Por Aluizio Moreira
Para nós o ensino superior não deve orientar/formar o futuro profissional nas limitações apenas do aprender fazer, mas fundamentalmente aprender a pensar. Criar condições para que o futuro profissional não seja um mero repetidor dos pensamentos dos outros, nem tampouco um simples executor, que mecanicamente seja capaz de montar uma engrenagem qualquer.
Se a ciência não avança pela espontaneidade, nem pela inspiração, o homem não existe no vazio, desvinculado da natureza e da sociedade. A ausência de uma reflexão crítica que implica necessariamente no entendimento do mundo, impede-o de ultrapassar os particularismos para atingir o universal. Torna-se prisioneiro do reducionismo, perde a visão da totalidade e de si mesmo como parte dessa totalidade.
O homem como ” um ser no mundo e com o mundo”, deve saber refletir criticamente sobre a realidade histórica em que está inserido e na qual deverá exercer sua profissão, o que implica em praticar o conhecimento como compreensão e entendimento do mundo, pressupostos para sua transformação. (Cf. LUCKESI et al, 1991, p.47-59).
Na verdade o que prepondera no ensino superior é uma visão compartimentada das coisas. Tudo colabora para que se perca a visão da totalidade do mundo e da sociedade, como se fosse possível não estar no mundo, nem na sociedade, ou seja, em nenhum lugar. É como se nem um nem outra existisse. Procura-se a todo custo mostrar que a totalidade é uma criação da mente, que a única coisa real são as partes. Mas as partes não existem sem o todo. Ou seja, uma das condições de existência das partes, é ser parte de um todo. Senão não seriam partes.
Segundo Severino (1996, p. 17)
A educação universitária tem um outro objetivo, tão relevante quanto o da formação científica: é o objetivo da formação política da juventude. Com efeito cabe a ela desenvolver a formação política, mediante uma conscientização crítica dos aspectos políticos, econômicos e sociais da realidade histórica em que ela se encontra inserida. A educação superior brasileira enfrenta esta questão fundamental: formar politicamente uma juventude pela criação de uma nova consciência social capaz de mobiliza-la não só para uma atuação concreta e uma participação política no processo histórico real mas também para um compromisso mais radical de se construir um novo modelo de civilização humana para o Brasil.
Com certeza algum paladino da neutralidade do cientista irá se contrapor a essa afirmativa, alegando que não temos que “misturar” conhecimento científico com política. Mas o cientista é também cidadão. E como tal, deve ter uma consciência clara dos problemas enfrentados pela sociedade, que o atinge não só como cidadão, mas também como homem de ciência.
Não é outra a conclusão de Pinto (1985, p. 535):
A consciência do pesquisador científico alcança o mais alto nível da sua percepção de si ao fazer-se deliberadamente uma consciência política. Para essa finalidade não lhe basta contribuir com as descobertas que arranca do seio da natureza, e que irão beneficiar o homem; é preciso que contribua igualmente, pelos meios políticos que estejam ao seu dispor ou que invente, para humanizar a sociedade, participando da luta pela solução dos seus problemas, pela supressão das contradições sanáveis, as que opõem os homens uns contra os outros.
Como cidadão, o homem de ciência “não pode nem prescindir ou desinteressar-se da sociedade nem aceita-la passivamente tal qual existe ao seu redor, com os conflitos, imperfeições e injustiças que nela se encontram” [pois] “dado o papel mediador representado pela sociedade, e a função de que está incumbido pela sua comunidade, tem por objetivo mediato a transformação da sociedade e a humanização da existência”. (Ibidem, p. 534).
Para os autores de “Fazer universidade: uma proposta metodológica”,
A universidade que não toma a si esta tarefa de refletir criticamente e de maneira continuada sobre o momento histórico em que ela vive, sobre o projeto de sua comunidade, não está realizando sua essência, sua característica que a especifica como tal crítica. Isto nos quer dizer que a universidade é, por excelência, razão concretizada, inteligência institucionalizada, daí ser, por natureza, crítica, porque a razão é eminentemente crítica. (LUCKESI et al. 1991,p. 41)
Mas o que fazemos nós, professores universitários, para o desenvolvimento de uma consciência crítica nos nossos educandos, futuros profissionais?
Com poucas exceções, na medida em que nos limitamos a transmitir conhecimentos como se isso fosse o essencial no processo ensino-aprendizagem, falhamos enquanto educadores, sobretudo porque não contribuímos para desenvolver nos nossos alunos, a capacidade de pensar. Transmitimos para nossos educandos
um mundo já pensado, já interpretado, pronto para uso e consumo: história interpretada, sociedade organizada, normas estabelecidas de moral, leis de direitos codificados, religiões estruturadas, classificação e virtudes dos alimentos especificadas para cada idade, regulamentos para dirigir carro, programas escolares, tudo pronto. Mas a geração de hoje não pode resignar-se a um conhecer o mundo de segunda mão; não pode julgar-se dispensada de pensar naquilo que já pensaram por ela e definiram sem consulta-la. Se as gerações que nos precederam tivessem pensado assim, estaríamos hoje sob o manto da barbárie ou atados a grilhões medievais. (RUIZ, 2006, p. 90-91)
Ou seja, não abrimos espaços para que nossos estudantes rediscutam a história, repensem a sociedade, reinterpretem a moral, reavaliem as leis. . . apenas lhes reincorporamos nossos “saberes” como verdades eternas e indiscutíveis. Isso está evidenciado no método de aula expositiva, o mais utilizado no Brasil, que se caracteriza pela passividade do aluno, ao contrário do método de discussão que além de estimular o educando no estudo da disciplina, possibilita sua participação ativa, oferecendo-lhe a oportunidade de expor oralmente suas opiniões e dúvidas, inclusive com o envolvimento do grande grupo.
CAMPILONGO & FARIA, citados por Furmann, afirmam o seguinte:
A educação a nível universitário converteu-se, então, numa banal e descompromissada atividade de informações genéricas e/ou profissionalizantes – com os alunos sem saber ao certo o que fazer diante de um conhecimento transmitido de maneira desarticulada e pouco sistemática, sem rigor metodológico, sem reflexão crítica e sem estímulo às investigações originais. (CAMPILONGO & FARIA apud FURMANN, 2005, p. 3)
É difícil imaginarmos que em pleno século XXI ainda prevaleça a simples reprodução de conteúdos como método de ensino.
Soares Junior (2006) constata, como é fácil constatarmos no dia-a-dia da atividade docente, que
A estrutura do ensino universitário, via de regra, é inquisitiva e imobilizadora, fruto da própria visão do mundo, já que coloca o professor-educador como o detentor das verdades necessárias ao ensino “adequado”, cuja única possibilidade de espelho são seus pares, ou seja, os iguais a ele, os que, na mesma posição, detêm o poder do saber. E, no outro pólo, encontra-se o aluno, que lá está tal qual uma tabula rasa, uma vasilha, um recipiente, pronto para engolir, para se deixar encher de conhecimentos (verdades perfeitas e acabadas), para permitir a ocupação de sua mente pelos axiomas (valores) do sábio, sem nada poder problematizar.
Visão de fundo elitista, autoritária e conservadora, segundo a qual muitos professores acreditam que por serem professores, detêm o monopólio do saber, diante dos alunos que nada sabem.
Hoje, o que ouvimos mais frequentemente no meio universitário, é o discurso da especialização/profissionalização. É o novo fetiche. Apresentado como exigência para se enfrentar um mundo do trabalho cada vez mais competitivo, a profissionalização virou artigo de consumo. E também de venda. A especialização e a profissionalização estariam na razão direta dos domínios dos conteúdos repassados em sala de aula, das habilidades específicas, o que garantiria ao futuro profissional, não só uma vaga no mercado de trabalho, mas sua ascensão no exercício da sua atividade. Daí a ênfase, os esforços despendidos pelos cursos superiores na formação do profissional executor, ou profissional tarefeiro. O profissional criador/inovador não teria espaço na sociedade.
As conseqüências dessas formas de ver e de tratar o ensino superior, são graves: primeiro porque se passa a admitir que não seja necessário criar um espaço para a interdisciplinaridade, que permita o aluno ver o mundo e a sociedade sob a ótica de outras áreas do conhecimento e seus interralacionamentos. Segundo, cria-se a ilusão de uma atividade descompromissada e neutra em relação às forças sociais contraditórias e conflituosas que integram a sociedade. Terceiro, elimina-se o caráter social do conhecimento, como se este só existisse em função do indivíduo. Quarto, ignora-se o caráter dinâmico e histórico da ciência, acreditando-a imutável. Quinto, defende-se que basta o aluno conhecer, mas não pensar, pois este pensar seria prerrogativa das mentes “iluminadas” e “brilhantes” que exercem a docência.
REFERÊNCIAS
FURMANN, Ivan. Ensino (de (o) ) Direito? A busca de novos referenciais para a pesquisa. Jus Navegandi, Teresina, ano 9. n. 627, mar. 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6475> Acesso 27 fev. 2007.
LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 6.ed., São Paulo:Cortez, 1991.
PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. 3. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985..
RUIZ, João Álvaro. Metodologia cientifica: guia para eficiência nos estudos. 6. ed., São Paulo: Atlas, 2006.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 20. ed., São Paulo: Cortez, 1996.
SOARES JUNIOR, Antonio Coelho. Ensino jurídico: procura-se! Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 1047, 14 mai. 2006. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina.texto.asp?id=8423> Acesso em 27.fev.2007.