domingo, 4 de setembro de 2011

Educar para a cidadania: a “coqueluche” do século XXI.


Por Cláudio Eduardo Félix (*)

Há  uma verdadeira obsessão pela cidadania. Nos discursos, nas propagandas ou nas formulações teóricas  educacionais, lá está ela ocupando todos os espaços. Cidadão-solidário, cidadão-eleitor, estudante-cidadão, empresa cidadã... O estranho é que tanto a mídia burguesa – com toda a sua parcialidade – quanto alguns sindicatos, Organizações não governamentais, grandes empresas, governo, legislativo, judiciário bradam o tempo inteiro a necessidade de educar para a cidadania.
  
Este texto tem como proposta provocar a discussão a respeito de tal fenômeno. Para tanto, alguns questionamentos são necessários:  Por que esta unanimidade? Quais as raízes e possíveis desdobramentos destes discursos? Como explicar sua defesa tanto pela classe dominante quanto pelos trabalhadores?
  
A cidadania, como a conhecemos hoje, é fruto do ideário burguês do século XVIII. Liberdade, igualdade e fraternidade eram objetivos que se tornaram bandeiras de luta da então classe revolucionária. Movidos pela falta de liberdade política, além dos inúmeros entraves à iniciativa privada, somados a outras reivindicações, os burgueses organizaram-se a fim de garantir aos indivíduos os direitos políticos, econômicos e sociais que só poderiam ser conquistados com a destruição de um modelo de Estado Absolutista, Protecionista e composto por SÚDITOS, substituindo-o por um Estado de Direito, Liberal e composto por CIDADÃOS. Daí, grosso modo, a emergência das revoluções burguesas (Inglesa e Francesa) e o estabelecimento, no ocidente, de organizações estatais fundadas em leis elaboradas pelos representantes  escolhidos pelo povo. 

Por cidadão  entende-se aquele que na esfera da política e da legislação conhece seus direitos e deveres podendo lutar por eles dentro da ordem – do capital - é claro. Desta maneira, o conceito e a prática cidadã são inofensivas à classe dominante. Ser cidadão é ser membro da comunidade política, é apenas o homem em seu momento jurídico-político. Isso implica aceitar as “regras do jogo”. Isto é, pensar e agir de acordo com o ordenamento social estabelecido até mesmo quando se trata de idéias e procedimentos que visam a mudanças neste ordenamento. 

Não se trata aqui de discutir qual o sentido que estamos dando ao conceito de cidadania (cidadania-crítica, cidadania-ativa, cidadania-passiva) ou descartá-la dos debates a respeito da educação. O centro da questão é outro: cidadania é, atualmente, um conceito funcional ao modelo neoliberal/capitalista.

Convenhamos, se o discurso da cidadania representasse alguma ameaça ao modelo hegemônico seria ele tão divulgado quanto o é hoje?

É neste quadro de questionamentos e de incertezas, em grande parte provocado pelos escombros do muro de Berlim e do fim da URSS no final do século XX, que a “coqueluche cidadã”  torna-se epidemia e contamina inúmeras pessoas que antes pensavam a educação como algo bem mais amplo do que o vazio discurso que ora toma corpo. Para estas, o término de uma experiência foi o fim de um projeto. Resta agora, apenas fazer o possível, pois é inviável construir o socialismo numa época em que o capital é o grande vitorioso. Não há nada mais a se fazer a não ser administrar o caos e formar os cidadãos para  reivindicar os direitos que lhes cabe.

Pensamos que mais do que formar para a cidadania, uma tarefa primordial da professora-educadora e do professor-educador é a de possibilitar a realização da educação para a emancipação humana. Esta, em linhas gerais, baseia-se na formação de homens e mulheres em sua totalidade (ontológica, psicológica, científica, política, cidadã,  artística, etc) e dispostos a agir não como cidadãos-solidários-adaptados-ao“esquema”, mas sim como sujeitos sociais conscientes de suas potencialidades transformadoras da história. Desta forma, não se trata de um método ou técnica de ensino, mas em uma outra organização das relações de produção uma outra sociabilidade fundada na livre associação dos trabalhadores.

Seria e esta uma proposta romântica? Inatingível? Acreditamos que não. A história é aberta, portanto passível de transformações. Avaliamos que estas transformações não partem apenas de um desejo subjetivo e lutas dissociadas, mas podem ser efetivadas tendo em vista uma série de fatores (movimentação da burguesia, acúmulo de forças da classe trabalhadora, leitura teórica crítica das raízes dos problemas, etc) que neste artigo, por motivos objetivos, não temos condições de analisar detidamente.

Educar para a cidadania não possibilita uma transformação profunda e radical nos sujeitos. É ela mais uma forma de adaptação do que de transformação. Optar por esta estratégia teórico-metodológica e política implica limitar o foco do olhar do educando e do educador ao imediato.

A educação que busca a emancipação humana não exclui a cidadania (emancipação política), ela vai  além deste discurso falacioso e tão caro à lógica imediatista do modo capitalista de produção.

Por fim, e nunca é demais ressaltar,  concomitantemente ao trabalho em sala de aula, as nossas lutas por condições dignas de trabalho e salário e pela educação pública de qualidade devem estar sempre presentes na teoria/prática de todas as educadoras e educadores comprometidos com a classe trabalhadora.



(*) Cláudio Eduardo Felix, é Mestre em Educação, professor da UNEB - Campus XVI, pesquisador do Centro de Estudos Educação e Emancipação Humana (CEEHU).

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