quarta-feira, 17 de julho de 2013

Espionagem global: "A liberdade de cada cidadão está ameaçada"

Carta Maior

Duas ONGs com sede na França, a Liga de Direitos Humanos (LDH) e a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), ingressaram com uma ação junto à Procuradoria da República acusando a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) e várias empresas transnacionais de internet: Google, Yahoo!, Facebook, Microsoft, Paltalk, Skype, Youtube, AOL e Apple. As duas ONGs consideram que essas empresas estão implicadas no esquema de espionagem mundial que Washington organizou por meio do sistema Prisma e cuja metodologia foi revelada pelo ex-agente da CIA e da NSA, Edward Snowden. Até agora é a única ação impetrada na Europa contra os Estados Unidos ou suas empresas. Todo o sistema político do Velho Continente se escondeu como um coelho assustado ante a prepotência tecnológica da Casa Branca.

Cúmulo do ridículo e da servidão, o governo “socialista” do presidente François Hollande impediu, junto com Itália, Espanha e Portugal, o sobrevoo pelo território francês do avião do presidente boliviano Evo Morales: algum serviço secreto inepto fez circular a informação segundo a qual Edward Snowden estava no avião de Evo Morales. Mais vergonhoso é o papel que desempenhou a imprensa diante de uma violação tão colonial do direito internacional. Ironias, títulos como “os latinos estão enojados”, ou boicote de informação marcaram a cobertura deste escândalo. É possível contar nos dedos de uma mão os jornais franceses que mencionaram a última cúpula do Mercosul e a convocação dos embaixadores dos países envolvidos no bloqueio do avião.

Em entrevista à Carta Maior, realizada em Paris, o advogado Patrick Baudouin, presidente de honra da FIDH, explica as bases da ação judicial na França e analisa tanto a prepotência norte-americana como o perfil de lacaio de Washington adotado pela União Europeia.

Carta Maior – Este episódio de espionagem planetária, violação do direito internacional contra um chefe de Estado e submissão da Europa é um caso de concurso. No entanto, apesar de sua amplitude e de suas múltiplas conexões, só vocês recorreram à justiça contra os envolvidos.

Patrick Baudouin – É assombroso, de fato, que a nossa seja a primeira ação apresentada. Decidimos iniciar o processo porque as revelações de Snowden permitiram descobrir a existência de um sistema de vigilância generalizada em escala planetária através da internet. A NSA, a CIA e o FBI podem ingressar nos programas dos gigantes da informática, Como Google, Yahoo!, Facebook, Microsoft e outros e recolher os dados. Isso permite que conheçam o nome do autor, do destinatário e o conteúdo das mensagens. Mas isso não se limita ao território norte-americano. Os Estados Unidos se julgam no direito de colocar em prática esse sistema em todo o mundo, na Europa, na América Latina, na Ásia. Isso é intolerável porque se opõe totalmente às legislações nacionais. O que está em jogo aqui é a liberdade do indivíduo. Nosso processo acusa a Agência Nacional de Segurança, a NSA, a CIA e, por cumplicidade, também os gigantes da informática. Essas empresas não podem ignorar o que se passa. Google, Facebook e os demais grupos dizem hoje que talvez tenha ocorrido espionagem mesmo, mas sem que eles se dessem conta disso. É uma piada! A base legal da ação é constituída pelas revelações de Snowden. O mais incrível está no fato de que os próprios responsáveis por esses abusos não questionam as informações sobre o ocorrido. Os EUA não negaram a veracidade das revelações. Pelo contrário, Washington disse: “senhor Snowden, você é culpado por ter dito a verdade. E nós não queremos que essa verdade seja dita”.

CM – As cifras sobre o volume de dados coletados é digna de ficção científica: são bilhões de informações.

PB – Desde que o sistema Prisma foi colocado em funcionamento houve 97 bilhões de comunicações controladas em todo o mundo. Entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, na França, foram controladas dois milhões de comunicações. O que nós queremos saber com nossa ação é quantas dessas comunicações foram utilizadas e com que finalidade. O escandaloso não reside em ativar um sistema de vigilância em torno de pessoas ligadas ao terrorismo ou ao crime organizado. Todo Estado democrático deve buscar se proteger e ter sistemas de controle. O escandaloso está em que, em nome dessa luta contra o terrorismo, se violaram todas as regras. Em vez de controlar as pessoas que podem ser perigosas se controlou todo mundo, sem distinção. A liberdade de cada cidadão ficou, assim, questionada. Podemos imaginar o que ocorreria se governos ditatoriais tivessem acesso a esses instrumentos e dados. Nada nos garante que, amanhã, na Espanha ou na França, não haja um governo de extrema direita, autoritário, ditatorial, o qual vai recorrer a essa informação para controlar a todos os indivíduos. Na Líbia vimos que o Coronel Kadafi tinha um sistema assim que permitiu com que prendesse e torturasse opositores. Nós buscamos precisamente limitar a amplitude desses sistemas. Queremos que se tome consciência do risco que esses dispositivos representam para a liberdade individual.

CM – Em meio a este escândalo, o Le Monde revelou que a França também tinha um sistema de vigilância semelhante.

PB – É verdade. Os chamados Estados democráticos reagiram timidamente quando as revelações de Snowden vieram a público. Podemos nos perguntar se essa tímida reação não se deve precisamente ao fato de que os responsáveis dessas democracias não se sentem um pouco responsáveis porque agem da mesma maneira.

CM – A América Latina também foi objeto dessa mesma espionagem. Estamos de novo frente a um império ao qual ninguém pode ser opor e que, com sua potência tecnológica, atropela todo o planeta?

PB – O imperialismo norte-americano é uma prática bem conhecida na América Latina. E justamente o que provocou um choque na Europa Ocidental foi que essa história teve o caráter de um descobrimento. Na América Latina o imperialismo e suas consequências são uma constante. Na Europa, não. Há algo que pode ser vantajoso em tudo isso: que a mobilização e a reação se ativem em todas as partes contra o imperialismo norte-americano. Contra o que alguns acreditam, não há nenhum ocaso do imperialismo norte-americano. Creio, ao contrário, que o poder dos EUA nunca foi tão importante como hoje. Desde os atentados de 11 de setembro, os Estados Unidos passaram por cima de todas as regras e leis. Há vários artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos que foram violados de maneira constante e com total impunidade. É isso que queremos denunciar. E esperamos que em outros países haja outras ONGs ou outras pessoas que entrem na Justiça contra os responsáveis por esse esquema de espionagem.

CM – A Europa, em vez de agir contra os Estados Unidos, terminou por castigar a América Latina quando bloqueou o avião do presidente boliviano. É uma forma de abuso colonial e de servidão diante da Casa Branca.

PB – Sim, absolutamente. Se este episódio fosse um filme seria uma comédia, mas não é. Trata-se de política internacional. Entre os países que impediram o sobrevoo de seu território, a França acabou se expondo ao ridículo. Houve, de fato, um medo imediato de incomodar aos Estados Unidos e provocar medidas de retaliação. Para evitar um problema com os EUA pela possível passagem de Snowden em um avião, decidiu-se proibir o sobrevoo do território. Aqui temos a prova definitiva de que estamos a reboque dos Estados Unidos. Mesmo um governo socialista, de quem esperaríamos uma atitude menos deslumbrada que a de seu predecessor, o conservador Nicolas Sarkozy, repito, mesmo um governo socialista segue a mesma linha. Infelizmente, na França e em muitos países europeus seguimos sendo os servos do que ainda é preciso chamar de imperialismo norte-americano. É uma ilustração desastrosa.



FONTE: Carta Maior

Democracia colaborativa só aconteceu na Islândia por pressão popular, diz constituinte

Sugestões puderam ser encaminhadas no país por meio de redes sociais como Twitter e Facebook

Por Gonzaga Dorneles



Apesar da falta de vontade dos políticos tradicionais de “dividir o poder”, os cidadãos devem pressioná-los para elevar sua participação nas decisões que afetam suas próprias vidas. Essa é a opinião de Eiríkur Bergmann, professor da Escola de Ciências Sociais da Bifröst University e um dos 25 integrantes da comissão responsável pela elaboração da proposta de nova Constituição da Islândia em 2012, um processo que foi feito com ajuda da população via Facebook e Twitter.

A ideia inovadora de participação popular via internet aplicada na Islândia após a crise dos bancos de 2008 apareceu nos protestos pacíficos conhecidos como “Revolução das Panelas e Frigideiras”. Quando os integrantes da constituinte foram eleitos para fazer uma nova Carta Magna que substituísse a vigente desde 1944, quando o país se tornou independente e praticamente copiou a mesma Constituição da Dinamarca, convidaram a população a enviar sugestões em redes sociais e pelo site oficial do processo. “Publicávamos tudo o que estávamos escrevendo, ainda que não estivesse pronto. Dessa forma, as pessoas davam sua opinião e nós revisávamos e melhorávamos o texto”, contou Bergmann.

O professor, que esteve em Porto Alegre em maio para participar do Conexões Globais, um evento da Secretaria de Inclusão Digital sobre participação popular via internet, defende que a tecnologia está se inserindo dentro do universo da democracia. No entanto, isso não significa uma quebra de paradigmas. “Não vejo essa mudança como um novo tipo de democracia, uma substituição completa da democracia participativa, mas sim como um complemento”, afirma.

Ele afirma que o processo de elaboração do texto da nova Constituição islandesa, que posteriormente foi aprovada pela população, mas empacou quando chegou ao Parlamento, só foi possível porque, além de 95% da população local estar conectada, havia um clima de insatisfação que fez aumentar a responsabilidade dos cidadãos para melhorar a situação do país. Para Bergmann, a Islândia é um exemplo até para o Brasil. “No momento que o acesso à tecnologia aumenta, cresce também a possibilidade de participar de forma direta da democracia”, diz.

A ideia islandesa já foi copiada em países como Irlanda, Bélgica, Holanda, Canadá e, recentemente, até no processo de diálogo de paz entre o governo da Colômbia e a as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), para o qual um site foi criado para receber as sugestões dos cidadãos nas negociações. Eiríkur Bergmann acredita que o Brasil tem potencial para fazer algo semelhante e justifica citando como exemplo os movimentos políticos da década de 1980, como as Diretas Já e o Fora Collor. “O Brasil tem um histórico bastante interessante de participação. Acho que existe pelo menos uma boa parte da população brasileira que participou de exercícios democráticos desse tipo”, defende.

Confira os principais trechos da entrevista concedida por Eiríkur Bergmann:

Opera Mundi: O senhor acredita que esse modelo de participação popular via internet que deu certo em seu país pode funcionar também em outras partes do mundo?

Eiríkur Bergmann: Estamos em um momento de mudança em termos de democracia. Nas ultimas décadas e séculos, nós éramos parte de uma democracia de representação, mas agora há um processo de mudança que está transformando em modelos mais participativos de democracia. Na Islândia, a população fez parte da criação da Constituição depois de uma profunda crise marcada pela democracia representativa.

Acho que é preciso diferenciar a democracia representativa, mais antiga, desse novo modelo de democracia mais avançado. Não estou dizendo que esse novo modelo vai substituir a “velha” democracia, mas sim que pode ser um complemento. Agora na Irlanda está acontecendo uma convenção da Constituição que também acontece em outros países como Holanda, Bélgica, Canadá e aqui em Porto Alegre também, essa é a magnificência da democracia participativa. A questão é que nós estamos esperando por esse momento há muito tempo. A tecnologia está avançada o suficiente e sinto que somente agora ela é capaz de espalhar as ideias democráticas mais além. Nós temos a tecnologia há 20 anos, mas não tínhamos uma população conectada. No entanto, acredito que o maior desafio será a classe política... Eles não são muito bons em dividir o poder com o povo, os cidadãos devem pressionar para que isso aconteça.

OM: Como o senhor avalia essa democracia colaborativa no Brasil? O senhor acredita que tecnologia e democracia podem trabalhar juntas em um país como o Brasil?

EB: Sim, acho que sim. Creio que até mais aqui no Brasil do que em outros países, pois vocês têm uma herança muito interessante em termos de participação. Me parece que pelo menos parte da população brasileira participa desse tipo de processo democrático e, por isso, o Brasil estaria numa posição privilegiada para fazer um grande projeto como a Constituição. Mas, para isso, o governo precisa demonstrar interesse e, geralmente, ele só se interessa em fazer o que o povo pressiona eles a fazer. Basicamente, creio que está nas mãos do povo. Acredito que esse tipo de exercício será cada vez mais comum.

OM: O senhor acredita que um processo como a constituinte colaborativa seria possível no Brasil? Na Islândia, a maioria das pessoas tem acesso à internet e, no Brasil, a metade...

EB: Sim, esse é o problema em outros lugares também, pois mesmo estando presente, [a tecnologia] não é de acesso a todos. Eu só gostaria de deixar claro que na Islândia a Constituição ainda não foi ativada, está no Parlamento e, como não temos um governo muito favorável no momento, não sabemos ao certo como será o final. Mas, sim, a internet ajudou a Islândia com uma população em que 95% têm acesso à internet e somos gratos por essa ferramenta. Além disso, a Islândia é um país pequeno, o que torna mais fácil que isso seja possível. Aqui é muito mais diversificado, mas isso também não significa que não possa ser feito.

OM: Então o senhor acredita que isso pode ser feito em países maiores?

EB: Claro que sim. Nós estamos em um estágio bem inicial nessa mudança de modelo democrático. Talvez devêssemos dar uma olhada na história. A Grécia, por exemplo, atingiu um estado democrático dessa maneira. Quando você tem pessoas unidas lutando por algo, aí chegamos à democracia representativa. De certa maneira estamos voltando a desenvolver esse mecanismo para podermos avançar. Eu acho que precisamos de mais exercícios como esse que está ocorrendo em Porto Alegre, outros na América do Sul, na Islândia e em outros países da Europa. Acredito que quando esses exemplos começarem a se acumular, será muito mais fácil avançar na integração democrática, não apenas conversando como estamos fazendo agora, mas ativamente.

OM: Como os políticos e o governo viram o processo que está ocorrendo na Islândia?

EB: A relação foi muito difícil porque o colapso de 2008 não foi somente uma crise econômica, mas também uma crise política e de identidade. As pessoas estavam gritando contra isso e então tivemos uma espécie de mini revolução, não de forma agressiva, pois nenhum sangue foi derramado. Uma das principais reivindicações era uma nova Constituição e a razão para isso tem raízes históricas. Foi por pressão popular que o governo concordou desenvolver uma nova Constituição. Mas a relação entre Parlamento e governo sempre foi difícil e, mesmo quando a Constituição foi votada em um referendo, ainda assim havia barreiras por parte dos políticos mais tradicionais e da elite, que foram sempre contra as mudanças. Para fazer isso, você precisa da força do povo, da pressão da sociedade. É aí que a tecnologia entra.

OM: O senhor acredita que hoje as pessoas acreditam mais no governo por terem participado das decisões?

EB: É difícil dizer, não tenho uma resposta clara. Isso deu às pessoas que participaram uma ideia de pertencer a algo. Eles eram mais que espectadores na recuperação da Islândia e, nesse sentido, foi uma espécie de cura para a sociedade. Foi mais construtivo do que simplesmente protestar.

OM: A iniciativa de chamar a população para participar partiu de quem?

EB: Começou nos protestos pela crise e, por causa dessa pressão da população, os políticos se mexeram para levantar essa ideia. Eles acabaram aceitando isso porque precisam ser reeleitos e pensaram que deveriam atender ao desejo do povo para que as pessoas votem neles novamente. Eles tinham medo de serem punidos nas eleições se fossem contra a nova democratização. Então, começa com o povo e termina com o povo.


FONTE: ControVérsia

terça-feira, 16 de julho de 2013

Há que derrotar o oligopólio informacional

Aos grandes meios não há que pedir melhorias, há que tomá-los! Como? Essa pergunta ainda não tem resposta, mas é para ela que temos de caminhar

por Elaine Tavares/Brasil de Fato 


O Primeiro Seminário Unificado de Imprensa Sindical, promovido por um grupo de sindicatos de Florianópolis, partiu de uma pergunta, praticamente retórica: por que os trabalhadores não são notícias? Ora, essa questão tem uma resposta óbvia. Vivemos em processo de luta de classe no sistema capitalista que é predador. E, nesse sistema, quem detém o poder é quem determina o que sai na imprensa.
  
A mídia comercial nada mais é do que uma ventríloqua do sistema. Através das bocas alugadas sai a matéria prima que sustenta a classe dominante. Por isso, as lutas dos trabalhadores não interessam à mídia, a não ser como possibilidade de sujar, embaralhar e enganar a população. Trabalhadores em luta são sempre vândalos, baderneiros, bando. Agora, nos protestos das últimas semanas, em Santa Catarina, ouvimos o coronel da polícia dizer claramente: "protegemos os manifestantes porque não são sindicatos, nem movimentos de trabalhadores, é a sociedade". Ora, e o que são os trabalhadores senão a sociedade? Para a classe dominante não. Assim, compreendendo isso parte do problema se esclarece.
  
Os trabalhadores não são notícia porque suas lutas não interessam ao sistema. Dito melhor, essas lutas, que aparecem como desestabilizantes, precisam ser escondidas ou deturpadas. Por isso aparece quase como uma ingenuidade a ideia de "mais democracia" nos meios de comunicação. Aos grandes meios não há que pedir melhorias, há que tomá-los! Como? Essa pergunta ainda não tem resposta, mas é para ela que temos de caminhar.

Nesse universo de controle oligopólico da informação por parte dos meios comerciais - seis famílias ou grupos controlam tudo que vemos, lemos e escutamos -  estamos nós, os chamados meios alternativos, populares ou comunitários. E a pergunta que se faz necessária é: disputamos, de fato a hegemonia? Uma rádio comunitária, como é o nosso caso do Campeche, que poder tem diante do oligopólio? Como constituir uma audiência que de fato dispute com o Jornal do Almoço ou o RBS Notícias? Podemos fazer isso ou apenas atuamos na resistência?.

A Rádio Campeche se diferencia de muitas rádios comunitárias porque foi criada desde a luta mesma. Nasceu da articulação orgânica de vários movimentos que já atuavam no bairro do Campeche na luta pelo plano diretor, pelo saneamento, pela qualidade de vida. Esses movimentos foram os que decidiram criar a Associação Radio Campeche. Então, ela é fruto legítimo da organização comunitária. Está no ar, 24 horas, desde 2004, embora tenha iniciado sua programação ao vivo só em  2006. Tenho o privilégio de fazer parte do grupo que instituiu o primeiro programa ao vivo, o Campo de Peixe, no ar até hoje.

Nossos programas abrem os microfones para a comunidade e tudo que acontece no sul da ilha passa por ali, embora não tenhamos um programa específico de jornalismo diário. Ainda assim, todos os programas ao vivo tem o compromisso de trazer a voz da comunidade. Alguns conseguem mais outros menos.

Tivemos momentos importantes no bairro que mostram a força da rádio, como no caso do "Bar do Chico", espaço histórico da comunidade que foi derrubado pela prefeitura. Nos dias em que vinham as máquinas, havia uma chamada à população pelos microfones da rádio, as gentes acorriam ao bar, protegendo-o, e isso impediu muitas vezes que a prefeitura o colocasse no chão. Tanto que só conseguiram fazê-lo porque trouxeram as máquinas de madrugada, quando a comunidade dormia.

Também quando ocorrem grandes chuvas e alagamentos, os líderes comunitários aportam na rádio para informar e organizar a comunidade. São coisas que definem o nosso trabalho. Mas, sabemos que 30 segundo no RBS Notícias podem por abaixo todas as informações que divulgamos durante os programas. Um exemplo disso foi a luta que travamos contra a destruição de parte da mata atlântica para a realização de um show do cantor estadunidense Ben Harper.

Durante semanas fizemos campanha contra a derrubada das árvores, pela segurança das gentes e tivemos o apoio da comunidade. Mas, a entrada da RBS no tema fez com que muita gente se voltasse contra nós, acusando-nos de "contra o progresso". Conseguimos barrar a derrubada das árvores, mas o show aconteceu.

Nesse sentido é importante ressaltar que os meios de comunicação comunitários são importantes, é fato, mas, sozinhos, não conseguem competir com eficácia diante da alienação e confusão provocadas pela grande mídia. Nossa única chance como meios alternativos e comunitários é unir as forças e potencializá-las. Essa outra informação, que forma, que contextualiza, que esclarece, precisa estar em rede. Temos de reproduzir uns aos outros, formar grupos, replicar as notícias de cada um. Isso funciona em alguma medida, mas não é suficiente. A verdadeira saída é controlar os meios massivos. E, para isso, o desafio maior é o de mudar o estado, avançar para uma democracia participativa. Vai daí que essa é uma luta gigante a ser travada.

Agora estamos aí discutindo a lei de meios. Essa novidade começou com a Venezuela em 2004 , quando criou uma lei específica da comunicação que foi uma revolução no setor. Mas a Venezuela estava em processo de transformação, com o povo organizado e nas ruas, querendo mudança. Tanto que levaram dois anos discutindo, com ampla participação das gentes, o que resultou numa lei extremamente completa e democrática. Depois vieram leis similares na Argentina, na Bolívia, no Equador. Todos esses países estão em processo de transformação da forma de ser estado, com ampla participação popular nos debates, com movimentos sociais muito fortes, gente com poder de decisão.

No Brasil estamos tentando dar foco nessa questão, mas qual é a nossa chance? Temos uma Federação de Jornalistas extremamente formalista, sem perfil popular, que não encaminha lutas no chão da vida. Temos o fórum de democratização da comunicação e o Intervozes que estão nesses debate, mas são financiados por fundações estrangeiras, do tipo Ford. Isso é problemático, uma vez que sabemos muito bem qual é o papel dessas fundações estadunidenses no mundo: desmobilizar, desfazer, desestruturar.

Temos um Congresso Nacional dos mais conservadores, com ampla bancada de proprietários de meios de comunicação. Assim, como vamos avançar para uma lei de meios se não tivermos uma sociedade em ebulição como é o caso dos países já citados? Se esse debate não se encarnar na vida real, nos movimentos sociais, nos sindicatos, corremos o risco de construir uma lei de meios minotáurica, disforme, formal, não revolucionária.

Então, o papel dos trabalhadores e imprensa sindical é bem mais importante do que apenas compreender como fazer as notícias das lutas saírem nos jornais. Enquanto esses jornais, rádios e TVs estiverem na mão da classe dominante nada vai mudar. É preciso dar combate para construir uma outra forma de ser estado, com verdadeira participação popular. O Vito Gianotte tem falado aí há anos sobre isso, sobre os sindicatos se unirem e construírem veículos massivos de comunicação, mas a gente vê que a coisa não avança. Poucos usam dos seus meios de comunicação para tratar de assuntos fora do mundo do trabalho. Preferem apostar em proselitismo, em discursos vazios.

Os trabalhadores precisam de informação de qualidade, de análise sobre o que acontece no mundo, na aldeia. Eles não são otários. E temos de dar a eles uma "fina iguaria", como dizia o grande repórter Marcos Faermann. Mas, fundamentalmente temos de dar batalha a esse estado, fomentar a rebeldia, a desconstrução, a transformação. Sem isso, só faremos remendos...

Elaine Tavares é jornalista


FONTE: Brasil de Fato 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Considerações sobres as Manifestações de junho no Brasil

Por Aluizio Moreira

Manifestações na Europa
A primeira imagem que nos veio à lembrança, foi do movimento Occupy Wall Street iniciado em setembro de 2011 no distrito financeiro de Nova York, surgido não apenas como protesto contra o setor financeiro, mas contra as desigualdades econômicas, sociais, e a impunidade dos responsáveis pela crise financeira mundial Após ter se espalhado por várias cidades dos Estados Unidos (Boston, Los Angeles, Portland, Chicago, São Francisco), manifestações semelhantes eclodiram em vários países da Europa, sem esquecermos a Turquia.

Existem algumas características comuns a todos esses movimentos: foram movimentos de massa, se espalharam pelo espaço urbano, aconteceram sob a liderança dos partidos políticos, se insurgiram contra os efeitos globalizantes do capitalismo, contra a desigualdade na distribuição de renda, contra a corrupção, contra os desmandos financeiros dos governos, contra os acordos com instituições como o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.

Manifestações na Europa
É incontestável que os movimentos surgidos na Europa, Estados Unidos, Mundo árabe e até em países do antigo bloco comunista (Estônia, Hungria, Iugoslávia, Eslováquia) foram respostas às crises econômico-financeiras, que atingiram em cheio um grande número de nações. Na maioria dos países europeus em crise (Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Islândia), a população dos indignados se posicionou contra o acordos com a Troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional), para a solução (?) dos seus problemas.

Em junho deste ano, o Brasil foi palco de manifestações que ocorreram em todo país, não só nas capitais, mas em inúmeras cidades do interior de vários Estados, superando em termos de mobilização da população, os Movimentos “Pelas Diretas Já!” e “Fora Collor!” liderados esses por personalidades e partidos políticos tradicionais. 

É possível extrairmos desses movimentos de junho algumas conclusões, a fim de tentarmos compreender esse momento histórico que atravessamos no Brasil, considerando as nossas especificidades em relação aos movimentos dos Indignados acontecidos em outras partes do mundo.

Em primeiro lugar, é necessário que esses movimentos não sejam vistos e saudados como movimentos de contestação ao sistema capitalista, mas contra alguns dos seus aspectos. Ou seja, reivindicar humanização do espaço urbano, melhorias para a educação, saúde e transporte coletivo, exigir o fim da corrupção, maior controle dos gastos financeiros dos governantes, nada disso pode ser visto como propostas revolucionárias que fatalmente desembocariam no fim do capitalismo e a instituição de uma sociedade de novo tipo. Nem sempre movimentos de massa podem ser considerados movimentos revolucionários.

Manifestações no Brasil
Segundo, mesmo considerando a ausência, entre nós, de partidos políticos tradicionais, todos esses movimentos foram movimentos políticos, inclusive pela pequena demonstração de rejeição, beirando a agressividade, contra a presença de partidos comunistas entre os manifestantes. Isto no Brasil, pois em relação aos movimentos acontecidos na maioria dos países europeus, não existem informações sobre a alguma retaliação desse tipo: as bandeiras dos partidos comunistas estavam presentes ao lado de cartazes e slogans anarquistas e socialistas.

Terceiro, sem risco de errarmos, podemos afirmar que o que fica evidenciado é a falência do sistema de representação politica da democracia parlamentar burguesa. Na verdade não nos sentimos representados pelos poderes instituídos, muito menos pelos que fazem esses poderes. Evidentemente não se trata de abolirmos essas instituições, mas criarmos mecanismos de controle e de exercício do poder, como formas de atuação da sociedade civil, não apenas para participarmos, de quatro em quatro anos, da escolha dos nossos “representantes” para exercício do poder politico, seja ao nível de Municípios, Estados e União. Afinal de contas, temos que nos conscientizarmos dos limites da democracia representativa, em termos de avanços da representação popular e das conquistas das massas trabalhadoras, embora partidos de esquerda, inclusive comunistas, invistam em parcerias com os parlamentos burgueses, contribuindo com a gestão para a “melhoria” do sistema. 

Manifestações no Brasil
Na medida em que esses movimentos no Brasil mais especificamente, se apresentem como puramente reivindicatórios, pontuados aqui e ali por questões que vão das pressões pela redução dos preços das passagens de coletivos à rejeição da PEC 37, a ausência de um programa que estabeleça uma meta a ser atingida, poderá levar esses movimentos a uma situação de esgotamento e de indecisão quanto aos seus rumos futuros. 

Contempladas a redução nos preços das passagens, rejeição da PEC 37, mais verbas para a educação e saúde, maior rigor nas penalidades impostas aos corruptos, implantação de algumas reformas politicas (via plebiscito ou referendo) facilmente absorvidas pela elite no poder (fim do voto secreto, transparência no financiamento das campanhas eleitorais, etc). . . contempladas todas essas reivindicações construiremos um outro Brasil?

Apesar de todas essas limitações, aos movimentos de junho devem se creditados a capacidade das massas de se articularem e a demonstração de que mudar é possível. É fundamental que haja um trabalho de conscientização e uma mobilização organizada das massas em conselhos enquanto órgãos de representação popular, para além da chamada democracia participativa. É através desses conselhos que deverão ser estabelecidas metas politicas claras e essenciais, que pela sua natureza possibilitará transformar, e não apenas melhorar o mundo. Transformação que só acontecerá pela determinação da sociedade civil na sua luta contra o Estado.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Programas do governo federal incentivam ensino privado

Cursar uma faculdade, antigamente, era um sonho distante para a maioria dos brasileiros. O acesso ao ensino superior, em geral, ficava restrito aos estudantes de renda mais alta que, se não garantissem vaga pública, ao menos poderiam arcar com as mensalidades de uma escola privada.

Por Patrícia Benvenuti

Para especialistas, ProUni e Fies impulsionaram
mercantilização do ensino

De alguns anos para cá, porém, essa realidade começou a mudar. A aposta do governo federal em incentivos como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) possibilitaram o ingresso de mais de um milhão de alunos de famílias pobres à universidade. 

Os estudantes, porém, não foram os únicos beneficiados. Quem saiu ganhando também foram as faculdades privadas, que ganharam isenções e grandes injeções de recursos públicos. 

Críticas

Apesar de facilitarem o ingresso de mais estudantes ao ensino superior, as iniciativas costumam ser alvo de polêmica. O tom das criticas aumentou após o anúncio da fusão entre os grupos educacionais Kroton e Anhanguera, em 22 de abril. Juntas, as empresas terão 15% do total de universitários do país. 

Para o presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso Napolitano, os programas têm contribuído para a transformação do ensino em um grande negócio. Com um número cada vez maior de candidatos a uma vaga na universidade e com dinheiro público disponível para financiá-los, tornou-se lucrativo investir no setor de educação. 

“Toda a atividade empresarial do ensino particular é baseada no financiamento que o governo está proporcionando ao alunado”, afirma Napolitano. 

A opinião é compartilhada pelo professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gaudêncio Frigotto, que vê uma relação clara entre os benefícios recebidos e o fortalecimento do setor privado de ensino. “Se o próprio fundo público garante vagas com isenção de impostos, evidentemente é um incentivo”, afirma. 

Potências hoje do mercado, em 2012 a Anhanguera e a Kroton lideravam, em primeiro e em terceiro lugar, a lista de universidades que mais ofereciam vagas pelo ProUni. Alem disso, os dois grupos contam com mais de 120 mil alunos inscritos no Fies. 

Programas

Criado em 2004, o ProUni concede bolsas de estudos parciais ou integrais em instituições privadas a famílias de baixa renda. A contrapartida para as escolas que oferecem as bolsas é a isenção de impostos. Desde 2005, as renúncias fiscais com o ProUni somam mais de R$ 3 bilhões. 

Já o Fies, criado em 1999, possibilita que o estudante pague o curso no final da sua graduação, com juros de 3,4% ao ano e um prazo de carência de 18 meses. Para bancar a permanência dos alunos, o governo federal repassa recursos às instituições privadas. O Fies atende hoje 871 mil universitários em todo o país. 

Se na teoria todos ganham, na prática não é bem assim. Segundo o presidente da Fepesp, é comum que as universidades cobrem do governo federal um valor mais alto do o custo real de cada aluno. O resultado é um prejuízo para os cofres públicos. “Eles [grupos privados] estipulam o preço da mensalidade e cobram preço de vitrine, não preço de custo”, diz. 

Uma das campeãs de denúncias é o Grupo Educacional Uniesp, de São Paulo. A instituição estaria cobrando do governo federal, pelos alunos do Fies, um valor até três vezes maior que o pago por alunos sem financiamento. Outra irregularidade, investigada pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Polícia Federal, é a propaganda enganosa. 

A empresa estimularia a entrada de novos alunos com a promessa de que a dívida com a Caixa, que financia o programa, seria quitada pela própria faculdade, que também pagaria até R$ 250 reais para quem indicasse um novo estudante. “O que nós temos aí é um grande mercado, que quem está bancando, na prática, é o cidadão brasileiro”, afirma o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP). 

Falta de qualidade

Na avaliação do professor Romualdo Portela de Oliveira, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a entrada de alunos de baixa renda na universidade possui um valor simbólico inegável. Entretanto, ele alerta que a oferta de vagas no setor privado não tem sido acompanhada por um ensino de qualidade. 

“Se você fizer uma análise mais acurada dessas instituições, vai perceber que elas são muito ruins do ponto de vista da qualidade”, afirma. Nesse sentido, Oliveira entende que o governo federal comete um equívoco ao priorizar apenas o aumento do número de universitários, sem levar em conta sua formação. “Como essas instituições são de baixa qualidade, você perde a oportunidade de ter uma política de formação de mão de obra de qualidade, que é a necessidade de economia do século 21”, argumenta. 

Atualmente, das 2.365 instituições de ensino superior no Brasil, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas, segundo o Censo da Educação Superior 2011 do MEC. Além disso, 73,7% dos alunos matriculados em 2011 no ensino superior estavam no setor privado. 

Para o professor Zacarias Gama, da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a preferência por programas de financiamento tem consumido recursos que poderiam ser utilizados para a expansão do ensino público. 

“As verbas destinadas ao ProUni e ao FIES, as desonerações fiscais obtidas a partir de pressões políticas e o volume de bolsas concedidas contingenciam a educação pública em todos os níveis e modalidades”, explica. 

Concentração

E as perspectivas não são as melhores, segundo Gama. Com a fusão entre a Kroton e a Anhanguera, a tendência é de mais concentração, o que aumentará o poder econômico e político das empresas. 

“Ele [setor de ensino privado] facilmente pode constituir lobbies e até uma bancada parlamentar junto ao Congresso Nacional e ao MEC no sentido de ampliar e favorecer sua atuação”, alerta o professor da Uerj. 

Nem todos, porém, compartilham das críticas aos programas. O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Illiescu, acredita que além de ampliar o acesso ao ensino superior para jovens de baixa renda, o ProUni e o Fies representam uma “intervenção” do Estado junto às faculdades privadas. 

“É um dos raríssimos exemplos no país de uma política pública que faz o Estado intervir na universidade privada”, diz. Para Iliescu, o problema não está na existência dos programas, e sim na falta de regulação do setor. Segundo ele, é preciso cobrar das instituições privadas, muitas delas controladas por agentes financeiros internacionais, a mesma qualidade que se exige no ensino público. 

“O governo convive com a noção de que é possível acomodar a boa educação pública patrocinada pelo Estado com educação privada capenga e mal regulada. Mas é preciso enfrentar esses representantes da estrangeirização do ensino”, assegura. 

Na mira das investigações 

Lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, aquisições ilícitas, sonegação fiscal, venda de diplomas, convênios ilegais e assédio moral contra professores. Esses são algumas das práticas cometidas pelas faculdades particulares, apuradas pela CPI das Universidades Privadas. 

Instaurada em agosto do ano passado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a CPI investigou as instituições que atuam no Rio de Janeiro. As denúncias partiram de professores e alunos, que relatavam aumento nas mensalidades, falta de pagamento aos professores e infraestrutura precária. 

O documento final da CPI, elaborado pelo relator Robson Leite (PT-RJ), pede a intervenção imediata do governo federal na UniverCidade e na Universidade Gama Filho. As duas instituições foram adquiridas em 2011 pelo Grupo Galileo Educacional, também alvo de investigações. Segundo o relatório, só o Grupo Galileo teria uma dívida trabalhista de mais de R$ 50 milhões. 

Kroton

O relatório sugeriu ainda ao Ministério Público Federal (MPF) o indiciamento de seis empresários – dentre eles, dois executivos do Grupo Kroton que, em abril, anunciou sua fusão com a Anhanguera. 

Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton e futuro diretor da nova companhia, e Igor Xavier, vice-presidente de Operações do grupo, podem ser indiciados em função de supostas irregularidades cometidas na compra e venda da Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (Suesc). 

Em depoimento à CPI, o aluno da Suesc Elder de Araújo Nascimento relatou que a instituição foi vendida para a Kroton Educacional por meio da Editora e Distribuidora Educacional, que faz parte do grupo. 

Após a venda, a Kroton passou a utilizar o nome “Pitágoras”, marca registrada pela empresa, e demitiu vários professores. Além disso, os estudantes passaram a ter aulas em um local que funcionava como agência de automóveis após a desapropriação do prédio que sediava a faculdade. 

A Suesc pertenceu à Kroton até 2011; depois disso, foi vendida ao Grupo Educacional Uniesp, de São Paulo, envolvido em uma série de denúncias relativas ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). 

Em um comunicado, a Kroton afirmou que “desconhece e repudia enfaticamente qualquer fundamento ou dúvida, por menor que seja, que levem a questionamentos sobre a lisura dos processos de venda da Suesc e do imóvel”. 

Além dos executivos da Kroton, podem ser indiciados os empresários Candido Mendes (Ucam), Márcio André Mendes Costa (ex-controlador do Grupo Galileo, que administrou a UniverCidade e a Gama Filho entre 2010 e 2012), e Rui Muniz, da Universidade Santa Úrsula. 

Outra recomendação do relatório, que seguirá para o plenário, é de que o Ministério da Educação utilize o cumprimento de direitos trabalhistas como condicionante para a concessão de licenças, credenciamento de novos cursos, recredenciamento das IES privadas e também para a realização dos convênios ao ProUni e ao Fies.


FONTE: ControVérsia

Protestos mostram esgotamento da democracia parlamentar

Filósofo e colunista de CartaCapital afirma que partidos não devem deter o monopólio da estrutura de representação social do País.

Por Gabriel Bonis


As manifestações que se espalharam pelo Brasil nas últimas semanas demonstram um esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal, segundo o filósofo Vladimir Safatle, colunista de CartaCapital e professor da Universidade de São Paulo. “As pessoas não se sentem mais representadas. Isso é algo global. Aparece em vários locais do mundo, até da mesma maneira em relação aos partidos políticos e à imprensa”, diz, em entrevista para um documentário sobre os protestos produzido pelo site de CartaCapital, com lançamento previsto para as próximas semanas.

Segundo o filósofo, os movimentos que tomaram às ruas do País estão apenas começando suas ações e as pessoas voltarão às ruas sempre que precisarem defender causas relevantes.

Abaixo, trechos da entrevista (confira, em breve, outras partes da conversa no documentário):

PROTESTOS

Os protestos e os movimentos que eles produziram só começaram. O que é mais importante virá daqui para frente. Quando esses movimentos ocorrem, eles não desaparecem. Mesmo que fiquem em latência e se arrefeçam, em algum momento, se voltar a existir algum momento político forte, eles voltam com força. Temos manifestações ininterruptas há quase um mês.

O QUE DEIXARAM

Deixaram a configuração de um novo modelo de lutas políticas no Brasil. Onde a manifestação de rua e os protestos ganham uma força de ressonância muito forte. Durante dois ou três anos, tivemos manifestações quase ininterruptas no Brasil, como greves de todas as naturezas: greves de professores, bombeiros, policiais e coveiros. Tivemos também manifestações com pautas a costumes como os direitos a homossexuais, aborto, uso da maconha, repressão policial. No entanto, ninguém fez uma associação ligando os pontos de que havia algo embrionário na politica brasileira. Um deslocamento da política fora dos bastidores em direção às ruas.

Ninguém viu isso porque estávamos anestesiados com a ideia de que havíamos chegado a um patamar de normalidade política tal, que todas as discussões políticas seriam ligadas a quem vai gerenciar o processo de desenvolvimento brasileiro, quem serão os consórcios. Abria as páginas de jornais e via coisas mínimas sobre greves, mas sobre os acordos entre partidos tinham milhões de análises como se esse fosse o foco fundamental da política.

Esse processo foi um hiato na política brasileira, a ideia de ser possível organizar a política dentro do mero quadro institucional. A política do País sempre foi de mobilização de rua, seja de direita ou de esquerda, esse é o natural aqui. De certa forma, essas manifestações colocaram a política brasileira no seu lugar natural.  Ninguém do Judiciário ou do Congresso vai poder de novo tomar decisões de costas para a opinião pública, como foi muito comum nos últimos anos.

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Há uma consciência cada vez mais clara do esgotamento do modelo de democracia parlamentar liberal. As pessoas não se sentem mais representadas. Isso não é local, é global. Aparece em vários locais do mundo, até da mesma maneira em relação aos partidos políticos e à imprensa. Essa ideia de que a imprensa poderia falar em nome da população. Bem, a população ela vira os carros da imprensa e coloca fogo. Isso significa que eles sentem que existe uma crise de representatividade muito mais ampla dos atores políticos da vida social contemporânea.

Em uma situação como essa é preciso dar lugar a essa força instituinte da participação popular direta para que ela possa reconstruir as bases do processo institucional. Essa demanda de reconstrução está muito presente no debate brasileiro.

PARTIDOS

Quando os manifestantes dizem que são contra partidos, estão dizendo que a estrutura de monopólio da representação pelos partidos se esgotou. Não é possível imaginar que só os partidos tenham o monopólio da representação política. De onde vem essa ideia de que aonde os partidos não são fortes, a democracia é fraca? Isso não é verdade. A democracia é fraca quando tem um poder instituinte que não é ouvido. Porque ai há a corrupção dos partidos e a institucionalização dos processos políticos. E isso é o que vimos acontecer em várias democracias que julgávamos serem maduras, como na França, Espanha e Inglaterra. É uma pauta concreta.

Existe uma necessidade de reinvenção democrática. Não é possível que sejamos tão cegos. As pessoas querem modelos de participação e organização diferentes. Partidos serão só um elemento entre outros dentro de um novo acordo. Por exemplo, é necessário confiar na capacidade da população de inventar procedimentos. A democracia é invenção, mas nos adaptamos a ideia de que todos os processos estão postos e basta eles funcionarem direito. Isso é falso. Eles nunca funcionaram direito porque são processos em contínua reinvenção.

A democracia direta pode ser pensada de diversas formas: porque um candidato independente não pode se apresentar em uma eleição? Porque não implementar uma ideia usada na Islândia e outros lugares, onde a participação popular tem o poder de veto? Se 10% da população se manifestar sobre uma lei do Parlamento ela é vetada e deve haver uma consulta por sufrágio. O poder popular não é só consultivo e propositivo, como aqui há a ideia de se juntar 1 milhão de assinaturas e levar uma pauta ao Congresso, mas é um poder de veto, impedir que o Congresso tome certas decisões.

FONTE: ControVérsia

domingo, 7 de julho de 2013

O virus da violência

Alena Pashnova *

Há uns dias, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório aterrador: segundo as últimas investigações, uma em cada três mulheres no mundo já sofreu violência física, sexual ou ambas por parte de seus companheiros.

Foi o primeiro estudo sistemático em âmbito mundial que recopilou os dados sobre a violência contra as mulheres exercida por seus companheiros e por outras pessoas. Comprovou-se que em qualquer continente ou região do mundo uma mulher corre mais risco de ser violentada e abusada por seu companheiro do que por uma pessoa desconhecida.

Não temos que ir longe para encontrar um exemplo, já que o mundo ficou pasmado ante uma recente notícia sobre uma menina boliviana de 12 anos grávida após sofrer anos de violações por parte de seus familiares mais próximos: seu pai,s eu tio e seu padrinho.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi), 47 em cada 100 mexicanas que cumpriram 15 anos e já tiveram companheiro, foram vítimas de situações de violência física, econômica, sexual ou emocional por parte de seu ex-companheiro ou seu companheiro atual.

De acordo com especialistas no tema, as estatísticas não variam drasticamente dentro de grupos com diferentes níveis de educação, socioeconômico, nacionalidades ou religiões. Para realizar uma breve comparação, na Rússia há registro de incidente de violência em uma de cada quatro famílias.

Infelizmente, a realidade não mudou muito desde que, em 1979, a ONU reconheceu que a violência no âmbito familiar é o crime encoberto mais frequente do mundo.

Desde finais do século passado, o tema deixou de ser proibido e realizaram-se inúmeros esforços para sensibilizar ao público e transformar sua percepção do problema. Porém, sabemos que no mundo continua igual. Por que é tão difícil exterminar a violência dentro de nossos lares?

Independentemente da nacionalidade ou da origem das mulheres que sofreram a violência, suas razões para não denunciar os atos de agressão são muito similares: em muitas ocasiões, a mulher pode estar convencida de que a constante violência dentro de sua família é normal, que ela própria é a causadora e a culpada de tudo.

Outra razão muito mencionada é o medo, seja à instabilidade econômica, a não poder manter os filhos/as, medo de separar a família, entre outros.

A mulher que está envolvida em um ciclo de constante violência pode padecer de Síndrome de Indefensão Aprendida: quando a vítima acredita que é indefesa e não tem controle sobre a situação. Em sua mente, qualquer tentativa de mudar sua realidade será inútil ou causará maior dano.

Porém, o que sofre danos severos é sua saúde, pois a OMS menciona as seguintes possíveis consequências: morte e lesões (38% das mulheres são assassinadas por seus companheiros); gravidez indesejada e abortos; depressão; problemas com o uso de álcool e drogas e infecções de transmissão sexual.

De fato, a violência intrafamiliar foi reconhecida pela OMS como “um problema de saúde global, de proporções epidêmicas”.

Todos sabemos que quando alguém adoece, pode ficar incapacitado para ajudar a si mesmo ou para reconhecer a existência de sua doença.

Para os problemas de saúde mais comuns, existem hospitais, consultas médicas e ambulâncias. Porém, quem ajudará a uma pessoa que está exposta à violência intrafamiliar, uma vez que seus sintomas não são tão fáceis de reconhecer à primeira vista?

Sim, existem várias instituições que colaboram na investigação sobre o tema, com a proteção das vítimas; com a defesa de seus direitos humanos… Porém, esse esforço é suficiente para vencer a enfermidade de uma vez por todas? A realidade nos demonstra que não.

Então, o que podemos fazer a respeito? A resposta é, ao mesmo tempo, fácil e difícil, já que todos nós podemos ser médicos e combater com êxito a epidemia da violência. Não podemos deixar todo o trabalho em mãos do governo e das organizações não governamentais, cujos recursos e capacidades de resposta podem ser limitados.

A responsabilidade também recai sobre nós. Temos que informar-nos, ler constantemente sobre o tema, falar com as pessoas e sensibilizá-las.

A violência –como qualquer vírus- não é invencível. É preciso ser conscientes das medidas preventivas e reativas; “vacinar-nos” com a informação objetiva; cuidar-nos e cuidar aos nossos seres queridos e, claro, correr a voz para não deixar que a violência se propague.

Convido as/os leitores a que recordem que o dia para combater a violência contra as mulheres não é o dia 25 de novembro de cada ano; mas, é hoje e agora. Finalmente, segundo as estatísticas, há muitas probabilidades de que a mulher com quem conversamos diariamente seja uma vítima da violência. Você pode salvar a vida dessa pessoa.


* Alena Pashnova é jornalista russa residente no México.


FONTE: Mercado Ético

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