Por Aluizio Moreira
Em 1964 tinha me decidido por prestar exames para seleção do vestibular. Naquela época os vestibulares aconteciam em meses diferentes em cada Universidade. Em dezembro já tinha acontecido o vestibular para as Federais. No inicio do ano era a vez da Unicap. Confesso que por ocasião de inscrever-me não tinha ainda me decidido pelo curso que deveria fazer. Fui à Unicap verificar os cursos existentes e me detive num Curso que estava sendo oferecido pela primeira vez na Universidade, exatamente naquele ano. Assim inscrevi-me na seleção para o curso de Bacharelado em Jornalismo.
Motivou-me o fato de ter certa facilidade de escrever (já poetava!). Outra motivação: gostar de literatura. Tinha lido “Historia da Literatura Ocidental”, de Otto Maria Carpeaux, base para minhas incursões pela literatura a partir dos gregos até os primeiros contatos com a literatura do século XIX, à época da 2ª Guerra Mundial e do pós-guerra, entre eles Emile Zola, Victor Hugo, Máximo Gorki, Fiódor Dostoievski, Andre Malraux, Upton Sinclair, Bertolt Brecht, Thomas Mann, Jean-Paul Sartre. É evidente que o fato de ter facilidade de escrever e gostar de literatura, não fazem um bom jornalista, como não fazem um bom professor. Mas pelo menos me ajudou a enfrentar uma redação na prova de português, com um tema que até hoje me recordo: “É melhor acender uma vela, do que gritar contra a escuridão”.
Dois meses depois de meu ingresso na Unicap, estoura o golpe militar de 1964.
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No ano que entrei na Unicap tive pela primeira vez contatos não muito simpáticos com o pessoal da Delegacia de Ordem Politica e Social - DOPS. O primeiro fato que me levou ás suas dependências na Rua da Aurora, foi meu nome encontrado numa lista dos arquivos da União Cultural Brasil-URSS. Associei-me à entidade em fins de 1963 porque antes de tentar o vestibular, soube que através dessa sociedade, estudantes brasileiros poderiam como bolsistas, estudar em Moscou, na Universidade de Amizade dos Povos Patrice Lumumba (1), instituição que abria as portas para estudantes estrangeiros do chamado Terceiro Mundo.
Cheguei a inscrever-me para o Curso de História, enviei os documentos exigidos, e enquanto esperava pelo resultado, comecei a frequentar, naquela associação, o Curso de Língua Russa. A resposta de Moscou demorou a chegar, mas quando chegou um mês após o golpe, veio em espanhol explicando que “debido a los recientes acontecimientos en Brasil no sería posible”. Evidentemente os militares não tinham ainda instituído a censura às correspondências, daí porque no DOPS, nada foi tratado sobre minha correspondência com a Patrice Lumumba.
Fui prestar esclarecimentos sobre outros porquês: por que me associara àquela entidade, por que cursava a língua russa?. . . E uma insistente indagação: se eu sabia do “ouro” que vinha de Moscou através daquela sociedade, para financiar uma revolução comunista. Passei três dias sem sair do DOPS.
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A segunda vez que amavelmente me convidaram para ir ao DOPS, foi para prestar alguns esclarecimentos sobre o “Clube Literário Monteiro Lobato” ao qual também me associara, mas por outros motivos. O Clube era formado por um grupo de estudantes secundaristas, que quinzenalmente nos reuníamos para discutir vários temas, desde obras literárias, às voltadas para os estudos filosóficos, passando por obras de historia, politica e sociologia. Cada quinzena, após discutirmos uma obra, votávamos qual seria o tema seguinte e qual seria o autor a ser debatido.
Lembro-me que antes de fecharem o Clube em 1964, tínhamos definido para o que seria a próxima reunião: o livro de Caio Prado Jr. “Introdução à lógica dialética (Notas Introdutórias)”(2). Mais uma vez nossos policiais queriam saber do “ouro de Moscou” que o Clube repassaria para custear a revolução comunista no Brasil. Enquanto para Marx “O espectro do comunismo rondava a Europa”, no Brasil o espectro do comunismo atormentava cabeça das autoridades, tornando-se uma verdadeira paranoia. Mais dois dias hospedado do DOPS.
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Estas duas “detenções para averiguações” foram suficientes para que meu pai, preocupado com a minha segurança, juntasse a maioria dos meus livros e revistas, e enterrasse-os no quintal de nossa casa sem nenhum plástico que os protegesse da umidade. Nesse bolo todo, não escapou nem mesmo alguns contos e algumas poesias que tinha elaborado para a posteridade. Alegou que tinha mandado esconder os livros na casa de meus tios em Camaragibe para dificultar minha descoberta. Só três meses depois é que minha mãe segredara o que havia acontecido, mas já era tarde para recuperá-los.
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Desde a época de secundarista que me vinculara ao PCB e como tal comecei a atuar na UNICAP junto ao movimento estudantil.
Por volta de 1965/66, os estudantes de esquerda começamos a nos organizar a fim de assumir a direção dos órgãos estudantis que se encontravam nas mãos de uma maioria de direita. Fazia parte de nossos planos, disputarmos as eleições gestão 67/68 para os Diretórios Acadêmicos (de Filosofia, Economia e Direito) bem como o Diretório Central dos Estudantes (DCE). O mais complicado era o D.A. de Filosofia, pois este Centro congregava os cursos de História, Geografia, Jornalismo, Ciências Sociais, Psicologia, Pedagogia, Letras, Serviço Social.
A forma encontrada para conseguirmos votos do Centro de Filosofia, foi conseguir um representante de cada Curso para compor a chapa. Foi desta forma que lançamos candidato para presidente do D.A. de Filosofia, nosso colega de História, Antônio Pedrosa, que pessoalmente eu já conhecia deste a época do Colégio Carneiro Leão. A mim coube a vice-presidência como representante do Curso de Jornalismo. A comemoração de nossa vitória em todos os DAs e DCE, foi uma cervejada n’A Cabana, um barzinho simples, no estilo de uma palhoça, localizado num espaço dentro da praça 13 de maio, próximo onde hoje se encontra a Câmara de Vereadores do Recife.
Manifesto da campanha da nossa chapa Movimento de Renovação Universitária ao D.A. de Filosofia da Unicap |
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Conseguíamos o que parecia extremamente difícil. No espaço interno da UNICAP, as casinhas que abrigavam os Diretórios, passaram a ser ponto de encontro bem movimentado dos estudantes que se mobilizaram em torno de nossa campanha. O interessante nessa mobilização pela conquista dos Diretórios,foi que não houve a hegemonia de nenhum partido, grupo ou tendência. Inclusive porque um bom número dos que nos apoiaram e continuaram conosco após as eleições, visitando nossa sede, discutindo conosco os problemas da Universidade e da Sociedade brasileira.
A maioria era estudantes sem filiação partidária, mas preocupados com a situação de nosso país e mais particularmente com os destinos da Educação de nossa gente, e pelo retorno à Democracia possível, que era melhor do que nenhuma. Na sede do Diretório ao som dos primeiros discos de vinil de Chico Buarque de Holanda, sobretudo de sua “Apesar de você” e da musica de Geraldo Vandré, “P’ra não dizer que não falei das flores”, que se tornaria o hino do movimento estudantil contra ditadura militar.
Notas
1 Patrice Lumumba, foi um líder politico congolês, que alinhou o anti-imperialismo ao pan-africanismo numa luta pela solidariedade entre os povos africanos e de valorização da cultura. Fundou o Movimento Nacional Congoles, foi primeiro-ministro do Congo m 1960, derrubado do poder por um golpe de estado e assassinado quando tentava fugir para a ex-União Soviética.
2 Esta obra de Caio Prado Jr. editada em 1959, fora elaborada posteriormente como Introdução à sua obra “Dialética do Conhecimento” (1952)