorismo (PL 2016/2015) que se encontra no Congresso e que poderá “financiar o terror” e enquadrar as manifestações sociais. “Esse ato aqui pode ser considerado terrorista”, exemplificou, caso a lei seja aprovada. “Espero que possamos estar juntos novamente, apanhando juntos e resistindo juntos”, completou.

Os riscos à democracia também foram enfatizados pela professora Marilena Chauí (Filosofia – USP): “O impeachment é apenas a cereja do bolo de um processo muito mais longo e complicado que vem ocorrendo. É isso que está sendo preparado: uma gigante vitória do capital na luta de classes. Esse ato tem que ser um primeiro passo de uma luta histórica que começa com a luta contra o golpe, a luta pela democracia a luta pela justiça social”.

No fechamento das apresentações, o professor Fábio Comparato (Direito – USP) mencionou que a crise que estamos vivendo - não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro - diz respeito à passagem histórica do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro. “O banco não produz riqueza alguma. Todas as instituições financeiras só se preocupam com a especulação”, destacou.

Considerando que desde sempre existem duas constituições no país, uma que é oficial e não aplicada, “como estamos vendo neste processo”; e outra efetiva, “ditada pela oligarquia”, Comparato defendeu a necessidade de se educar os jovens a lutar contra a oligarquia do capitalismo. “A Constituição da oligarquia é contra o Estado de Direito porque ele significa que todo poder tem um limite e está submetido a um controle. Isso é contra a lógica do capitalismo”, apontou. “Nós precisamos construir uma nova sociedade e educar as gerações. Nós somos educadores”, concluiu.


Créditos da foto: MÁRCIA MINILLO/RBA


FONTE: Carta Maior

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

O Brasil está se especializando em matar blogueiros


Por Leonardo Sakamoto


O blogueiro Orislandio Timóteo Araújo foi assassinado em Buriticupu, interior do Maranhão, no último sábado (21), por um motoqueiro com um disparo na cabeça. A polícia trabalha com hipótese de vingança por sua atividade. Já Ítalo Diniz foi assassinado no dia 13, por dois motoqueiros em Governador Nunes Freire, também no Maranhão. Ele já tinha avisado a polícia que estava sofrendo ameaças de morte. Eles são apenas os últimos de uma lista que não é curta.

O blogueiro Orislandio Timóteo Araújo, mais conhecido como Roberto Lano, assassinado neste mês de
novembro (2025). Foto: Reprodução
Se a vida já é difícil para comunicadores que trabalham para veículos conhecidos, imagine os blogueiros que estão praticamente sozinhos ao relento, contando com apoios bissextos e a sorte para não se tornarem estatísticas de violência. A situação piora violentamente no interior do país, onde muitos blogs se tornaram a única forma de fiscalizar os desmandos de autoridades públicas.

A internet garante uma plataforma que facilita a liberdade de expressão, mas encarar essa liberdade de cara limpa e de forma não anônima gera um custo que, para muita gente que tombou pelo caminho, se mostrou alto demais.

Lembro de uma história que circulou no início deste ano. Por criticar autoridades religiosas, o blogueiro Raif Badawi foi condenado a dez anos de prisão e a 50 chibatadas por semana durante 20 semanas no ultraconservador reino da Arábia Saudita. Depois de ter levado as primeiras 50, estavam esperando suas costas cicatrizarem-se para mais 50. Isso fez com que o país se tornasse alvo de críticas internacionais.

Você pode dizer que aqui não é a Arábia Saudita. Será que não? Considerando que parte das mortes de blogueiros tem como suspeitos autoridades públicas que eles denunciavam, qual a diferença? Na prática, é uma discussão semelhante à questão da tortura: é proibida por lei, mas quem se importa?

Nós, jornalistas, preenchemos tão bem o papel de gado para abate que não conseguimos nos mobilizar em quase nenhuma circunstância. Será que realmente nos consideramos melhores do que os outros trabalhadores? Ou, quiçá, nos sentimos travestidos de alguma estúpida missão, flanando acima do bem e do mal, fazendo de conta que não é com a gente? Ou decidimos que blogueiros que não fazem parte de veículos conhecidos, sejam tradicionais ou alternativos, não produzem jornalismo e, portanto, não merecem nosso respeito?

Em outras profissões, teríamos protestos ou uma ação coletiva mais forte para denunciar o que está acontecendo. Talvez até cruzaríamos os braços. Por aqui, abaixamos a cabeça e damos graças a Deus que isso não é conosco – assumindo o mesmo padrão que adotamos quando uma demissão coletiva assola um veículo de comunicação sem que, antes, patrões e empregados tenham conversado para checar se essa era mesmo a única saída. Abaixar a cabeça. Feito um avestruz.

Como profissionais cuja função é cobrar o poder público não conseguem sair desse estado de catatonia? Não é uma questão de posicionamento político.

Com exceção das insistentes cobranças da sempre alerta Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, de alguns sindicatos (nem todos), colegas que são grilos-falantes em redações e chefes que fazem a diferença, parece que estamos passando o seguinte recado, no melhor estilo de Nelson Rodrigues: "Perdoa-me por me sangrar!''

Ao menos, tenhamos dignidade de relatar à exaustão o que está acontecendo, acompanhando as investigações e listando responsáveis diretos e indiretos, a fim de que cada cicatriz deixada nos colegas seja devidamente deduzida do patrimônio eleitoral dos mandatários que permitem que isso aconteça. Não é corporativismo, é questão de liberdade de expressão!

Ou a gente só é corajoso quando é com os outros?


Fonte: Blog do autor

Leonardo Sakamoto: Jornalista e doutor em Ciência Política. Professor de Jornalismo na PUC-SP e ex-professor na USP. É coordenador da ONG Repórter Brasil.


FONTE: Adital

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

"Não vai ter golpe!"


Por Aluizio Franco Moreira Filho


Não vai ter golpe porque impeachment não é golpe. É constitucional, é mecanismo próprio da democracia.

O que simpáticos à crença (sic) de golpismo não admitem, é terem sido criadas, em grande parte pelo próprio Governo, as condições para o impedimento da sucessora do Lula. Impeachment é Política com P maiúsculo, jogo político vivo, uma resposta ao papel decrépito que a presidente Dilma queria para o Congresso Nacional: um monstro morto com a única incumbência de chancelar as vontades do Executivo. O momento que o país vive é especial e nada amedrontador, aviso aos medrosos. Temos que saber valorizá-lo para além da retórica petista polarizante e escatológica.

Ao invés de insistir em escolher inimigos externos como argumento, as pessoas de reflexão deste país deveriam exercer mais a autocrítica (será que temos tempo e espaço para isso?). É fácil culpar Cunha, a base infiel ou os “coxinhas” de todos os sabores e tamanhos – e a História está ai para provar que escolher um inimigo comum é uma tática nefasta. Ainda que Cunha esteja interessado apenas em salvar sua pele, não é difícil perceber porque chegamos onde chegamos. Nossa presidente não tem traquejo político e aprofundou uma forma de fazer política que iria implodir de qualquer maneira, sobretudo nas mãos de uma pessoa com o perfil dela. Era questão de tempo e já dava sinais do seu lado perverso desde o "Mensalão".

Esse processo de impeachment é, antes de tudo, político. Mais precisamente o efeito colateral da política de troca de cargos, ministérios, votos e sabe-se lá mais o quê. Dilma nunca duvidou que os cordeiros que ela estava domesticando lá em Brasília, tinham pele de lobo, só não sabia (e nunca vai saber) lidar com eles. O modelo apodreceu e ela apodreceu junto. O Governo já havia se exaurido quando um agonizante suspiro de três milhões de votos o fez permanecer na UTI. Está lá, a receber visitas, apenas.

Na democracia irreal, os oposicionistas deveriam ajudar o Governo a governar e debater os interesses do país, mas eles não têm obrigação disso. É ingenuidade pensar que a oposição não agiria como oposição. Foi isso que o PT fez muito bem quando estava do outro lado: pediu impeachment de Collor, de Itamar Franco e de FHC aos urros. Descontentamentos em relação a um governo sempre vão haver e muito embora a impopularidade não seja motivo para a destituição de um presidente, o cerco de ingovernabilidade ao redor de Dilma é assustoso.

O impeachment é a oportunidade que a oposição queria para tirar o Governo que está aí há mais de 12 anos no Poder, com a máquina nas mãos e se utilizando dela por inteiro para permanecer nele. A oportunidade, no entanto, é chancelada pela alta reprovação popular e por todo o ludibrioso processo eleitoral evidenciado no ano passado. Se o impeachment vai se confirmar ou não, isso é o que menos importa. O que chama a atenção é o contexto propício para sua existência em Brasília. A teoria do Golpismo termina quando ela mesma faz parte da Política com P maiúsculo. Afinal, a moral de quem quer chegar ao poder não seria equivalente àquela de quem faz de tudo para permanecer nele?

"Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição" (Dilma Rousseff)

domingo, 6 de dezembro de 2015

ProUni: radiografia de uma inclusão segregadora




Novo livro examina, em sua complexidade, programa que levou milhões de excluídos  ao
ensino superior  -- mas fortaleceu modelo para o qual Educação não passa de mercadoria
  

Por José Tadeu Arantes, na Agência Fapesp


O ensino superior privado lucrativo teve início, no Brasil, durante a ditadura militar e não parou de se intensificar desde então, adquirindo uma escala sem paralelo no planeta. Atua hoje, no país, o maior grupo educacional privado lucrativo do mundo, com cerca de 1 milhão de alunos.

“Transitamos de pequenas faculdades isoladas para grandes universidades até chegar aos fundos de investimento, com ações altamente cotadas na Bolsa de Valores. São instituições voltadas para obter lucro com a educação. Fato bem diferente do que ocorre nos países desenvolvidos, onde não houve estímulo estatal para a existência de empresários donos de universidades”, afirma o pesquisador Wilson Mesquita de Almeida, em seu livro Prouni e o ensino superior privado lucrativo em São Paulo: uma análise sociológica, publicado com apoio da FAPESP.

O livro é resultado da pesquisa de doutoramento de Almeida, orientada pela professora Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.

Segundo o pesquisador, o modelo de ensino superior que se tornou dominante na graduação brasileira é um modelo empresarial, originado na década de 1970, no regime militar, por meio de dois incentivos dados às universidades privadas: a não cobrança de impostos e o crédito educativo, criado em 1976, atual Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

“Com esses incentivos dados pelo Estado, que continuam até hoje, o setor privado lucrativo conseguiu acumular poder financeiro e político para fazer prevalecer seus interesses nos governos democráticos que vieram depois. O ensino superior privado lucrativo é algo bastante peculiar ao Brasil das quatro últimas décadas”, disse Almeida à Agência FAPESP.

Entre o fim da década de 1990 e início dos anos 2000, as universidades lucrativas enfrentaram grave crise financeira. Em 2005, o setor acabou beneficiado com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), que confere bolsas de estudo integrais ou parciais, em cursos de graduação e sequenciais nas universidades privadas, para estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas, com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos. Os candidatos são selecionados pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Em troca das bolsas de estudo, na proporção de um bolsista para cada nove alunos pagantes, as instituições com fins lucrativos ficaram livres de impostos, ajudando-as a sobreviver naquele contexto de crise econômica.

Pesquisa qualitativa

Almeida centrou seu estudo no acesso e permanência dos bolsistas do ProUni em São Paulo, procurando verificar os limites, avanços e desafios do programa “Fiz uma pesquisa qualitativa, na qual investiguei os casos de 50 alunos de várias universidades privadas lucrativas da cidade de São Paulo. As entrevistas e questionários foram estruturados segundo quatro grandes eixos temáticos: família, trabalho, acesso à universidade e vida universitária dos bolsistas”, informou Almeida.

Segundo o pesquisador, a principal limitação do programa é ele ter sido montado em um sistema no qual a maioria das universidades participantes possui baixa qualidade educacional, atestada nos exames nacionais de avaliação do ensino superior.

“Para conseguirem mais lucros, os empresários do ensino reduzem investimentos no mais importante: na qualidade do professor (demitem e investem pouco em profissionais mais qualificados, com doutorado, devido ao “custo”) e em uma seleção mínima do estudante, de forma a ter maior número de alunos pagantes”, diz Almeida.

E acrescenta: “Hoje o quadro está mais sombrio, dado que as maiores instituições estão na Bolsa de Valores. Assim, a lógica do curtíssimo prazo, de resultado trimestral, passa a ditar as regras. Essa lógica econômica não combina com qualidade de ensino, sobretudo quando está direcionada para estudantes dos segmentos mais destituídos socialmente.”

A partir dos cruzamentos feitos, os resultados da pesquisa apontam que há uma heterogeneidade entre os bolsistas. Estudantes de Licenciatura e Tecnólogos, os quais constituem a maioria dos bolsistas pesquisados, são filhos de pais migrantes, de origem rural, com baixa escolaridade e com trajetos profissionais precários, trabalharam e estudaram durante a fase pré-vestibular, estão situados na faixa etária entre 25 e 30 anos, residem em bairros mais periféricos da Grande São Paulo. Não tentaram entrar na universidade pública, não fizeram pesquisas prévias sobre as instituições onde estudam e elegeram como motivos principais para escolha do curso a proximidade da residência e a oportunidade em si de cursar o ensino superior, independente da carreira desejada.

“Tais estudantes são tipicamente de mais baixa renda e estão nos cursos com formatos mais curtos, nas universidades mais desprestigiadas da hierarquia acadêmica quando o comparamos com o outro grupo pesquisado, os bacharelandos”, diz Almeida.

Esses, segundo a pesquisa, frequentam cursos tradicionais das universidades privadas mais qualificadas, com formatos mais longos, mais prestigiados e são alunos de baixa classe média, tendo um perfil bem próximo aos alunos que frequentam universidades públicas, inclusive, alguns chegaram a ser aprovados em tais universidades.

Inclusão social

“Seria então preciso questionar: para quais bolsistas, de forma efetiva, foi propiciado acesso a um curso com boa qualidade de ensino?”, diz o pesquisador.

Segundo sua análise, apesar de não ter sido criado com o objetivo de ser uma política de acesso e permanência no ensino superior e, sim, mais como um programa para socorrer as universidades lucrativas em um momento de crise financeira pela qual passavam, há um importante componente de inclusão social no programa.

“Ele possibilitou, na última década, que uma faixa de estudantes de baixa renda, negro e oriundo da escola pública pudesse chegar ao ensino superior. Não obstante as limitações apontadas, abriu perspectivas para um aluno brasileiro que ainda é constrangido por imensas desigualdades cotidianas”, pontua Almeida.

O pesquisador também descreve em seu livro que há desafios estruturais e conjunturais colocados ao ProUni para que ele possa tornar-se, de fato e de direito, uma política estratégica de inclusão no ensino superior dos estudantes de baixa renda. “Para ser mais eficiente economicamente e socialmente, o ProUni precisaria ficar restrito somente às instituições sérias, com qualidade educacional, o que, em grande medida, são as instituições sem fins lucrativos. É assim no mundo desenvolvido, no qual o ensino superior é público ou, quando é privado, não se volta para o lucro.”

Além disso, deveria cuidar mais da permanência do bolsista, articulando uma série de ações para que ele faça um curso superior consistente. “O Estado brasileiro repassa uma fortuna para sustentar esse segmento econômico, tendo um retorno muito baixo: de cada R$ 100 que os maiores grupos faturam, R$ 40 vêm do governo por meio de isenções fiscais do ProUni e dos repasses do Fies. É muito dinheiro, bilhões anualmente, com retorno educacional de qualidade extremamente duvidosa, o que impacta o sistema público e o mercado de trabalho brasileiros, pois o professor da educação básica pública e parte substantiva da força de trabalho são formados nesse setor privado lucrativo”, conclui Almeida.



domingo, 29 de novembro de 2015

Aumento dos homicídios contra mulheres negras é fruto de racismo institucional


Adital


Segundo o Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil, entre os anos 2003 e 2013, o número de homicídios contra mulheres negras passou de 1.864 para 2.875, aumentando 54%. No mesmo período, os assassinatos contra mulheres brancas caíram 9,8%, de 1.747 para 1.576. Quando comparados, os números totais revelam que as mulheres negras são 182% mais vitimadas.

Para Naiza Santos, membro de base da Comissão Ampliada de Ética e Direitos Humanos do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress-SP), os dados revelam uma realidade brutalmente desigual, baseada em fatores como discriminação cumulativa, conservadorismo e racismo institucional. Ainda assim, a assistente social ressalta que a questão histórica é indissociável.


"Estamos falando de pessoas que são discriminadas duplamente, por serem mulheres e por serem negras. Soma-se a isto a omissão do Estado na efetividade das políticas públicas, especialmente nas políticas de proteção às mulheres em situação de violência e a operacionalização do racismo institucional, presente em seus órgãos públicos, ao dispensar tratamento desigual em desfavor da população negra, destacando-se, neste caso, as mulheres negras. Esses fatores, associados à sociedade machista e conservadora, diminuem ainda mais as oportunidades de empoderamento dessas mulheres”, observa Naiza.

A diferença estatística "gritante”, para ela, está diretamente relacionada a isso, já que uma mulher em situação de vulnerabilidade tem muito mais dificuldade para sair de uma situação de violência, e o poder público desencoraja a mulher em prosseguir com a denúncia. "As mulheres negras estão na base da pirâmide social, com os piores empregos e sofrendo todo tipo de discriminação, mesmo considerando diferentes níveis de formação. Nessa situação, acabam reféns das agressões, que vão se agravando e chegam aos dados apresentados no Mapa, os quais caracterizam o feminicídio, termo defendido pelo movimento de mulheres e, recentemente, inserido na legislação penal para classificar a violência de gênero que resulta em morte das mulheres”, ressalta Naiza.

Contexto histórico

A assistente social da base do Cress-SP ainda aponta que a realidade histórica do Brasil continua a aprofundar o problema do preconceito e da discriminação racial. Para ela, os séculos de escravidão deixaram uma marca profunda em na história do país e os reflexos são sentidos até hoje, não apenas no racismo enraizado, mas na profunda desigualdade social e racial.




Essa diferenciação pode ser vista em dados, como o deste mapa de violência contra as mulheres, nas diferenças salariais entre brancos e negros para o mesmo cargo e no nível de escolarização; nos altos índices de jovens negros assassinados por agentes do Estado; na população carcerária predominantemente negra; e no acesso desigual à educação, principalmente de nível superior em instituições públicas.

"Historicamente, o corpo negro foi violado. Ainda nos dias de hoje, isso acontece. Os dados de violência contra as mulheres negras, juntamente com os dados de mortalidade da juventude negra, infelizmente, comprovam essa afirmação”, diz Naiza Santos.

Legislação de proteção

Naiza defende que, além das ações emergenciais de proteção, importantes para o fim desse ciclo de morte e discriminação, cabe ao Estado fazer valer a legislação de criminalização do racismo, já presente desde a Constituição Federal de 1988, bem como a Lei Maria da Penha. A assistente social explica que é preciso um sistema judicial que acompanhe e valorize as denúncias de racismo e violência contra a mulher, protegendo a vítima e responsabilizando adequadamente as demonstrações de racismo, discriminação e violência de gênero.


FONTE: Adital

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Apesar de tudo, o livro continua a resistir






Incluir na "ESTANTE"


Por Nadine Bayle e Alain Beuve Méry


A queda no gosto pela leitura, a chegada de novos intermediários e a multiplicação de conteúdos gratuitos alimentam a ideia de uma crise permanente. Mas as editoras e as livrarias resistem

Nesta semana, mais de 200 editoras francesas estarão presentes na Feira do Livro de Frankfurt. Com a chegada de centenas de novos romances nas prateleiras das livrarias e a corrida pelos prêmios do outono, esse é um daqueles rituais do mercado literário que nada parece conseguir mudar. Seria um paradoxo, neste momento em que as grandes livrarias e bibliotecas do mundo estão na internet e onde uma obra pode custar mais barato que um café? A seguir, os três desafios que estão mudando o mercado editorial.

Enfrentar a deserção dos leitores

Livraria Delamain, em Paris, a mais antigas da França, foi
ameaçada de fechamento
Entre 1973 e 2008, a porcentagem de pessoas com mais de 15 anos que haviam lido 20 livros ou mais durante o ano caiu de 28% para 16%, segundo a pesquisa “Práticas culturais dos franceses” do Ministério da Cultura. No total, 53% dos franceses declararam espontaneamente que haviam lido poucos livros ou nenhum na ocasião da última pesquisa sete anos atrás. “O livro atualmente faz parte da economia da atenção”, um artigo raro, resume o economista cultural François Moreau, professor na Universidade Paris-13.

Seja pela concorrência com outros tipos de lazer, seja pela falta de tempo, pela dessacralização do livro ou pelo fracionamento da leitura nas telas, desde os anos 1980 cada nova geração tem tido cada vez menos leitores do que a anterior. E parte dos leitores fracos e médios desiste a partir da adolescência. Nos meios populares, “certas formas de romances, como histórias românticas, ainda funcionam bem entre leitoras mulheres, mas o livro não oferece mais atrativo para os homens”, constata Olivier Donnat, que coordena a pesquisa sobre as práticas culturais dos franceses no Ministério da Cultura. “O romance policial se elitizou e passamos de SAS [série popular de livros de espionagem] para Fred Vargas em 15 anos.”

Já o livro digital não criou novos leitores, e por isso as editoras precisam encontrar meios de crescimento através da diversificação, ainda que para isso tenha de comprar outras editoras. Após a compra da Flammarion, em setembro de 2012, Antoine Gallimard exemplificou esse princípio no programa Télérama de 22 de março de 2014. Michel Onfray, que criticou Freud e Sartre, é publicado pela Flammarion, não pela Gallimard, editora desses dois autores. O que me interessa é ter, ao lado da Folio, uma coleção de bolso popular como a “J’ai lu”, é ter Casterman, pois os quadrinhos são um setor em plena expansão, e ter um belo departamento de didáticos, complementar ao nosso…

Outro meio de combater a evasão dos leitores: “Todo mundo tem procurado mercados fora das livrarias”, conta Phi-Anh Nguyen, agente há 20 anos que trabalha especialmente para a editora especializada em livros juvenis e quadrinhos Sarbacane. “Nossos livros ainda estavam em fase de layout em nosso primeiro Salão de Frankfurt, em 2002! Desde o início tínhamos ciência de que a cessão de direitos de nossas obras era necessária para as finanças da editora”, confirma Frédéric Lavabre, fundador da Sarbacane. Em 2014, o faturamento das editoras associado às cessões de direitos (inclusive formato de bolso) avançou 5,5%, ao passo que as vendas de livros recuavam (-1,7%), segundo o Sindicato Nacional dos Editores (SNE).

Antes mesmo de seu lançamento na próxima semana, o novo “Astérix”, “O Papiro de César” (com uma tiragem de 1,8 milhão de exemplares), “suscitava expressões de interesse muito constantes, e não somente para o cinema”, afirma a Hachette. “Também há os produtos, as camisetas, quando não os parques temáticos…”

Neste momento, todos os olhares estão voltados para a televisão e o cinema, grandes consumidores de conteúdo. Cinco editores voarão para Los Angeles no dia 9 de novembro para o próximo evento organizado pelo setor, a “Shoot the Book”. E “foi em um avião que Nicole Garcia descobriu o ´Mal de Pierres´, de Milena Agus, que um amigo havia lhe emprestado e a partir do qual ela vai fazer um filme com Marion Cotillard, produzido pela Le Trésor”, conta Liana Levi, cuja pequena editora que leva seu nome e tem cerca de 20 lançamentos por ano terá três de suas obras adaptadas para o cinema em 2016. “Isso é algo inédito para nós!” Tanto que, como observa Yves Pagès, diretor da Editions Verticales, “para certos autores, ver suas obras no cinema é uma consagração maior do que vê-las nas livrarias!”.

Resistir à máquina da Amazon

Eles vêm de outros setores como comunicação, marketing, gestão, estratégias… Benjamin Cornet faz parte desses novos livreiros “nascidos” pós-Amazon. Depois de uma carreira em consultoria e um estudo de mercado, ele abriu há dois anos uma loja de 120 m² em Boulogne-Billancourt, chamada Les Mots et les Choses [As palavras e as coisas]. “Todos os dias clientes me agradecem por eu ter aberto uma loja aqui, dizendo que pararam de comprar pela internet”, ele conta. “Meu faturamento só aumenta.”

No último ano, 3.200 livrarias independentes constataram como ele que os clientes estão voltando. No final de junho, o faturamento delas teve um aumento de 5% a 9% dependendo de seu porte, em relação ao mesmo período em 2014, segundo os indicadores da Livres Hebdo. “O que chama a atenção é que o livro é não somente a indústria cultural mais antiga, mas é também a mais sólida”, observa Françoise Benhamou, especialista em economia cultural e autora de “Le livre à l’heure numérique” (“O livro na era digital”, em tradução livre, 2014). “Ele tem uma força silenciosa que se baseia na leitura pública, na lei do preço único do livro e em um imposto sobre consumo reduzido que se aplica tanto a Grey quanto a um título confidencial, e tanto à versão impressa quanto à digital.”

Isso faz da França, comparada com outros países, uma fortaleza para a Amazon. A cada nova ameaça, o governo saca o cartão vermelho, como em outubro de 2014: entre a redução de 5% sobre o preço de venda permitido pela lei Lang e os fretes gratuitos, agora é preciso escolher. “Atualmente custa menos comprar nas livrarias com um cartão de fidelidade”, comemora Guillaume Husson, delegado-geral do Sindicato dos Livreiros Franceses (SLF). “Isso funcionou e a Amazon não tem mais 15% de crescimento por ano.”

Contudo, a gigante americana das vendas online, com mais de 400 mil referências em francês em seu site, aberto em 2000, e seu e-reader Kindle, que é vendido desde o final de 2012 na França, deverá se tornar a maior vendedora de livros do país “em 2016 ou no mais tardar em 2017”, prevê a consultoria Xerfi. “Seu faturamento no setor de livros está se aproximando do da Fnac, com cerca de 500 milhões de euros (R$ 2,2 bilhões)”, explica o pesquisador editorial, Alexandre Masure. Dois terços das vendas online de livros físicos na França e metade das compras de e-books seriam feitos através do site da Amazon francesa.

“Isso não faz da Amazon um ator dominante”, relativiza o professor da Universidade Paris-13 François Moreau. “A venda pela internet é fragmentada, e o e-book continua sendo secundário. Uma das forças do livro é que ele consegue manter uma rede de livrarias ativa e viva. Um mundo no qual a Amazon acabasse com todas elas provavelmente seria muito diferente.”

Todos se lembram das livrarias independentes americanas. Esmagadas entre 2009 e 2011, quando as vendas de e-books estouraram beneficiando as lojas virtuais, elas tiveram sua revanche, tendo agora 567 pontos de venda a mais do que há cinco anos, e 302 novos membros (de 1.712), segundo a American Booksellers Association. Todas optaram por se concentrar nas vendas, em eventos e nos serviços em torno do livro físico.

Essa abordagem é bastante comum deste lado do Atlântico. Somente 200 livrarias francesas adotaram a venda de e-books, de forma direta no caso das maiores, ou através de plataformas. Não haveria um “progresso notável dessas vendas”, segundo o SLF. “A Fnac, ‘agitadora cultural’, havia forçado os livreiros a saírem de trás de seus balcões, e a Amazon está nos obrigando a exercer nossa profissão, que é a venda de livros físicos”, acredita Georges-Marc Habib, diretor da livraria parisiense L’Atelier.

Por duas vezes, em 2014 e 2015, a Associação das Livrarias Informatizadas (ALire) viajou para os Estados Unidos para buscar inspiração nas boas práticas dos americanos, em especial o sistema de divulgação dos catálogos das editoras, relata um de seus fundadores, François Millet. E assim como suas versões americanas, as grandes editoras francesas investiram no apoio logístico e na distribuição. A número um francesa, Hachette Livre, há dois anos criou uma “entrega em dois dias após feito o pedido para permitir que nossos clientes livreiros respondam mais rápido”. Todos possuem máquinas de impressão por demanda em suas filiais. “Assim como no setor automobilístico onde os carros só são fabricados depois de terem sido comprados, a solução perfeita consistirá em acrescentar à oferta de uma livraria um livro que será impresso assim que seja feita uma encomenda”, explica Eric Lévy, diretor de operações do grupo Editis. “Até 2017, esse tipo de produção será possível na Europa.”

Ironicamente, a Fnac, cuja política de descontos havia irritado os varejistas e provocou a lei Lang em 1981, hoje é a mais bem posicionada para resistir à Amazon. Depois de ter reduzido suas lojas dedicadas aos livros, ela apostou na associação de seu website a suas 104 lojas para encomendas e entregas. “É uma força que a Amazon não tem”, ressalta Coralie Piton, diretora do setor de livros da Fnac. “O livro não é um produto chamariz para nós, ele está presente em um de cada dois carrinhos em nossas lojas e na internet e está no centro de nossa relação com os clientes.”

Conviver com a gratuidade

A foto mostra um livro abandonado sobre um banco à margem de um rio em Loiret, esperando para ser pego por alguém que esteja de passagem. Assim como seu antigo proprietário, mais de 15 mil pessoas participaram no mês de setembro da segunda campanha “Esqueça um livro em algum lugar” lançada no Facebook. O espírito do “bookcrossing”, movimento que surgiu nos Estados Unidos e consiste em “libertar” livros etiquetados como pombos-correios para que seu percurso possa ser acompanhado, pegou na França.

Não havia mais nada de novo a dizer sobre esse tipo de troca, até que atores da internet entraram na prática. Com eles, a doação e a troca praticadas desde sempre entre amigos, vizinhos e familiares poderiam mudar de escala e de natureza. O exemplo mais recente é a startup Booxup, que em setembro levantou 310 mil euros (R$ 1,36 milhão) para melhorar seu serviço de compartilhamento de livros impressos e de encontro entre leitores, baseado na geolocalização. Ela quer introduzir a publicidade, como nos pacotes de leitura ilimitada chamados “freemium”, e vender livros.

O debate contra ou a favor da “livre” circulação do livro, que se divide quanto ao compartilhamento das receitas entre autores, editoras e livrarias, não impressiona Guillaume Decifre. “São brigas da retaguarda”, afirma o presidente do grupo Decitre, que instalou uma dezena de caixas de trocas de livros em 15 meses na região de Lyon.

O “totalmente gratuito” é característico de nossos tempos, mas como não deixar que ele destrua o modelo econômico do livro, como no caso da música e dos vídeos? Mais da metade dos leitores digitais franceses experimentam ou montam bibliotecas de clássicos com obras em domínio público, sem falar na pirataria. Efetivar vendas é um problema tão antigo quanto o comércio. “Poder folhear os livros aumenta em 10% a 15% as vendas”, segundo a livraria digital Kobo. Acima de tudo, “ao oferecer um volume, um capítulo, uma página, é possível criar comunidades de leitores que vão conversar através da internet e permitir uma divulgação comercial mais ampla”, observa Christophe Evans, pesquisador de sociologia no departamento de estudos e pesquisas da biblioteca pública de informações do Centre Pompidou.

Essa prática, já bem conhecida dos autores autopublicados que a usam para criar seu público, tem sido adotada para livros românticos, histórias em quadrinhos e literatura para jovens adultos. A editora J’ai lu, por exemplo, recrutou em fevereiro leitoras para Jennifer L. Armentrout, publicando gratuitamente em formato digital sua última obra, “Eternellement”. Eternamente… um título promissório para todo o setor editorial.


http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2015/10/14/apesar-de-tudo-o-livro-continua-a-resistir.htm


Como desmontar a Ciência e Tecnologia brasileiras

CNPq, entidade essencial ao desenvolvimento nacional, é o alvo da vez. Série de cortes brutais em Educação e Ciência escancara um Brasil q...